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Vijay Gupta, fundador da Street Symphony | John D. and Catherine T./ MacArthur Foundation
Vijay Gupta, fundador da Street Symphony| Foto: John D. and Catherine T./ MacArthur Foundation

O Walt Disney Concert Hall, uma fortaleza de aço inoxidável de 274 milhões de dólares, projetada pelo renomado arquiteto Frank Gehry, fica a pouco mais de um quilômetro do Skid Row, área do centro de Los Angeles que tem uma das maiores populações de moradores de rua dos Estados Unidos. Mas para os milhares de pessoas que entram e saem das missões e abrigos ou dormem em tendas nas ruas cheias de lixo, daria no mesmo se a casa de espetáculos estivesse na lua. 

Vijay Gupta escolheu como sua missão preencher essa lacuna. O violinista de 31 anos ganha a vida tocando para abastados na Filarmônica de Los Angeles. No resto do tempo, ele está no Skid Row ou nas prisões do condado, tocando para um público que talvez jamais ponha os pés no Disney Hall. Descrito como “um dos pensadores mais radicais do mundo não-radical da música clássica americana” pela revista New Yorker e “o homem mais interessante da Filarmônica”, pelo jornal Los Angeles Downtown News, seu objetivo é trazer arte e beleza para alguns dos os lugares mais feios da cidade. 

Na quinta-feira, o experimento de oito anos de Gupta de tirar a música clássica do mundo das salas de concerto e levá-la às ruas recebeu reconhecimento nacional quando ele foi nomeado um dos 25 vencedores das bolsas de estudo de John D. John e Catherine T. MacArthur de 2018. A “bolsa dos gênios”, como é mais conhecida, vem com um prêmio de US$ 625 mil que os destinatários podem usar da maneira que escolherem. Em seu anúncio, a fundação deu os méritos a Gupta por “trazer beleza, descanso e propósito para aqueles muitas vezes ignorados pela sociedade” e “demonstrar a capacidade da música de validar nossa humanidade compartilhada”, enquanto também chama a atenção para os problemas sociais existentes em um lugar como o Skid Row. 

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Nascido em 1987, Robert Vijay Gupta cresceu a uma hora e meia ao norte da cidade de Nova York. Seus pais, que emigraram da Índia na década de 1970, tinham altas expectativas para seus dois filhos. Gupta tinha apenas 7 anos quando entrou no programa de pré-graduação da Juilliard School e 11 quando fez sua estreia solo com a Orquestra Filarmônica de Israel, marcando o início de sua carreira internacional. Aos 17 anos, formou-se em Biologia pelo Colégio Marista. 

“Meu pai não tinha documentos quando veio para cá”, disse Gupta ao programa Dateline, da NBC, neste verão. “Ele trabalhava em cozinhas de Nova York, trabalhava no aeroporto JFK na entrega de bagagens. E então eu acho que o impulso veio de eles terem um propósito de novo no mundo, porque seus dois filhos eram talentosos”. 

A pressão para corresponder a essas expectativas às vezes era dolorosa. “Meu irmão e eu passamos muito tempo chorando enquanto tocávamos nossos instrumentos”, disse Gupta ao Dateline. 

Depois de terminar a faculdade, Gupta teve que decidir se ele iria seguir uma carreira na música ou na medicina, ele recordou em um TED Talk de 2012. Enquanto fazia estágio em um laboratório médico em Harvard, ele iniciou uma conversa com Gottfried Schlaug, um célebre neurocientista que estuda os efeitos da música no cérebro. Schlaug enfrentou uma escolha semelhante anos antes, quando desistiu de uma promissora carreira como organista. Ele disse a Gupta que a escola de medicina poderia esperar, mas o violino não. 

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Com esse encorajamento, Gupta brincou: “Eu decidi mirar no impossível antes de fazer o MCAT [teste de admissão] e me candidatar à faculdade de medicina como um bom filho indiano para se tornar o próximo Dr. Gupta”. 

Quando ele entrou para a Filarmônica de Los Angeles em 2007, aos 19 anos, Gupta foi saudado como um prodígio. O colunista do Los Angeles Times Steve Lopez, que fez um perfil de Gupta para o jornal, destacou que o violinista precoce precisava que seu pai assinasse um empréstimo para condomínio porque não tinha histórico de crédito e também que lhe desse caronas pela cidade porque ele era jovem demais para alugar um carro. 

Em um acontecimento que mudaria a trajetória da vida de Gupta, Lopez o apresentou a outro músico que morava em Los Angeles: Nathaniel Ayers. Um baixista que estudou na Juilliard antes que a esquizofrenia o deixasse sem lar, Ayers inspirou o livro de Lopez “The Soloist” (O Solista), que mais tarde se tornou um filme estrelado por Jamie Foxx e Robert Downey Jr. 

Gupta começou a ensinar Ayers a tocar violino. “Fui ficando cada vez mais indignado com o fato de alguém como Nathaniel ter morado na rua em Skid Row por causa de sua doença mental”, ele lembrou em seu TED Talk de 2012. “Quantas dezenas de milhares de pessoas estavam lá, apenas no Skid Row, que tinham histórias tão trágicas como as dele, mas nunca teriam um livro ou um filme sobre elas que as tirasse das ruas?” 

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A questão motivou Gupta a retornar ao Skid Row com seu violino e tocar música para pessoas sem-teto e doentes mentais que moram lá. Em 2010, ele co-fundou a Street Symphony, que se apresenta em prisões, abrigos, hospícios e instalações transitórias de habitação. A cada dezembro, eles apresentam uma performance do Messias de Handel, com músicos profissionais e pessoas do Skid Row. Eles também oferecem instrução musical intensiva para um grupo de companheiros, muitos deles residentes atuais e antigos do Skid Row. 

“A ideia de trazer beleza para aquele lugar desolado e desumanizado se tornou um chamado”, explicou Gupta em entrevista ao jornal Independent em 2014. 

Lugares escuros

Gupta tem sido sincero em entrevistas sobre períodos sombrios em sua vida, classificando a forma de disciplina de seus pais como “manipulação emocional” e Lembrando-se do isolamento que sentia quando frequentava a faculdade com 14 anos de idade. Ele cortou relações com seus pais, que o desprezaram quando ele se casou com a psicóloga e ativista Samantha Lynne apesar de suas objeções, disse ele à New Yorker este ano. 

“Eu tive a sorte de ter grandes pessoas ao meu redor que me apoiaram”, disse ele. “Mas eu penso sobre os lugares muito escuros para os quais minha vida poderia ter ido, particularmente com depressão”. 

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Essas experiências o ajudaram a se conectar com as pessoas que ele encontra no Skid Row. “Eu vejo a minha dor neles, e eu sei que eles a veem em mim também”, disse ele em uma entrevista para o Dateline. “Eu sou incrivelmente privilegiado. Eu pude estudar na Juilliard, eu toco na Filarmônica de Los Angeles. E há uma parte de mim que conhece, sem sombra de dúvida, aquele lugar sombrio”. 

Gupta ainda não disse como planeja usar o dinheiro da “bolsa gênio”, e disse ao jornal LA Times que receber o telefonema da Fundação MacArthur enquanto ele chegava à garagem do Disney Hall foi um choque total: “Acho que gritei palavrões para o comitê pelo primeiro minuto do telefonema”, ele disse, “porque eu estava incrédulo. Foi o sonho mais extravagante possível”. 

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