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Durante o julgamento dos anos 1990, a acusação pediu a OJ que experimentasse um par de luvas que poderiam ligá-lo aos assassinatos de Nicole Brown e Ron Goldman. | Vince Bucci/AFP/Getty Images
Durante o julgamento dos anos 1990, a acusação pediu a OJ que experimentasse um par de luvas que poderiam ligá-lo aos assassinatos de Nicole Brown e Ron Goldman.| Foto: Vince Bucci/AFP/Getty Images

Na última quinta-feira (20), a Justiça de Nevada, nos Estados Unidos, aceitou o pedido de liberdade condicional do astro do futebol americano OJ Simpson. O atleta, que participou da audiência por meio de uma videoconferência, afirmou que nunca teve a intenção de cometer crimes e disse acreditar que já cumpriu tempo suficiente de prisão. 

Para a geração mais recente, a história de Simpson se tornou conhecida com o lançamento da primeira temporada do seriado American Crime Story, batizada de The People v. OJ Simpson, e com o documentário da ESPN OJ: Made in America, ambos de 2016. Em 1994, Simpson, running back [posição em que jogava] aposentado do futebol americano, com carreira no cinema, na tevê e como comentarista esportivo, foi acusado de assassinar sua ex-mulher, Nicole Brown, e um amigo dela, o garçom Ronald Goldman, a facadas.

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Não foi por esse crime, porém, que OJ foi preso e conseguiu, agora, a liberdade condicional. Em outubro de 1995, 11 meses após o início do julgamento, o júri entendeu que Simpson não era culpado pelas mortes de Nicole e Goldman. Ainda que em 1996 a família do garçom tenha acionado OJ na esfera civil, em que o atleta foi condenado a pagar US$ 33,5 milhões aos familiares das vítimas, sempre pairou no ar um sentimento de impunidade a respeito da não condenação do atleta no âmbito penal. Alguns anos depois, “justiça” foi feita. 

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Após o julgamento de 1994, a carreira de Simpson afundou e ele teve de achar outro modo de fazer dinheiro. Apesar de tudo o que ocorrera – ou justamente por conta disso –, ainda havia muita gente interessada na vida do atleta, e ele iniciou um esquema de vendas de seus objetos pessoais. Em 2007, acompanhado de amigos, OJ invadiu o quarto de um hotel-cassino de Las Vegas, no estado de Nevada, a fim de confrontar alguns negociantes que estariam tentando vender itens do atleta. Houve gritaria, tiros e Simpson e outras cinco pessoas foram denunciadas criminalmente, inclusive por assalto à mão armada. 

Enquanto os outros envolvidos fizeram acordos com a Justiça e sequer chegaram a ser presos – ou receberam um tempo de reclusão bastante brando –, o ex-jogador de futebol foi condenado a 33 anos de prisão, com a possibilidade de pleitear a liberdade condicional após nove anos de pena cumprida.

Em artigo para a New Yorker, o advogado Jeffrey Toobin afirma que o sistema judiciário norte-americano não deve se basear na lógica do carma, sendo um organismo de retribuição para atos impunes, “mas foi assim que funcionou em Nevada”. Na visão de Toobin, autor de um livro sobre OJ que serviu como fonte primordial de pesquisa para American Crime Story, o ocorrido em Las Vegas foi uma tentativa clara das autoridades locais em tentar fazer Simpson pagar pelos assassinatos de 1994, ainda que o juiz responsável pelo caso tenha negado essa hipótese. 

“A confusão no quarto de hotel provavelmente teria atraído pouca atenção do Judiciário se Simpson não estivesse envolvido. Ele, contudo, não foi somente processado como recebeu uma sentença excessiva”, escreve Toobin. 

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Guilherme Brenner Lucchesi, advogado penalista e mestre em direito pela Cornell Law School, afirma que a absolvição de OJ em relação aos assassinatos de Nicole Brown e Ron Goldman certamente não poderia ser utilizada para fundamentar a sentença do caso de Las Vegas. “O problema são os extra autos, o que não entra na fundamentação da decisão”, explica Lucchesi. 

Tanto no Brasil quanto nos EUA, obviamente, a “justiça cármica” não tem previsão legal. Na legislação pátria, a Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, prevê que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ter suas decisões fundamentadas, sob pena de serem considerados nulos. A “sede de justiça”, porém, poderia aparecer de forma oculta na sentença. 

É claro que deve existir neutralidade e imparcialidade em um julgamento, mas Lucchesi lembra que as pessoas são permeadas pela subjetividade. “Quem julga deve estar preparado para reconhecer sua subjetividade e controlar esses impulsos, atendo-se ao que está previsto em lei”, diz o advogado. 

Mas por que a situação de OJ, um homem que, literalmente, saiu impune a um homicídio, deveria incomodar a sociedade? É o que questiona Toobin no artigo da New Yorker. É porque, para ele, o caso representa como o sistema legal estadunidense funciona. O princípio a ser seguido é de que a Justiça criminal deve avaliar um caso por vez, e, assim, absolvição em um julgamento não poderia prejudicar o destino do réu em outro. Quando a questão envolve OJ, no entanto, fica mais difícil. 

O mundo todo acompanhou o caso das mortes de 1994. “Vejo os cadáveres ensanguentados de Nicole Brown e Ron Goldman em um caso tecnicamente não relacionado ao de hoje”, relata Toobin no artigo. Mas OJ sendo realmente culpado pelos assassinatos ou não, certo é que a Justiça o considerou inocente – e ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato. 

Colaborou: Mariana Balan.

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