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Encerramento das votações da “Constituição cidadã”, com o discurso do presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), deputado Ulysses Guimarães, no dia 22 de setembro de 1988. | Senado Federal/Arquivo
Encerramento das votações da “Constituição cidadã”, com o discurso do presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), deputado Ulysses Guimarães, no dia 22 de setembro de 1988.| Foto: Senado Federal/Arquivo

Em 2018 a Constituição Federal completa 30 anos. Trata-se da Constituição mais democrática que nosso país já teve. Ao longo de sua existência, muitos direitos foram conquistados, a saber: direito a um julgamento justo, direitos sociais, de não ser torturado, de liberdade de expressão, de pensamento, de religião, de associação à propriedade, liberdade de imprensa, ao devido processo legal, à integridade física, à privacidade, ao voto, enfim, direito à vida em sua plenitude.

A democracia é resultado de anos de luta por direitos. E, o que nos chama a atenção neste momento, é o forte apelo popular que clama pela volta da ditadura militar no Brasil

Os argumentos em defesa da tomada (à força) dos militares são os mais variados possíveis. Alguns deles até poderiam ser justificáveis pela insatisfação com a (des)ordem política e sua corrupção generalizada, mas isso não os pode fundamentar. Há, ainda, o desconhecimento da perspectiva histórica, que remonta aos períodos nos quais houve uma alternância entre ditadura e democracia. A volta da ditadura tem sido romantizada por uma pequena, mas barulhenta, parte da população. 

Então, afinal, qual é a função e o papel da democracia em um Estado como o brasileiro, que vive uma época com forte clamor pela intervenção militar? 

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De início, é importante destacar que a concepção da democracia não pode se desvencilhar da idealização do viver em sociedade como povo, cujas liberdades e garantias devem ser resguardadas a fim de não proteger a minoria que governa, mas sim a maioria dos cidadãos. 

De acordo com Touraine (1996), a democracia não pode se separar da ideia de povo, do viver em sociedade, que garantias e liberdades sejam resguardadas de forma a proteger a grande maioria da população e não a minoria política[1]. 

Por sua vez, Giovanni Sartori em seu livro A teoria da democracia revisitada, se vale de uma definição pautada na negativa, pela qual a “democracia é um sistema no qual ninguém pode escolher a si mesmo, ninguém pode investir a si mesmo com o poder de governar e, por conseguinte, ninguém pode arrogar-se um poder incondicional e ilimitado”[2]. Ademais, muito pertinente e esclarecedora tendo em vista o nosso cenário político atual. 

Nesta esteira podemos entender democracia como uma sistemática sob a qual deve figurar o povo, cujo poderio não deve estar centralizado na posse de um único indivíduo que o manipula conforme seus interesses. Se assim for, teremos ditadura, totalitarismo e autocracia. 

Nas palavras de Bobbio (1994), “o perfeito governo livre é aquele em que todos participam dos benefícios da liberdade”[3], ou seja, as garantias já resguardadas não podem ser suprimidas ou abreviadas pelo autoritarismo requerido. Ao contrário, devem ser ampliadas, estendidas, desenvolvidas para que todos possam usufruir os benefícios e privilégios de participar de um governo livre. 

É preciso tomar muito cuidado quando o que está em pauta é o pedido por governo autoritário. Essa ideologia não pode impor uma ordem que se sobreponha aos direitos e garantias já resguardadas na Constituição. 

Se em uma ditadura é o presidente o detentor soberano do poder, possuindo discricionariedade em seus atos, na democracia, como é possível perceber, o presidente tem seus atos e procedimentos supervisionados pelos demais Poderes, que devem viver em equilíbrio para que a máquina trabalhe em sintonia. 

Resta claro que um dos mais marcantes atributos da democracia é balancear a tripartição dos Poderes de forma que cada poder possua equilíbrio em suas atribuições e atuações. Não se pode retroagir no intuito de oprimir e suprimir direitos já garantidos. Ao contrário, deve-se buscar mais justiça social através do equilíbrio almejado. 

O povo é o mais genuíno detentor da soberania democrática, embora pareça não possuir tal conhecimento. Que o povo saiba que no governo democrático tanto as liberdades quanto as garantias individuais conquistadas não podem ser limitadas, o que já não ocorre com o poder autoritário. 

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A prevalência da democracia implica no aprimoramento do respeito aos direitos fundamentais, no desenvolvimento econômico do Estado, na boa gestão pública e na busca pela Justiça social, proporcionando oportunidades iguais às pessoas, o respeito às diferenças e a toda sorte de pluralidade. 

Resguardar a democracia implica em resguardar a Constituição que é a expressão de tantas lutas históricas que geraram conquistas, as quais garantiram direitos e liberdades. Por que retroceder? 

O clamor popular por intervenção militar no Brasil, portanto, com respeito a quem a defenda, é o maior retrocesso que o povo pode atribuir-se a si mesmo, pois inevitavelmente ela vem acompanhada da perda das garantias e liberdades tão arduamente conquistadas. Embora um caminho ainda longo deva ser percorrido, exalte-se a Constituição de 1988 e seus 30 anos de conquistas.

[1] TOURAINE, Alain. O que é a democracia? 1996. 

[2] SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. 1994. 

[3] BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 1994.

Francismery Mocci é advogada associada do escritório Marins Bertoldi, graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e especialista em Direito do Trabalho. Polyana Lais Majewski Caggiano é advogada associada do escritório Marins Bertoldi, graduada em Direito pelo Unibrasil e especialista em Direito Constitucional, em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário.

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