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Brancos, ricos, urbanos, jovens e progressistas, os veganos afetam uma superioridade moral incompatível com a realidade alimentar do planeta.
Brancos, ricos, urbanos, jovens e progressistas, os veganos afetam uma superioridade moral incompatível com a realidade alimentar do planeta.| Foto: Pixabay

O veganismo é mesmo para poucos. Entre os países que geram estatísticas confiáveis, o percentual da população costuma oscilar entre 0,5% (caso da Finlândia) e 3% (registrados nos Estados Unidos, na Coreia do Sul, na Suíça e no Brasil). Duas exceções notáveis são a Polônia, onde 7% dos cidadãos se dizem veganos, e Israel, com 5%. De toda forma, na maior parte dos lugares, os veganos formam uma minoria.

Uma minoria que, em geral, é urbana – ou seja, com menor contato pessoal com a agricultura ou a pecuária. Uma pesquisa do Ibope Inteligência de 2018 indicou que 55% dos entrevistados consumiriam mais produtos veganos, caso eles estivessem indicados na embalagem ou tivesse preço equivalente às mercadorias que costumam consumir. Nas capitais, o percentual sobe para 65%.

Nos Estados Unidos, o veganismo é mais comum entre os jovens de 18 a 29 anos e muito mais comum entre progressistas do que entre conservadores – 5% de quem se alinha mais à esquerda no espectro político adota esse estilo de vida, contra 2% dos que estão à direita.

É nos países desenvolvidos, e na Europa e nos Estados Unidos em especial, que o mercado para produtos veganos tem crescido mais. Entre os americanos, a adesão a produtos do gênero cresceu 20% entre junho de 2017 e junho de 2018, enquanto que o consumo de alimentos em geral cresceu apenas 2%.

Uma escolha de ricos

Apesar da moda, por que ainda assim uma parcela tão pequena da população é vegana? É fato que a humanidade, ao longo de sua evolução, criou animais para consumo – o formato da dentição e do aparelho digestivo confirmam que somos uma espécie adaptada para ingerir carne. Aliás, como informa um estudo publicado em 2016 por dois pesquisadores da Universidade Harvard na revista Nature, foi a partir do momento em que os ancestrais começaram a comer carne, 2,6 milhões de anos atrás, que os seres humanos começaram a se desenvolver. Sem uma dieta rica em proteína animal, concluiu a pesquisa, a inteligência humana seria menor.

Abandonar o consumo de proteína animal é, portanto, contraintuitivo, e muitos veganos desistem e voltam a se alimentar de algum tipo de carne – 70% dos que aderem a esse hábito voltam atrás; entre os que fizeram isso, 43% disseram que era muito difícil se ater a uma dieta “pura”.

À parte todas as discussões sobre o assunto, o consumo de proteína animal no mundo segue crescendo, desde 1960, a uma taxa média de 3%. A proteína animal costuma ser fonte eficaz de alimento: bastam 40g de carne por dia, aproximadamente, para fornecer toda a quantidade de proteína necessária para uma pessoa.

A dieta vegana também é cara. E mais: é preciso ser bem informado para aderir a esse estilo de vida. O acesso a informações e médicos é essencial, já que a dieta precisa ser complementada com vitaminas e suplementos que não são baratos. Esse tipo de acesso custa dinheiro e demanda um grau de instrução maior do que aquela a qual a população pobre tem acesso, ainda mais em países em desenvolvimento.

A vegana Andreina Cecchini, do King’s College London, tentou seguir sua dieta com a renda de uma pessoa pobre na Inglaterra – ou seja, £1 por dia. Logo no segundo dia, ela acordou com dor de cabeça. “Eu estava enjoada e extremamente faminta”, contou. E aceitou do namorado uma bebida adocicada – “foi a primeira vez em que eu trapaceei no desafio”. No dia seguinte, ela comeria uma pizza com os amigos, o que claramente custou mais do que ela poderia ter gastado. “Honestamente, falhei no desafio. Senti que meu corpo precisava de mais vitaminas e proteínas”.

A falta de dinheiro e informação pode provocar problemas graves entre os adeptos do veganismo. “Se mal planejada, a dieta vegana pode levar a sérias deficiências nutricionais”, alerta o professor de biociência molecular Chris Elliott, da Queen's University de Belfast, em artigo produzido em parceria com os pesquisadores Chen Situ e Claire McEvoy. “Os veganos costumam ingerir quantidades insuficientes de cálcio e vitamina D, que diminuem a densidade óssea. Fraturas são mais comuns entre veganos do que na população em geral.”

Coisa de supremacistas brancos

Além de urbana e rica, a minoria que adere ao veganismo é privilegiada em outros sentidos. São raros os negros veganos, por exemplo. E há uma razão histórica para isso. “Muitos nacionalistas brancos são veganos ou vegetarianos. E essa não é apenas uma coincidência estranha, mas resultado de uma das crenças básicas do movimento: o conceito de ‘sangue e solo’, desenvolvido na Alemanha nazista”, afirma Alexis de Coning, acadêmica e pesquisadora da Universidade do Colorado. Hitler, lembra ela, era vegetariano. “Há uma longa história de ambientalismo e atenção aos animais nas comunidades brancas nacionalistas”.

“Se tornar vegano ‘pelos animais’ geralmente reflete privilégios de brancos, que podem fazer essa escolha”, escreve a socióloga Corey Wrenn. “A mensagem por trás da suposta superioridade moral dos veganos é de que apenas brancos têm a ‘moral’ correta”. O veganismo, dessa forma, se torna “uma maneira de sustentar a suposta superioridade dos brancos”.

Como afirma a pesquisadora da Universidade de Tecnologia de Sydney, Tani Khara, os veganos costumam ser malvistos por apresentar uma postura moralmente superior. “As pessoas que baseiam sua alimentação em plantas costumam ser vistas pelas demais como esnobes e elitistas”, escreve ela em artigo sobre o tema. “O respeito e a empatia pelos animais característicos de vegetarianos e veganos poderia se estender na direção das pessoas que fazem escolhas diferentes”.

Veganos são pessoas que abrem mão de consumir qualquer tipo de produto derivado de animais, seja ele queijo ou picanha. É uma escolha muito mais complicada do que pode parecer à primeira vista: milhares de produtos utilizam alguma parte de algum animal. É o caso de desodorantes, perfumes, xampus, açúcar, batons, pneus de carro, camisinhas, giz de cera e computadores.

E se o planeta aderisse ao veganismo da noite para o dia? Atualmente a humanidade cria 25 bilhões de animais para comer, seja a carne, o leite ou os ovos, além dos demais produtos. São 19,6 bilhões de galinhas, 1,4 bilhões de cabeças de gado e 980 milhões de porcos, além de 1,9 bilhão de ovelhas e cabras. Esses animais não sobreviveriam sozinhas na natureza. Possivelmente, precisariam ser abrigadas em reservas, que precisariam ser financiadas.

Prejuízo para os pobres

Para suprir a necessidade de proteína, seria necessário estimular a agricultura local, especialmente a dos países em desenvolvimento. Em muitos locais, recuperar as áreas de pasto, ou mudar o tipo de plantio das áreas onde o alimento era dedicado à alimentação dos animais, seria um processo caro e demorado. Por outro lado, é fato que a emissão de gases poluentes cairia bastante – comer 100g de carne todos os dias significa emitir 99kg de CO2 em um ano, e produzir vegetais consome 50 vezes menos água do que produzir carne.

Mas os países mais pobres seriam bastante prejudicados pela dificuldade de distribuição de frutas e legumes frescos em quantidades muito maiores. Além disso, 1,5 bilhão de pessoas que hoje trabalham com pecuária, avicultura e pesca perderiam os empregos da noite para o dia.

Além disso, o impacto na alimentação da humanidade seria enorme. Uma pesquisa conduzida por Christian Peters, da Universidade Tufts, simulou cenários de acordo com diferentes perfis de alimentação. O estudo concluiu que o veganismo alimenta menos gente do que dois dos cenários vegetarianos e dois dos cenários onívoros. E é claro que menos comida prejudica quem tem menos dinheiro.

Ou seja: transplantar o veganismo, de uma fração da humanidade, para todas as pessoas, prejudicaria principalmente os países e as pessoas mais pobres.

Somados, esses fatores indicam que o veganismo vai continuar sendo uma prática para uma elite.

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