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| Foto: Pedro SerapioGazeta do Povo

O último relatório da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) calcula que em 2015 mais 83 milhões de passageiros viajaram de ônibus rodoviário pelos estados brasileiros, pelo país ou em viagem internacional. Viagens que trouxeram inúmeras histórias para contar, sejam elas boas, ruins ou engraçadas. Entre as más lembranças podem estar incômodos simples ou algo realmente sério. Mas como diferenciar uma situação grave, e que pode resultar até indenização dano moral, daquela que é um mero desconforto? 

Para o professor de Direito do Consumidor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Marcelo Junqueira Calixto, situações de conflito entre passageiros estão no limiar entre dano moral e mero aborrecimento. Na visão de Calixto, idealmente, quem deve decidir o que gera ou não dano é a pessoa afetada, ainda que exista uma preocupação da Justiça, que até já virou campanha, para evitar que “meros aborrecimentos” se tornem ações e contribuam para a “indústria do dano moral”. 

Para situações não previstas expressamente em lei, o advogado João Tancredo recomenda a fórmula genérica de colocar na balança o que seria o comportamento médio e avaliar se é o caso de acionar à Justiça. E Gustavo Kloh, advogado e professor de direito do consumidor da Fundação Getúlio Vargas,  lembra que as leis são feitas a partir de demandas da sociedade e irão depender da cultura de uma região ou país. “Os espaços públicos de convivência podem ser compartilhados de forma tolerante ou intolerante. Não tem jeito certo, mas isso é uma decisão política. Eventualmente a legislação vai intervir. Cada povo se organiza como acha que tem que se organizar”. 

 Confira como lidar com esses problemas na prática e quando eles podem ter consequências jurídicas: 

Barulhos irritantes, luz acesa, conversas em voz alta ou comida malcheirosa: 

Nem todo mundo gosta de viajar do mesmo jeito. Há quem goste mais de ter sossego e há os que preferem se distrair, seja conversando, lendo ou fazendo um lanche caprichado. Se o cheiro, o barulho ou luz atrapalharem outros passageiros, em geral, esse tipo de situação deve ser resolvido com conversa e bom-senso. Não há norma que obrigue uma pessoa a parar de se comportar de maneira que incomode os outros que estão viajando no mesmo ônibus. 

E se faltar bom senso? Cabe dano moral?

Se as pessoas não souberem conversar civilizadamente, xingamentos e ofensas podem acarretar ações de dano moral entre as partes que discutem. Outra possibilidade é que o passageiro barraqueiro passe pelo desconforto de ser desembarcado, como explica o professor Gustavo Kloh.

Ele cita como exemplo o caso de um passageiro precisava usar o banheiro e queria forçar o motorista a realizar uma parada em local perigoso e fora do ponto, o que é proibido por lei. Motoristas não têm poder de polícia para obrigar a saída do veículo, mas, no caso em questão, o condutor parou em um local onde havia patrulha rodoviária, e o passageiro não pôde retornar ao ônibus. 

Aparelhos sonoros sem fone de ouvido 

Em diversas cidades já existem leis elaboradas por demanda social para a proibição do uso de aparelhos sonoros dentro de veículos de transporte de pessoas sem fone de ouvido. Nas cidades em que a determinação já está em vigor, como é o caso de Curitiba, o passageiro poderá ser desembarcado caso se recuse a desligar o aparelho ou colocar o fone. Como a lei é municipal, aplicar a regra a veículos que estejam de passagem pela cidade é motivo de debate. Kloh faz uma comparação com a regulamentação de vans turísticas. Para ele, as regras a serem cumpridas devem ser a da cidade de origem, mas não é possível saber o entendimento da prefeitura de cada cidade por onde a van vai passar. 

Esse tipo de norma pode se tornar nacional, pois tramita no Senado o Projeto de Lei 7.496/2014 para que uma regra desse tipo seja aplicado a todo o país. 

Desconforto e ônibus de má qualidade 

 A Lei nº 11.975/2009 determina que um ônibus em viagem pode fazer paradas de no máximo uma hora. Em caso de problemas mecânicos, a situação deve ser resolvida em no máximo três horas. Um casal que fazia uma viagem de mais 3 mil quilômetros entre de Fortaleza (CE) a Joinville (SC), por exemplo, ganhou o direito a uma indenização de R$ 10 mil por viajar em um ônibus desconfortável e com problemas mecânicos. Na decisão, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) entendeu que cabia a indenização porque eles tiveram que trocar de ônibus duas vezes durante a viagem e que esperaram por muitas horas até que fosse feito um conserto no veículo durante uma das paradas. Além disso, o TJ-SC também levou em conta o fato de a mulher estar grávida de quatro meses. 

Acidente 

O artigo 735 do novo Código Civil que prevê que “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. 

Em um caso trágico, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que uma empresa de transporte indenizasse em R$ 100 mil uma mulher pela morte de seu filho de 12 anos durante um acidente e por ela ter sofrido um aborto do trauma em um acidente. O ônibus bateu em um micro-ônibus. 

 Assédio 

 Em caso de crimes de assédio dentro do veículo, a recomendação de Kloh é entrar em contato com o motorista para que ele pare no próximo posto policial para registrar a ocorrência, além de tentar reunir provas e testemunhas. João Tancredo pondera que é preciso estar atento às consequências de risco físico na hora de decidir como agir. Em caso de assédio e outros crimes, como roubo, não está clara a responsabilidade da empresa e será julgado caso a caso. 

  Em 2012, Tancredo teve ganho de causa no caso em que uma adolescente de 12 anos que foi roubada e estuprada. A empresa foi responsabilizada por não ter identificado os passageiros, em especial os criminosos, que entraram no ônibus. Na defesa, o advogado utilizou o Decreto Legislativo 2.681 de 1912. Para ele, o texto para regulamentar viagens pela linha ferroviária, criado no início do século passado, confere ao passageiro uma proteção maior do que o atual Código Civil.

Remarcação de passagem 

Perdeu o ônibus? Isso não é sinônimo de perda do dinheiro. Uma passagem rodoviária intermunicipal ou interestadual pode ser remarcada no prazo de um ano a partir da data da emissão do bilhete. Essa regra também está prevista na Lei nº 11.975/2009 e vale inclusive para passageiros que percam o ônibus por atraso. 

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