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Almas nas margens do Acheron (1898), de Adolf Hirémy-Hirsch.
Almas nas margens do Acheron (1898), de Adolf Hirémy-Hirsch.| Foto: Österreichische Galerie/Wikimedia Commons

Os maiores poetas sempre fizeram as perguntas mais importantes. Uma dessas perguntas versa sobre o destino da alma humana após a morte. O que acontecerá conosco quando sairmos de nossa casca mortal? Aqueles que acreditam que nada acontece não têm nada a dizer; em outras palavras, ser ateísta não faz de alguém um grande poeta.

Homero, o primeiro e talvez o maior poeta de todos, coloca o seu herói a descer para o Submundo. Ele descobre, e nós descobrimos quando o acompanhamos, que os mortos são meras sombras de si mesmos. O submundo é a terra das sombras; nosso mundo é o mundo real. É aqui que as verdadeiras e sólidas almas entram em comunhão com a carne. O que acontece depois que morremos é menos real, como somos nós.

Virgílio, emulando seu mentor Homero, tem o seu próprio herói, Eneias, a descer para a terra dos mortos. Ele descobre que os mortos são julgados e que os perversos sofrem punições terríveis após a morte, enquanto os virtuosos vivem em paz. Entretanto, ainda permanece o senso de que as almas do além são menos reais que Eneias, meras sombras em comparação com ele.

Dante, emulando seu mentor Virgílio, tem seu próprio protagonista a descer para o Submundo. Não é, entretanto, como um herói épico que o protagonista de Dante segue o caminho dos mortos, mas como um miserável pecador. O personagem Dante, na história de ficção – que precisa ser separado de seu autor homônimo –, começa num bosque escuro de pecado e confusão do qual seus próprios pecados o impedem de escapar. Está numa crise de meia-idade e precisando de ajuda. E o tipo de ajuda que ele precisa está além de seu próprio poder, além da “autoajuda” do orgulhoso Pelágio. A ajuda que ele precisa é a assistência sobrenatural, que os teólogos chamam de graça. Portanto, é como um agente da graça que Virgílio é enviado por seus superiores celestes para ajudar Dante.

Conforme Dante começa sua descida aos infernos, nós começamos a vê-lo como a figura de um homem comum. Ele é um de nós, ou melhor, ele não é meramente um de nós: ele é “nós”. Ele é o homo viator. O homem numa jornada ou aventura para alcançar o objetivo de realizar o seu propósito, o seu ser. Ele é o que nós somos, ou quem nós somos chamados a ser. Enquanto ele desce pelos níveis do inferno, encontrando uma alma condenada após outra, ficamos cientes que ele é mais real que elas. Os condenados são meras sombras dos homens que foram chamadas a ser. Eles viraram suas costas para a presença real da realidade e, em consequência, se tornaram menos reais. Eles abandonaram a esperança e se tornaram sombras desesperadas.

Conforme Dante sobe no Monte do Purgatório, ficamos cientes que ele está diante de homens reais que estão em processo de se tornarem mais reais. Eles estão se limpando e se nutrindo pelo espírito de penitência que os anima. Estão se tornando mais fortes, mais sólidos. Em breve serão reais e sólidos o suficiente para subir ao Paraíso.

Conforme Dante ascende ao Paraíso, ficamos cientes que ele agora é menos real que os santos com os quais ele se encontra. Eles são completamente reais, enquanto ele é uma mera sombra em comparação. Para que ele possa se tornar tão real quanto os santos, ele mesmo precisa se tornar um santo. Ele deve estar feliz em aceitar a ajuda espiritual (graça) que ele precisa e sem a qual ele não pode fazer nada. Deve fugir das trevas do pecado e da sombra de realidade que ele oferece. Deve tomar sua cruz purgatoriamente, sabendo que Cristo o ajudará a carregá-la, aceitando e abraçando os sofrimentos da vida como meios para se tornar mais sólido, mais real. Somente ao longo do caminho dessa via dolorosa purgatória é que os portões do céu podem ser alcançados.

No século XX, os dois grandes escritores que seguiram os passos destemidos de Homero, Virgílio e Dante, ao tomar o caminho dos mortos, foram C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien, o primeiro em The Great Divorce [publicado no brasil como O Grande Abismo] e The Last Battle [A última batalha], o segundo em um conto pouco conhecido chamado Leaf by Niggle [Folha, de Niggle]. No meu próximo ensaio, vou seguir Tolkien e Lewis em sua viagem rumo ao vazio e ao além, na aventura para descobrir o que acontece na vida após a morte.

Joseph Pearce é colaborador sênior do The Imaginative Conservative. Nascido na Inglaterra, Pearce é diretor de publicação do Instituto Augustine e autor de vários livros, incluindo “The Quest for Shakespeare”, “Tolkien: Man and Myth”, “Literary Converts”, “Wisdom and Innocence: A Life of G.K. Chesterton”.

©2020 Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês.
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