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Imagem do jogo Call of Duty: WWII Foto: Divulgação
Imagem do jogo Call of Duty: WWII Foto: Divulgação| Foto:

O massacre ocorrido em Suzano acabou despertando uma discussão sobre a possível influência de games para o desenvolvimento de comportamento violento em jovens.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, alimentou a discussão ao sugerir que tragédias como a de Suzano ou Realengo não ocorriam antigamente, quando as brincadeiras de crianças eram mais lúdicas, sem a presença de consoles. Muitos ‘gamers’ se revoltaram com a associação entre jogo e crime, e se manifestaram nas redes sociais em repúdio com hashtags como #SomosGamersNãoAssassinos.

Não é novidade culpar videogames por tragédias ou insegurança pública. Mídias diferentes que aparecem como novidade costumam sofrer preconceito e mistificação por pessoas que não consomem aquele conteúdo. No passado, crimes violentos foram falsamente correlacionados à influência de programas de televisão e quadrinhos. Trata-se de uma busca por respostas fáceis para questões complexas, o que quase nunca é salutar para o debate público.

Embora esse tipo de associação entre games e violência ocorra desde os anos 1970, se tornaram mais frequentes após o massacre na escola Columbine em 1999, seguido por vários outros ataques em massa. Levantou-se a hipótese de que os agressores tinham uma característica em comum: eram usuários de games violentos, o que por sua vez alimentavam seus impulsos assassinos.

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Mourão não é o único político que já veio a público sugerir a correlação entre uma mídia e comportamento violento de jovens infratores. Em novembro de 2018, por exemplo, o governador do Kentucky, Matt Bevin, defendeu que ataques em massa eram fruto pelo acesso de crianças a smartphones, videogames e, até mesmo, programas de TV de zumbis.

Assim, a ideia de que os jogos ajudariam a anestesiar os atiradores em relação às consequências de suas ações se tornou popular. Diversas políticas públicas já foram sustentadas em todo o mundo com base nesta crença. Em um contexto em que videogames estão mais realistas e sangrentos, a questão passou a ser objeto de pesquisas acadêmicas com metodologias cada vez mais robustas.

Houve algumas evidências de que o uso de games poderia suscitar impulsos hostis e comportamentos violentos em curtos períodos de tempo. Entretanto, sem conclusões no tocante a um aumento de probabilidade de alguém cometer crimes violentos, como assaltos ou estupros, muito menos em relação ao cometimento de um massacre como o observado em Suzano.

Entrementes, diversas pesquisas acadêmicas, sobretudo as mais recentes, contrariam a opinião popular de que há causalidade entre o uso de videogames e comportamento mais violento dos jovens.

O que dizem os estudos?

Há um debate acadêmico entre psicólogos e outros profissionais da saúde sobre os efeitos das mídias eletrônicas no comportamento de jovens. Ao longo das últimas décadas, pesquisas já foram conduzidas para investigar os efeitos negativos dos jogos, como dependência, depressão e agressão.

Nesse sentido, muitas pesquisas acadêmicas, sobretudo as realizadas no início do século, concluíram que uma dose de videogames violentos faz as pessoas agirem de maneira um pouco mais rude do que agiriam de outra forma, pelo menos por alguns minutos depois de jogarem. Vários estudos mostraram que as pessoas que consomem mídias violentas (videogames e filmes) podem ser dessensibilizadas em relação a estímulos emocionais, além de verificarem menor empatia e aumento de agressividade. Todavia a maioria desses estudos investigou apenas os efeitos de curto prazo, em que eram submetidos a experimentos imediatamente após jogarem algum game.

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Desse modo, determinar se a exposição em longo prazo desse tipo de mídia incita um comportamento de hostilidade no mundo real e a longo prazo é um experimento mais complexo — e cuja causalidade jamais foi verificada. Pelo contrário, a literatura mais recente vem caminhando no exato sentido oposto.

Isso porque o aumento do consumo de videogames violentos contrasta com a quantidade de crimes violentos cometidos por jovens no Estados Unidos: enquanto as vendas de videogame dobraram entre 1996 e 2013, a quantidade de menores infratores caiu mais da metade entre 1994 e 2010.

Em um estudo de 2011, pesquisadores concluíram que ao manterem jovens entretidos em games, seja porque ficam longe de confusões da vida real, seja pelo divertimento funcionar como válvula de escape em impulsos de jovens, houve redução de 0,03% de crimes no período e local analisados.

Pesquisa de 2015 da Universidade de Oxford mostrou que o mau comportamento muitas vezes verificado em crianças está mais ligado ao tempo despendido jogando videogames, sem controle ou equilíbrio, e não aos jogos em si. Também não conseguiram estabelecer ligação entre jogos violentos e agressões na vida real ou o desempenho acadêmico de uma criança. Por outro lado, concluíram que jogar por menos de uma hora ao dia pode beneficiar o comportamento. Já outro estudo, realizado ano passado pela Universidade de York, não encontrou evidência entre videogames violentos e comportamento violento.

Pesquisa mais recente, de 2018, e com metodologia mais robusta, com um grupo de mais de 3 mil participantes e analisando efeitos a longo prazo, forneceu fortes evidências contra os efeitos negativos frequentemente debatidos de jogar videogames violentos em adultos.

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Por fim, no tocante à assassinatos em massa, especialistas atualmente entendem que se trata de algo multifatorial. Entre os possíveis fatores constam a tensão social, a ausência de laços familiares, a predisposição biológica, além de tendência de perfis criminosos à repetição de comportamentos realizados por assassinos em série.

Mesmo que comprovadamente não haja prejuízos comportamentais para gamers, vale salientar que isso não diminui o papel dos pais. É preciso equilibrar a quantidade de horas jogadas por seus filhos, além de estar ciente do conteúdo dos games que eles jogam, além de quais valores, habilidades e padrões estão sendo transmitidos em cada tipo de jogo.

Os benefícios dos games

Steven Johnson publicou em 2012 a obra "Tudo que é ruim é bom para você: como os games e a TV nos tornam mais inteligentes". O livro é composto de uma série de análises empíricas e pesquisas científicas que argumentam que os produtos da indústria de entretenimento estão afetando positivamente a cognição dos indivíduos a partir de narrativas, roteiros e desafios cada vez mais elaborados. Esse fenômeno de estímulo ao raciocínio dos consumidores destas mídias está se dando de uma forma muito mais natural e dinâmica do que há algumas décadas, e a cultura popular ficou mais complexa e intelectualmente estimulante ao longo dos últimos anos.

Embora muitas pessoas ainda considerem o videogame como algo intelectualmente preguiçoso, diversos estudos demonstram que eles podem fortalecer uma série de habilidades cognitivas, raciocínio lógico, memória e percepção.

Pesquisadores da Universidade de Toronto concluíram em estudo que games de podem melhorar aspectos da atenção visual, não apenas violentos, como de tiro, mas também de jogos de corrida e que envolvam direção.

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Desde 2012 há estudos reveladores sobre efeitos positivos em relação à atividade cerebral e melhorias na atenção visual. De forma similar, há estudos em desenvolvimento em relação a como games podem ajudar a melhorar a condição de pacientes que sofrem acidente vascular cerebral (AVC).

A literatura revisitada pela Associação Americana de Psicologia demonstrou que games podem ajudar na aprendizagem, benefícios sociais e até na saúde e bem-estar.

Mais recentemente a ação de games para ajudar no tratamento contra a dislexia se tornou objeto de estudo publicado na Scientific Reports. Os resultados mostraram que os jogos de ação despertam nos jogadores uma maior capacidade de atenção visual e de leitura em resposta a situações difíceis que surgem, e que esses estímulos podem servir para combater a dislexia. A partir disso, se iniciaram estudos para a criação de softwares específicos para ajudar no tratamento e combate à dislexia.

Pesquisadores sustentam que games de RPG também podem ajudar as crianças a desenvolver habilidades de resolução de problemas, além de aprimorar a criatividade com qualquer tipo de jogo. Essas mesmas habilidades não são desenvolvidas com o consumo de celulares ou computadores.

O estereótipo de jogador socialmente isolado compõe parte do passado, haja vista que o desenvolvimento da indústria tornou os games mais colaborativos que competitivos. Além de pessoas reunirem seus amigos para jogar, games online formaram comunidades virtuais.

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Vale ressaltar ainda um estudo demonstrando que games mais simples e de fácil acesso, como "Angry Birds", tendem a melhorar o humor de seus jogadores, promovendo relaxamento e afastando a ansiedade. Em outras palavras, rendem benefícios emocionais que precisam ser considerados.

Os autores do estudo também destacaram a possibilidade de que os videogames sejam ferramentas eficazes para aprender a resiliência em face do fracasso. Ao aprender a lidar com falhas contínuas nos jogos, as crianças constroem resistência emocional. Não é por motivo diferente que educadores já estão inovando experiências de sala de aula, integrando jogos para estimular o ensino.

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