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Em 19 de dezembro de 2018, o Ministro do STF Marco Aurélio causou polêmica ao deferir liminar suspendendo a prisão de condenados em 2ª instância. | José Cruz/Agência Brasil
Em 19 de dezembro de 2018, o Ministro do STF Marco Aurélio causou polêmica ao deferir liminar suspendendo a prisão de condenados em 2ª instância.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Criticadas por muitos, as decisões monocráticas, tomadas de forma unilateral por um único integrante do colegiado dos tribunais, são cada vez mais frequentes, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Ministros e desembargadores podem lançar mão de decisões do gênero, geralmente em caráter provisório, até o plenário da Corte decidir sobre o assunto de maneira definitiva. A última delas foi a liminar de Marco Aurélio sobre a soltura de condenados em 2ª instância, suspensa por Dias Toffoli, ministro da Corte, horas depois. 

O que ocorre, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referentes ao Supremo, é que dos 26,5 mil julgamentos de mérito realizados pelo tribunal em 2017, 13,6 mil (51,3% do total), foram realizados por um único ministro, sem a participação dos demais membros da Corte. Um número discrepante. O levantamento de 2018 só poderá ser tabulado a partir de janeiro, mas também se sabe, por esses mesmos dados do CNJ, que não devem ser muito diferentes. 

No mesmo 2017, o STF recebeu 103,6 mil processos. No total, com a inclusão dos diferentes tipos de recurso judicial, as decisões monocráticas corresponderam a 89,8%, de um universo de 113,6 mil decisões proferidas em 2017.

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Se em relação ao STF a briga pelas decisões monocráticas está feia, a situação não é menos diferente no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Lá, em 2017, foram julgados meio milhão de processos. Desses, conforme estatísticas do próprio tribunal, um pouco mais de 80 mil saíram de decisões colegiadas, ou seja, perto de 420 mil foram tomadas monocraticamente. 

Em novembro passado, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, resolveu entrar na discussão sobre o tema no tocante ao STF. Ela afirmou que as decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte têm contrariado entendimentos adotados pelo Plenário, o que considerou grave. Isso porque o excesso de decisões desse tipo, segundo a procuradora, “estimula a ação individual do tribunal e não uma atuação conjunta”. 

Esse foi justamente o caso da decisão de Marco Aurélio proferida na última quarta-feira (19), vez que o Supremo enquanto colegiado decidiu, em duas ocasiões nos últimos anos, que é válida a prisão do réu após condenação em segunda instância, ainda que estejam pendentes de julgamento recursos nos tribunais superiores. 

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A principal preocupação dos operadores de Direito é de que, com esse tipo de prerrogativa, os ministros decidem de modo individual a maioria dos processos recebidos, simplesmente aplicando as teses que eles mesmos criaram em conjunto anteriormente. Mas para muita gente, a avaliação é outra. Isso revela que as Cortes máximas do país não apenas têm sido cada vez mais procuradas, mas se mostrado incapazes de exercer com eficiência seu papel. Para muitos doutrinadores, no caso do STF especificamente, quem recorre ao tribunal tem o direito de ser julgado pelo Plenário, e não por um magistrado individualmente. 

“O grande perigo das decisões monocráticas é de o jurisdicionado ficar dependendo das convicções doutrinárias e políticas do magistrado que pegar a ação sem que haja divergência e exame como se espera”, avalia o advogado Sebastião Fernandes. 

Mas há quem defenda este direito: “cabe ao Poder Judiciário, sim, no âmbito das instâncias jurisdicionais, analisar as decisões proferidas e aferir seus erros e acertos, mas são ilegítimas e descabidas, para tanto, providências de controle administrativo e disciplinar”, afirmou, em artigo, o juiz e professor de Direito José Henrique Torres, para quem é legítimo o direito do magistrado de decidir monocraticamente. 

“A independência judicial exige que ‘o magistrado não estará submetido a pressões de poderes externos à magistratura, mas também implica a segurança de que o juiz não sofrerá pressões dos órgãos colegiados da própria magistratura’”, acrescentou. 

Projeto de lei 

Diante de tamanha polêmica, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, em 2017, projeto que objetiva impedir que apenas um ministro do STF suspenda uma lei por meio de decisão monocrática. O texto ainda está em tramitação no Congresso. 

Pela proposta em discussão, as leis que regulamentam o andamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) seriam alteradas. No STF, as ADIs são o meio pelo qual uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República pode ser questionada, cabendo aos ministros da Corte analisar se o texto está ou não de acordo com a Constituição. Já as ADPFs servem para evitar ou reparar que atos do Poder Público provoquem lesão a preceito fundamental previsto na Constituição. 

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De acordo com o projeto de lei, os ministros só poderiam decidir de maneira monocrática durante o período de recesso do Judiciário. As decisões, entretanto, deverão ser confirmadas depois pelo Plenário do STF até a sua oitava sessão após a retomada das atividades da Corte. Hoje em dia, o prazo costuma demorar meses, mas já chegou a oito anos de espera. 

O argumento do deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), autor do projeto de lei, é de que o país vive “um momento de extensa e profunda judicialização em todos os aspectos da sociedade, especialmente no que tange às questões políticas”. Motivo pelo qual, a seu ver, “o maior complicador é que tais decisões se efetivam, via de regra, em sede de decisões cautelares, precárias por sua própria natureza jurídica”.

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Já o deputado relator, Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) classificou como “indiscriminado e gritante” o aumento do número de decisões monocráticas proferidas por ministros do STF. 

Em julho passado, o ministro Luís Roberto Barroso provocou discussões no colegiado quando declarou que o principal problema do Supremo é o fato de lá existirem juízes que “fazem favor”. 

“É juiz que faz favor e acha que o Poder [Judiciário] existe não para fazer o bem e a justiça, mas para proteger amigos e perseguir inimigos”, declarou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo – onde fez uma referência implícita a este tipo de decisão individual. 

Impacto na sociedade 

Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Daniel Falcão, é um absurdo que decisões liminares fiquem tanto tempo sem julgamento. 

“O controle de constitucionalidade é uma das questões mais graves na relação entre o Legislativo e o Judiciário. Quando o Congresso Nacional cria uma lei e ela chega ao STF, pode acontecer de um único ministro decidir ou não suspendê-la. Essa decisão é válida e pode ficar por muito tempo suspensa por depender da vontade de uma pessoa, quando a decisão monocrática só deveria ser realizada em caso de recesso do STF”, ressaltou. 

O jurista lembrou que existem ações que são priorizadas para ser resolvidas o quanto antes, como habeas corpus e mandados de segurança. Mas julgamentos de ações como uma ADI são importantes “porque podem criar fatos jurídicos difíceis de serem corrigidos posteriormente e, por essa razão, terem impacto em toda a sociedade”. 

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Segundo Falcão, não existe hoje uma regra clara sobre a proibição ou permissão de decisões monocráticas. Sua avaliação é de que não é possível proibir essas decisões de forma radical, porque muitos casos possuem necessidade de suspensão para que aguardem até os julgamentos colegiados. 

Mas ele defende que o instrumento das decisões monocráticas seja aperfeiçoado, de forma que as decisões tivessem um prazo ágil para entrarem nas pautas de julgamento. 

“Caso algo assim não aconteça, o impacto das decisões por tanto tempo à espera do julgamento colegiado pode ser ainda maior”, disse. 

Além da mais recente decisão de Marco Aurélio, destacam-se, dentre as decisões monocráticas tomadas em 2018 pelo Supremo, a do ministro Luiz Fux, que revogou o auxílio-moradia para magistrados e membros do Ministério Público até o julgamento de ação sobre o tema, e a do ministro Gilmar Mendes de atender a pedido da defesa do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para suspender depoimento do tucano na Polícia Federal, em processo em que ele é investigado por corrupção em Furnas.

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