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As redes sociais têm sido palco de debates jurídicos nos últimos dias sobre os reflexos da infidelidade no âmbito das relações familiares, especialmente no que diz respeito à obrigação alimentar entre ex-cônjuges e companheiros. Para além da importância do debate em si, as discussões ganham mais relevância quando se constata o equívoco de notícias com o teor “O infiel não tem direito à pensão alimentícia, reconhece o STJ”.

Junto-me aqui a outras vozes para esclarecer esse “mal-entendido”. Sobre o referido julgado (AgResp 1.269.166), trata-se, em verdade, de decisão monocrática que não adentrou no mérito da questão, ou seja, a ministra Isabel Gallotti apenas analisou aspectos formais do recurso especial, entendendo haver óbice processual para levá-lo a julgamento pelo colegiado. A situação trazida no recurso, portanto, não foi julgada. Assim, uma coisa é certa: o STJ não se manifestou sobre o cabimento ou não da pensão alimentícia ao consorte infiel. 

O caso chegou à Corte Superior em razão de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que a infidelidade virtual praticada pela esposa configurou comportamento indigno hábil a afastar o direito de receber alimentos do ex-marido.

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A indignidade como causa de cessação da obrigação alimentar está prevista, de forma genérica, no artigo 1.708, parágrafo único, do Código Civil. O legislador não especificou o rol de condutas consideradas indignas para fins de exoneração dos alimentos, ao contrário do que estabeleceu para o caso de perda do direito à herança, trazendo um rol do que é considerado procedimento indigno (art. 1.814, CC) - no qual, aliás, a infidelidade não está incluída. Não há unanimidade entre doutrina e jurisprudência acerca da exaustividade desse rol, e a indefinição de um conceito jurídico de indignidade amplia ainda mais as discussões a respeito. 

Vale registrar o Enunciado 264 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CNJ), que estabelece que as mesmas hipóteses de indignidade que afastam a herança devem ser aplicadas para afastar os alimentos. Percebe-se, todavia, uma tendência dos tribunais em aplicar o rol de forma taxativa para fins sucessórios ao passo que, nos casos de extinção da obrigação alimentar, admitem um conceito aberto de indignidade a partir do caso concreto.

Ao se tratar de alimentos entre ex-cônjuges, a grande celeuma é trazer de volta a já apagada discussão de culpa pelo fim da união. Uma relação a dois não se acaba por uma única causa nem por um único culpado. E não se pode substituir a culpa pela indignidade. 

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A infidelidade, por si só, ainda que gere indiscutível sofrimento, não fere necessariamente a honra e a imagem do traído, a ponto de retirar do infiel o direito fundamental ao mínimo para sua subsistência (art. 1.704, parágrafo único, Código Civil). Nessa ordem de ideias é que, nos casos de relacionamento extraconjugal, o dano moral indenizável tem sido reconhecido pelos tribunais somente nas hipóteses de situações extremas, vexatórias, de induvidosa lesão ao direito de personalidade. 

Por fim, há que se considerar, ainda, que, apesar da incontestável conquista das mulheres como parte importante na economia familiar, quando se fala em alimentos entre ex-cônjuges, a esmagadora maioria dos casos ainda tem como parte alimentada as mulheres.

Como bem pontua o professor Rolf Madaleno, a igualdade constitucional não está inteiramente consolidada no plano da existência, pois ainda esbarra na dificuldade de adaptação cultural do país. A igualdade, portanto, de condições no que tange aos alimentos devidos pela ruptura conjugal, deve ser cuidadosamente analisada de acordo com as peculiaridades de cada caso, levando-se em consideração o projeto de vida adotado pelo casal na constância do relacionamento e a forma como o papel da mulher foi exercido durante o tempo de convivência. 

Fernanda Pederneiras é advogada, especialista em Direito de Família e Sucessões e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Seção Paraná (IBDFAM/PR)

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