"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

8 mitos sobre segurança pública em que você sempre acreditou

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Chegará o dia em que teremos que provar ao mundo que a grama é verde.... Frase de G.K. Chesterton.
Imagem disponível em: https://www.pensador.com/frase/MTc2NTM1MQ/

O jornalista, filósofo e polemista britânico G. K. Chesterton, há cerca de um século, profetizou com a frase acima: “chegará o dia em que teremos de provar para o mundo que a grama é verde“.

Pois bem: esse dia chegou.

Para percebê-lo, basta fazer a experiência de ouvir boa parte do que a velha imprensa e a academia divulgam sobre segurança pública no Brasil: desde sugerir a instalação de lâmpadas de led para combater facções do narcotráfico armadas com aparato de guerra; passando pela afirmação de que um criminoso portando um fuzil pode ser inofensivo, enquanto a possibilidade de o “tio Chico” da padaria poder ter um revólver registrado, dentro do balcão, para poder atuar em legítima defesa seria uma ameaça à segurança pública; até a alegação de que um país que impõe pena de prisão a menos de 5% dos homicídios “prende demais”, e que superlotação não se resolve construindo presídios, mas soltando criminosos.

Some a isso a absolutamente acertada acusação do repórter veterano da CBS Bernard Goldberg: “Um jornalista pode sempre encontrar um especialista para dizer qualquer coisa que ele queira”

Pronto. Você já sabe como é uma “discussão” sobre segurança pública em certos setores da velha imprensa ou determinados círculos acadêmicos (discussões sui generis, porquanto todos defendem o mesmo ponto central, divergindo em detalhes colaterais): uma proposta chocantemente desconectada da realidade sustentada por supostos “especialistas” escolhidos a dedo para reforçar a narrativa e dar ares de autoridade à opinião pré-concebida.

Nossa missão com esse artigo é lhe devolver a agradável experiência de ouvir o “óbvio ululante”. Mas adicionando uma coisa a ele: dados que permitam justificá-lo. Vamos, então, expor 8 “mitos” sobre segurança pública que você vive ouvindo por aí .

Mito número 1: O Brasil prende demais

Na imagem, Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara (PR). | Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo
Foto: Albari Rosa – Gazeta do Povo

Todo ano, quando CNJ ou o DEPEN lançam seus relatórios sobre a situação carcerária, é a mesma ladainha: jornalistas com cara de surpresa e estupefação ressaltam como a população carcerária no Brasil cresceu. Em 2018, todas as manchetes anunciavam: “já somos a 3ª maior população carcerária do mundo”.

Mas uma chamada sensacionalista muitas vezes mostra bem menos do que aquilo que ela esconde.

Ora, é natural que o Brasil esteja entre as maiores populações carcerárias do mundo, visto que somos a 5ª maior população do planeta, perdendo apenas para China, Índia, Estados Unidos e Indonésia.

Ou será que o Brasil deveria competir em números absolutos com a Islândia, cuja população é menor do que a de Florianópolis, ou o Principado de Mônaco com seus quase 40 mil habitantes?

O único cálculo que, na verdade, faz sentido é o da taxa de presos proporcional à população (prision population rate).

Segundo esse critério, conforme informações do World Prison Studies, somos a 26ª população carcerária, com 328 presos para cada 100 mil habitantes. Bem atrás de Cuba, por exemplo, em 6º lugar, com 510 presos a cada 100 mil habitantes, ou Estados Unidos que encabeça a lista com 655.

Estamos atrás também de uma nação latino-americana bastante desenvolvida, a Costa Rica, em 21º com 374 presos; e colados no Uruguai, em 27º, com 321 detentos a cada 100 mil habitantes.

Mas aí é que entra mais um importantíssimo “porém”.

Segundo Relatório da OMS, utilizando dados do ano de 2016, a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes dos Estados Unidos era de 6,5. A da Costa Rica: 10,2; do Uruguai, 7,4.

A do Brasil? 31,3 homicídios a cada 100 mil habitantes. A nona pior marca do planeta.

Parece igualmente óbvio que o número de crimes tem de impactar na população carcerária, de modo que levando em conta essa variável, o nível de encarceramento no Brasil em proporção ao número de crimes violentos é bastante baixo.

Como afirmar, assim, que no Brasil se prende demais?

A isso se soma um problema de metodologia que infla os números brasileiros: como bem denunciou o Promotor de Justiça Bruno Carpes em artigo intitulado “O mito do encarceramento em massa”, o critério global do World Prison Studies considera como “preso” apenas detentos em regime integralmente fechado. Já o Brasil turbina seus dados incluindo presos em outros regimes.

De fato, aquele critério adotado mundialmente é realmente o mais racional, visto que os regimes semiaberto e aberto não implicam no mesmo grau de restrição da liberdade.

Sobre isso, explica o doutrinador Guilherme de Souza Nucci, em artigo acerca do tema:

“As pessoas condenadas em regime semiaberto estão em colônias penais, onde não há celas, mas alojamentos coletivos e existe o direito de saída temporária. Infelizmente, não são poucos os lugares nos quais as colônias viraram autênticas Casas do Albergado, ou seja, o preso sai de manhã para trabalhar e volta no fim do dia. São 115.986.

As pessoas condenadas em regime aberto estão em suas residências, pois não há Casa do Albergado no Brasil. Criou-se a famosa prisão albergue domiciliar (P.A.D.). Não há fiscalização alguma. Em tese, o condenado deveria dormir em sua casa e somente dela sair para trabalhar. São 9.209.”

Saliente-se ainda que em muitos lugares não há colônia penal para o regime semiaberto tampouco casa de albergado, de modo que o condenado simplesmente comparece periodicamente à justiça para declarar suas atividades, preservando ampla liberdade de locomoção. No entanto, nos números hoje utilizados essas pessoas, cujo número é incerto mas sabidamente elevado, constam dos bancos de dados como se presas estivessem. São contadas na mesma rubrica dos presos em regime fechado, o que não faz qualquer sentido metodológico.

Pois bem, se levarmos em conta apenas os presos em regime fechado, segundo site do CNJ, temos hoje cerca de 327 mil detentos. Somando a isso os cerca de 241 mil presos provisórios, temos uma população carcerária total de 568 mil presos.

Considerando uma população de cerca de 209 milhões de pessoas, chegamos à marca de 272 presos a cada 100 mil habitantes, o que nos colocaria na 44ª posição no ranking do número de detidos em proporção à população.

Porém, isso deve ser lido à luz do fato de que somos o nono país com mais homicídios em proporção à população, com uma taxa 30 vezes superior à europeia.

Daí já se vê que nossos números estão distantes das chamadas alarmistas.

Ainda mais ridícula e desconectada da realidade é a alegação de haveria um “encarceramento em massa” no país. Isso é facilmente percebido se examinamos a taxa de resolutividade e punição para delitos violentos.

No Brasil apenas cerca de 5% dos homicídios tem seu autor revelado pelas investigações. O que não quer dizer que esses 5% serão presos. Para isso, ainda terão de ser denunciados, processados e condenados antes de o prazo prescricional eventualmente fulminar a possibilidade de punição.

No Reino Unido a taxa de resolução de homicídios é de 85%. Para quem não quiser se comparar a um país europeu, no Chile a taxa de resolução é de 75%.

Ora, como afirmar que um país que pune menos de 5% dos homicídios prende demais ou promove encarceramento em massa? E isso contando apenas os homicídios. Calma que piora: temos percentuais ainda menores para roubos, em que se calcula que haja 60 delitos para cada punição; ou para estupros, com cerca 100 crimes para cada punição.

O que se pode concluir, assim, a partir dos dados concretos, é que o Brasil realmente prende muito… muito pouco.

Mito número 2: prender não serve para nada.

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Sabe aquele papo que você já deve ter ouvido por aí de que “prender não serve para nada”? Então, é mentira.

Na verdade, o que se pode constatar a partir do exame dos fatos é que a efetiva punição auxilia eficazmente no combate à criminalidade e previne crimes graves, revelando-se portanto num mecanismo extremamente útil para salvaguarda de direitos humanos básicos.

Aliás, esse é um dos argumentos mais envoltos em pura hipocrisia. Para perceber isso, preste atenção a um caso: o STF iniciou nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2019, julgamento de ação que avaliará se as condutas hoje previstas como crime de “racismo” devem ser aplicadas por analogia quando praticadas contra homossexuais e transexuais. Você verá todos aqueles grupos que afirmam que “direito penal não serve para nada”, “prender não resolve”, lutando tenazmente para que o STF legisle para ampliar o tipo penal. Logo, é perceptível que quando se está diante de uma pauta que se considera relevante, todos invocam o direito penal e reconhecem sua importância.

Mas vamos aos dados. Steven Levitt (do famoso Freakonomics), Thomas Marvell e Moody Carlisle descobriram e mostraram em artigo acadêmico que cada um ano de punição adicional de um criminoso mediante prisão contribui para uma queda de 16 a 25 crimes por ano – incluindo homicídio, estupro, assalto, assalto à mão armada, roubo de automóveis, roubo de residências e incêndio.

Outras pesquisas confirmam a relação entre aumento das prisões e redução de delitos (aqui; aqui; e para uma pesquisa realizada no Brasil pelo IPEA: aqui).

Tendo, assim, em conta que cada punição evita um número grande de delitos que violam direitos básicos (como o direito à vida), é possível concluir que o direito penal é um mecanismo eficiente para salvaguardar direitos humanos.

É claro que ele não é onipotente, de modo que seguirá havendo delitos mesmo após o funcionamento exemplar do direito penal (há crimes na Suíça, na Suécia e no Canadá), o que será explorado pelos oportunistas que dirão: “viram? O direito penal não resolveu todos os nossos problemas”. De fato, mas ele melhorou muito nossa situação.

Ele também não é o único instrumento útil. Mas os números e o bom senso seguem demonstrando sua validade para proteger bens básicos.

Mitos 3 e 4: “o Brasil abusa da prisão provisória” e “nossa lotação carcerária é excepcionalmente alta”

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Faça a seguinte experiência: pergunte diante de um grupo de pessoas quantos presos ela “chuta” que há para cada vaga no sistema prisional brasileiro. Você ouvirá como resposta mínima o número de cinco.

Então: nem o país com maior superlotação no mundo, as Filipinas, atinge essa marca. Só para você ter uma ideia de como a coisa é exagerada.

No Brasil temos um nível de ocupação de 1.6 presos para cada vaga, uma marca semelhante à de outros países em desenvolvimento. Estamos em 46º lugar no mundo em lotação. Sem dúvida, um número inadequado, mas longe do que é pintado por aí.

Dinamarca, por exemplo, possui 95% de sua capacidade ocupada. Nova Zelândia, Inglaterra e Canadá ultrapassam os 100%.

Quanto ao percentual de presos provisórios, sempre descrito na imprensa e meios acadêmicos como excepcionalmente alto, é de 34,8%, o que nos deixa na 85ª posição mundial, atrás de nações como Dinamarca, Canadá e Suíça.

Mesmo dentro da América do Sul somos um dos países que menos prende provisoriamente, à frente apenas de Colômbia, Chile e Guiana Francesa.

Mas não pára por aí: conforme denunciou o promotor de Justiça Bruno Carpes, aqui também há uma desconexão entre o critério nacional e a metodologia adotada mundo afora, o que infla nossos dados. O estudo mundial do World Prison Studies contabiliza como presos provisórios apenas aqueles que ainda não foram julgados, nem sequer em primeira instância; enquanto no Brasil entende-se como provisório todo preso antes do trânsito em julgado, que costuma levar anos. Feita a correção, nossos índices de prisão provisória são ainda menores.

Mitos 5 e 6: “colocar polícia na rua não funciona” e “direito penal eficiente gera superlotação carcerária”

Foto: Mauro Pimentel - AFP
Foto: Mauro Pimentel – AFP

Colocar policiamento na rua e enfrentar a criminalidade funciona? Claro que sim.

Um estudo do IPEA, já mencionado acima, mostra que “aumentar em 10% o efetivo policial (polícia militar e polícia civil) reduz a taxa de homicídios no próximo ano entre 0,8% e 3,4%”.

A pesquisa ainda constatou que essa taxa de redução de homicídios possui um efeito em cascata (que o artigo chama de “forte efeito inercial”), fazendo com que a queda em um ano gere a tendência de queda proporcional no seguinte. Com isso, aquele aumento de 10% do efetivo “implica que em cinco anos a taxa de homicídios será reduzida entre 3,3% e 13,9%. Para um horizonte temporal de dez anos, o efeito original de um aumento de 10% no efetivo policial gera uma redução da taxa de homicídios entre 5,2% e 22,1%.”

Acabamos de experimentar isso no Brasil com a bem sucedida intervenção federal no Rio de Janeiro. A intervenção basicamente reforçou a presença física das forças de segurança e investiu em treinamento e aparelhamento.

O resultado foi que, apesar da forte oposição da elite carioca formada por artistas, supostos intelectuais e acadêmicos, conforme registrou editorial do jornal “O Globo” de outubro do ano passado:

Oito meses após a intervenção federal na segurança do Rio, os índices de criminalidade apresentam queda consistente. Segundo dados divulgados pelo ISP, em setembro houve redução nos principais indicadores de violência (…).

A letalidade violenta — que reúne os crimes de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial — caiu 13% em relação a setembro de 2017. (…) De acordo com o ISP, esse resultado é influenciado principalmente pela significativa queda no número de homicídios dolosos (17% em relação ao mesmo período do ano passado).

A reportagem registrou ainda que o roubo de cargas também teve queda de 15%; e os roubos de modo geral caíram cerca de 8%.

Entre agosto e dezembro houve quedas consecutivas no número de homicídios, chegando a próximo de 20% na comparação com o ano anterior.

Perceba o gráfico do número de homicídios mensais em 2018, abaixo:

Letalidade violenta RIo 2018
Disponível em: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/

A intervenção federal foi decretada, formalmente, pelo Presidente da República em meados de fevereiro. A partir de março, os números da letalidade violenta sofrem queda consistente e contínua, inclusive contrariando o movimento dos anos anteriores, em que as mortes violentas registraram crescimento a partir julho.

Ademais, ressalte-se que ao contrário da crença disseminada, um direito penal duro e eficiente não implica, necessariamente, em aumento da população carcerária.

Pelo contrário, caso o sistema penal consiga reduzir o número de delitos, isso implicará numa redução do número de prisões.

Cite-se dois exemplos entre muitos que poderiam ser mencionados.

Cingapura possui um sistema penal extremamente duro. Pode-se dizer que excessivamente duro. Todavia, sua população carcerária tem registrado queda nos últimos anos.

Veja o gráfico:

Prison Population Singapure
Disponível em: http://www.prisonstudies.org/country/singapore

Uma das razões que podem ser cogitadas é a queda no número de delitos violentos. Veja, por exemplo, a evolução da taxa de homicídios no país:

Cingapura Homicide rate
Disponível em: https://www.indexmundi.com/facts/singapore/homicide-rate

O mesmo ocorre até mesmo nos Estados Unidos, onde o direito penal é primordialmente competência legislativa dos Estados-membros, tendo em geral uma legislação penal bastante severa. O país registrou durante décadas crescimento exponencial no número de presos, mas a partir de 2008 viu sua população carcerária cair:

Disponível em: http://www.prisonstudies.org/country/united-states-america
Disponível em: http://www.prisonstudies.org/country/united-states-america

Um dos fatores que provavelmente contribuiu para isso foi, igualmente, a queda no número de delitos violentos. Veja o gráfico da evolução do número de homicídios entre 1990 e 2017:

Disponível em: https://www.statista.com/statistics/195331/number-of-murders-in-the-us-by-state/
Disponível em: https://www.statista.com/statistics/195331/number-of-murders-in-the-us-by-state/

Logo, é possível concluir que não há uma relação necessária entre eficiência penal e aumento da população carcerária.

Mito número 7: prender no Brasil não adianta, o que é provado pela taxa recorde de reincidência

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Muitas pessoas afirmam que no Brasil “não adianta prender, porque prisão não resolve o problema”. O fundamento apresentado é que dificilmente a prisão ressocializaria alguém, como demonstra a elevada taxa de reincidência.

Só que: em primeiro lugar, ainda quando a prisão não alcança a finalidade ressocializadora (que depende enormemente do compromisso do preso), ela não deixa de atender a suas outras finalidades, dentre as quais ressaltamos as seguintes: punir o delito, deter fisicamente o autor do crime impedindo que cometa novas infrações, reafirmar para a sociedade a vigência do Estado de Direito, dissuadir outras pessoas de práticas criminosas mostrando que o crime pode ter um custo superior aos ganhos que possibilita (sobre este último ponto, leia aqui).

Ademais, a reincidência não é alta só no Brasil. É alta no mundo todo.

Para perceber isso é necessário inicialmente esclarecer: o que significa reincidência.

Se definirmos reincidência como a simples passagem pela cadeia de alguém que outrora já foi detido (ainda que uma ou ambas as prisões tenham sido provisórias, isto é, contando mesmo pessoas que são presas, mas depois não são condenadas), nossa reincidência será realmente bastante alta: cerca de 70%, segundo relatório do DEPEN de 2001. Esse dado é amplamente utilizado no Brasil.

Todavia, segundo estudo publicado pelo IPEA, “analisando o exposto nesse documento [o relatório do DEPEN mencionado no parágrafo anterior], percebe-se que o conceito utilizado é bem amplo e considera, em verdade, a reincidência prisional como parâmetro de cálculo. Para o Depen, o indicador é definido como o número de reincidências sendo igual a presos recolhidos no ano com passagem anterior pelo sistema (condenados ou não). Ou seja, a porcentagem de 70% está sobrestimada pelos presos provisórios, que têm seu movimento influenciado pela atividade policial e que não necessariamente se convertem em condenações.”

Mas mesmo nesse critério amplo, não ficaríamos atrás de outros países. No Canadá, estatísticas dos presos federais mostram que cerca de 80% das pessoas detidas voltam a passar pelo sistema penitenciário.

Nos Estados Unidos, 83% dos presos libertados voltam a ser detidos dentro de 9 (nove) anos, segundo dados do Escritório de Estatísticas da Justiça. No Reino Unido, 78%, usando a mesma metodologia.

Veja essa lista de vários países desenvolvidos, registrada em artigo acadêmico sobre o tema, demonstrando o índice de reincidência (em sentido amplo) para cada nação dentro de um determinado período de tempo:

Reincidência
Disponível em: <https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0130390&type=printable> (pág. 4)

O país com a menor taxa de reincidência no mundo é a Noruega, mesmo assim um número que alguns podem não considerar baixo: 1 a cada 5 detentos voltam a delinquir.

E esse percentual não fica longe do encontrado no Brasil pelo IPEA, em parceria com o CNJ, considerando “apenas o conceito de reincidência legal – conforme os artigos 63 e 64 do Código Penal, só reincide aquele que volta a ser condenado no prazo de cinco anos após cumprimento da pena anterior.” Com esse critério, a taxa de reincidência no Brasil é de 24,4%, um a cada quatro condenados.

Mito número 8: as prisões estão cheias de ladrões de galinha

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Sobre esse tema há uma palestra imperdível do Procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro, no YouTube, realizada no Congresso do Brasil 200, a qual recomendamos.

O fato é que a análise de nossa legislação deixa claro que não existe no Brasil hoje uma política generalizada de prisão para delitos de baixa e média periculosidade.

Com efeito, se o crime tiver pena máxima de até 2 (dois) anos, “o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”, não se submetendo o autor a prisão. Ele, todavia, não poderá usufruir desse benefício mais de uma vez no espaço de 5 (cinco) anos.

Se o crime tiver pena mínima de até 1 (um) ano, “o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos”, acordando o cumprimento de condições nesse período, conforme o art. 89 da Lei 9099/95, evitando que haja condenação ou prisão. O processo fica suspenso durante o chamado “período de prova” (de 2 a 4 anos), enquanto o acusado cumpre as condições acordadas. Após o cumprimento integral, a punibilidade é extinta, sem que o autor do delito seja detido.

Caso não faça jus a esses benefícios, numa primeira condenação de até 4 (quatro) anos, a pena de prisão poderá ser substituída por restritiva de direitos, segundo o art. 44 do Código Penal. Assim, o condenado apenas prestará serviços à comunidade, pagará algum valor ou sofrerá alguma outra restrição, sem precisar ficar detido.

Na hipótese de ser efetivamente preso, apenas irá para o regime fechado o condenado: a mais de 8 (oito) anos (o que exige a prática de delitos bastante graves); a mais 4 (quatro) anos e reincidente; ou, condenado a sanção inferior a 4 (quatro) anos que seja reincidente e tenha outras circunstâncias do art. 59 do Código Penal desfavoráveis (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime).

Logo, inexiste uma política de banalização da prisão. Aliás, como bem demonstra o palestrante no vídeo acima, o exame do perfil da população carcerária brasileira também demonstra não é composta majoritariamente por “ladrões de galinha”.

Conclusão:

Encerro, ainda, com algumas propostas feitas pelo penalista Guilherme de Souza Nucci, em artigo já citado que escreveu sobre o tema:

para resolver as mazelas do sistema fechado, é fundamental abrir novas vagas, conferindo a indispensável dignidade da pessoa humana no cárcere. Trabalhar por condições dignas aos presos implica: a) mais vagas no fechado; b) colônias penais aparelhadas, que não virem casas do albergado; c) efetivar casas do albergado para os abrigados em regime aberto; d) mais vagas nas casas de detenção provisória. É esse o objetivo: construir presídios e abrir vagas, o que não se faz no Brasil, de maneira eficiente, há muito tempo.”

Por derradeiro, colaciono trecho de editorial da Gazeta do Povo, de 26 de dezembro do ano passado:

“é preciso responder com maior investimento na construção de presídios – superando a falsa dicotomia entre ‘construir cadeias’ e ‘construir escolas’ que tantos ideólogos repetem; afinal, não há sociedade que não precise de ambas – e maior agilidade do Poder Judiciário para que os presos que aguardam julgamento possam finalmente ter sua situação definida. Indultos não são a resposta adequada porque apenas reforçam a cultura de impunidade. Afinal, um criminoso já tem uma enorme chance de escapar impune do crime que comete. Se tiver o enorme azar de ser identificado e pego, ainda pode escapar da condenação. Se efetivamente começar a cumprir pena, jamais terá de passar muito tempo na cadeia, graças a progressões de regime e, finalmente, indultos. Essa política transforma o Código Penal, que prescreve tempos de reclusão para cada crime, em letra morta, quando não em piada. Esta certeza da impunidade – ou de uma punição que jamais é levada integralmente a cabo – não poderia ser incentivo maior para o crime.”

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