"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Dia dos Pais passou, mas dados mostram que a presença paterna tem de permanecer

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No último domingo, dia 9 de agosto, como todos sabem, comemoramos no Brasil o Dia dos Pais.

Essa comemoração surgiu nos Estados Unidos, em 1909. A ideia foi concebida por Sonora Louise Smarrt Dood. Ela era filha de um ex-combatente da Guerra Civil americana, William Jackson Smart. Seu pai se tornara viúvo, em virtude da morte da esposa durante o parto de sua sexta criança. Ele, então, criou sozinho todos os filhos. William era visto por Sonora como imensamente dedicado. Assim, ao ouvir um sermão de Dia das Mães, ela pensou: por que não homenagear também os pais?

Ela, então, iniciou uma campanha para a instituição de uma data de homenagem aos pais, tendo angariado o apoio da associação de jovens cristãos do local. Assim, no ano seguinte, 1910, no dia do aniversário de seu pai, 19 de junho, foi comemorado o primeiro serviço religioso em homenagem aos pais. Até hoje, nos Estados Unidos, o Dia dos Pais (Father’s Day) é celebrado no terceiro domingo do mês de junho. A data foi adicionada ao calendário oficial em todo território do país em 1966, pelo Presidente Richard Nixon.

Nesse meio tempo, a data foi importada para o Brasil. Ela foi trazida pelo publicitário Sylvio Bhering, no ano de 1953. Na época, a data escolhida correspondia à festa católica de São Joaquim, pai de Nossa Senhora, celebrada em 16 de agosto. Após o Concílio Vaticano II, o santo passou a ser festejado no segundo domingo de agosto, sendo essa a data em que também se comemora o Dia dos Pais no país. Segundo matéria do blog Sempre Família da Gazeta do Povo:

“A data para comemorar o Dia dos Pais varia muito ao redor do mundo, mas boa parte dos países adotou a data norte-americana, como a França, a Argentina, o Chile, o Japão, a Índia, o Reino Unido e o México. Outros, como a Itália, a Espanha, a Bolívia, Portugal e Angola, o comemoram em 19 de março, dia de São José, o pai adotivo de Jesus. A Alemanha celebra os pais no dia da Ascensão do Senhor (uma data variável, que ocorre em maio ou junho).”

Tendo em vista que a data foi pensada, assim como o Dia das Mães, para fortalecer os laços familiares, podemos nos questionar sobre o papel e a relevância da figura paterna nas casas nos dias atuais. Esse tema poderia ser abordado sobre várias perspectivas: religiosa, ética, antropológica, jurídica etc. Mas gostaríamos de abordá-la sob o prisma específico das ciências sociais e, em alguma medida, das políticas públicas, buscando responder às seguintes questões: existe interesse social em fortalecer a presença paterna nos lares? E, em caso de resposta positiva: como isso pode ser feito?

Para responder ao primeiro problema é necessário esclarecer quando se configura um interesse social.

Basicamente, cremos que há interesse social quando um determinado arranjo institucional (no caso, o arranjo familiar em que há a presença paterna na criação dos filhos) favorece o desenvolvimento pessoal e social. Sem dúvida alguma, é difícil em sociedades plurais definir em que consistiria o desenvolvimento pessoal e social. Mas alguns pontos são objeto de consenso: redução da criminalidade, diminuição da pobreza, melhoria dos níveis educacionais e acesso ao trabalho.

Pois bem. Todos esses fins socialmente relevantes são, comprovadamente, promovidos pela presença paterna.

Antes de adentrar nos dados, é importante deixar claro que com isso – obviamente – não se está a afirmar que a presença paterna impeça com absoluta segurança a pobreza, o envolvimento com o crime, ou baixos padrões estudantis ou profissionais.

Tampouco, por outro lado, que as muitas famílias que existem hoje, no Brasil e no mundo, compostas apenas pela mãe e os filhos, não possam ser bem-sucedidas nesses pontos (como muitas o são de fato).

O que se está a demonstrar, a partir dos dados que serão expostos, é que, empiricamente, as evidências demonstram que o arranjo familiar com presença paterna favorece aquelas finalidades, e implica em resultados significativamente melhores conforme as estatísticas. Ou seja, pode-se dizer que aqueles fins são tendencialmente favorecidos pela presença dos pais.

Nesse sentido, foi célebre o discurso do ex-presidente americano Barack Obama, “feito no Dia dos Pais em 2008, em uma igreja de Chicago”, quando “o então candidato à presidência dos EUA criticou os pais ausentes. Ele falou sobre os pais que ‘abandonaram as suas responsabilidades, agindo como meninos, em vez de homens’”.

E continuou:

“’Nós conhecemos as estatísticas – que as crianças que crescem sem um pai têm cinco vezes mais chances de viver na pobreza e cometer crime; nove vezes mais chances de abandonar a escola e vinte vezes mais chances de parar na prisão’, relatou Obama, que também cresceu sem o pai desde os dois anos de idade”.

Vejamos alguns dados e pesquisas acerca do tema.

No tocante à realidade brasileira, segundo dados do IBGE publicados em 2018, cerca de “26,5% da população, ou quase 55 milhões de pessoas, viviam com rendimento inferior a esta linha em 2017 (cerca de R$ 406,00 mensais)”, isto é, abaixo da linha da pobreza considerada como renda per capita diária de U$ 1,90 dólares (levando em conta a chamada paridade do poder de compra da moeda).

Entre mães sem cônjuge (mães solo), no entanto, esse percentual mais do que dobrava, chegando a quase 57%. O estudo publicado pelo IBGE concluiu que: “Um dos grupos vulneráveis são pessoas que moram em domicílios formados por arranjos cujo responsável é mulher sem cônjuge com filhos de até 14 anos de idade (56,9%), e se o responsável desse tipo de domicílio (monoparental com filhos) é mulher preta ou parda, a incidência de pobreza sobe ainda mais, a 64,4%.”

Gráfico retirado do documento "Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira - 2018", publicado pelo IBGE, pág. 60. Disponível em: .
Gráfico retirado do documento “Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira – 2018”, publicado pelo IBGE, pág. 60. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf>.

O mesmo trabalho do IBGE registra que os grupos familiares constituídos por mães sem cônjuge (famílias monoparentais femininas), com filhos de até 14 anos, também apresentam altos níveis de restrição no tocante ao acesso a serviços como educação, proteção social, moradia, saneamento básico e internet. O documento consigna que: “como apresentado em outras sessões da publicação, arranjos monoparentais femininos com filhos de até 14 anos mostram-se um grupo muito vulnerável, e as restrições a que estão sujeitos também confirmam essa constatação”.

Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil. Pelo contrário, constitui um quadro bastante estabelecido mundo afora. Inúmeras pesquisas americanas, mostram que crianças nascidas no seio de uma família com pai e mãe presentes têm 80% menos chances de crescer numa situação de pobreza.

chance de envolvimento com o crime também é significativamente modificada pela presença do pai na criação das crianças. De fato, uma pesquisa levada a cabo por Samuel Vichinski, do Departamento de Desenvolvimento Humano e Ciências da Família da Universidade de Óregon, constatou que a chance de adolescentes se envolverem com condutas criminosas é reduzida pela metade quando crescem vivendo com o pai e a mãe.

Outra pesquisa, levada a cabo por Deborah Cobb-Clark da Universidade de Melbourne, utilizando dados do National Longitudinal Study of Adolescent Health, concluiu: “Nossos resultados sugerem que a presença de uma figura paterna durante a adolescência pode ter efeitos protetores, principalmente para os homens, tanto na adolescência quanto na idade adulta jovem.”

Ainda, na Universidade da Pensilvânia, a tese de doutorado da pesquisadora Jennifer Shwartz, também chegou à conclusão de que: “A ausência do pai tem um efeito forte e significativo nos níveis de envolvimento com violência, tanto para filhos homens quanto para mulheres (…)”.

Inúmeras outras pesquisas confirmam a tendência estatisticamente significativa de a ausência do pai impactar em envolvimento com delitos.

A presença paterna também apresenta resultados positivos sobre o desempenho educacional, além de facilitar a mobilidade social ascendente. Quanto a esse último ponto, pesquisa do National Bureau of Economic Research dos Estados Unidos, realizada por dois economistas de Harvard e dois da Universidade de Berkeley, demonstrou que a presença do pai tem um impacto não apenas no nível individual, facilitando que os filhos alcancem um padrão de sócio-econômico superior ao dos pais; mas também no nível coletivo, ou seja, quanto mais famílias com pais presentes houver, mais fácil se torna a ascendência social naquela comunidade. Frise-se que o estudo foi bastante amplo, examinando a renda de mais de 40 milhões de crianças e de seus pais.

Também o pesquisador de Stanford Matthew DeBell, realizou estudo, estimando “o número de crianças americanas do jardim ao 12º ano que vivem sem seus pais biológicos e averiguando a associação da ausência paterna com o bem-estar dos filhos”. A pesquisa conclui que, embora outros fatores econômico-sociais possam impactar nos resultados, “a ausência paterna está associada a redução de bem-estar infantil: redução dos níveis de saúde, menor desempenho acadêmico, piores experiências educacionais e menos envolvimento dos pais nas atividades escolares”.

Logo, é possível concluir que existe interesse social em favorecer e estimular a presença paterna durante o desenvolvimento infantil dos filhos.

Fica então por responder a segunda questão: o que a sociedade, o Estado e as empresas podem fazer a respeito desses dados? Uma primeira tarefa simples é promover a conscientização. Para revigorar a presença dos pais, os agentes sociais podem divulgar informações como aquelas expostas acima, demonstrando por que é importante estabelecer uma família e relações paternas com laços fortes e estáveis.

Acreditamos que muitas vezes se silencia sobre o tema, por receio de que o assunto soe moralista ou como uma condenação de quem não vive no arranjo promovido. Mas não se trata disso. As pessoas têm a liberdade de fazer suas escolhas. E mesmo quem não escolheu educar um filho sozinho e se encontra nessa situação não está, de modo algum, predestinado a alcançar resultados insatisfatórios. Todavia, essa situação impõe dificuldades extras, em especial para mulheres (segundo se extrai dos dados), como a recolocação no mercado de trabalho ou continuidade dos estudos. Por isso, é importante levar a informação até as pessoas, a fim de que possam tomar decisões, fazer planos e realizar projetos de modo esclarecido.

Além da conscientização, o Estado e as empresas, na qualidade de empregadores, podem e devem facilitar a presença paterna, favorecendo um compartilhamento mais igualitário entre as responsabilidades de pais e mães.

Encerramos aqui citando trecho constante de editorial “Nossa Convicções” da Gazeta do Povo, acerca do “valor da família”:

“é perfeitamente razoável que a sociedade se ocupe da tarefa de proteger a família e sua prole com iniciativas que facilitem a convivência entre pais e filhos, no âmbito comunitário e também institucional – é louvável uma legislação que reconheça a importância da família como célula básica da sociedade e dê condições para que pais e mães possam estar sempre presentes ao longo da vida dos filhos, como licenças e regras trabalhistas que permitam uma flexibilização de horários acertada entre patrão e empregado, de acordo com situações particulares.

Uma sociedade que aposta na família, que se esforça para evitar a desagregação e a fragilização dos lares, que valoriza os filhos como uma verdadeira riqueza e que, na medida do possível, se inspira nessas características positivas da família ao formular suas políticas públicas tem tudo para ser uma sociedade saudável. Famílias fortes levam a sociedades fortes.”





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