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Tendo crescido numa casa católica, me ensinaram – e fui constantemente lembrado – o conceito básico do perdão. É melhor perdoar alguém por seus pecados do que buscar retaliação. Mas perdoar o outro é uma das coisas mais difíceis que alguém pode exigir de si mesmo. 

O perdão envolve, ainda que temporariamente, deixar de lado o orgulho, a tristeza, a dor e a raiva, a fim de sentir algo pelo criminoso. O perdão vai contra todo o instinto natural da vingança e nos obriga a reconhecermos o valor de outro ser humano a despeito de nossa raiva e nojo.

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Em outras palavras, o perdão não é para os fracos. Quando essa fraqueza se combina com o poder estatal, temos o controverso, discutível, ineficiente e geralmente equivocado processo da pena de morte. 

Antes de continuarmos, vale a pena notar que eu apoiava a pena de morte há até bem pouco tempo. Apesar de não gostar da ideia, acreditava que havia crimes tão horrendos que eles exigiam que se matasse o criminoso, já que a sociedade estaria melhor sem tais pessoas. 

Mas, naquele tempo, pesquisando e compreendendo melhor a liberdade individual e o papel do Estado, e vendo notícias sobre execuções falhas em todo o país, percebi que minha posição quanto às execuções não se sustentava. Os principais argumentos que eu dava numa conversa já não tinham substância, e há apenas um ano decidi que não podia mais apoiar tais castigos. Eu vou mostrar meu processo passo a passo. 

“A ameaça de execução é uma força que inibe a ação criminosa” 

A morte não é apenas uma força inibidora qualquer nem tampouco uma força dissuasora convincente, e sim a maior força contrária ao crime. Lembro-me, se você me permite, de um episódio de “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração”, no qual a tripulação chega a um planeta e encontra um verdadeiro paraíso. Não há crime, dor ou sofrimento – apenas prazer. 

Claro que mais tarde o episódio mostra que a sociedade nem sempre foi assim e que eles implementaram a pena de morte instantânea para todos os que desrespeitassem a lei. Qualquer lei. Quando Wesley Crusher caiu numa jardineira depois de tentar pegar uma bola, as autoridades se apressam em tentar lhe dar uma injeção letal. 

Eu os pouparei do restante da história e simplesmente direi que Jean-Luc aparece, faz um discurso empolgado e se recusa a entregar Wesley às autoridades, desafiando a lei e salvando a vida do jovem. 

O que há de errado em ter uma força dissuasora convincente? Bom, esse tipo de convencimento não funciona direito. Posso levar uma multa por excesso de velocidade num “corredor seguro” no Arizona, mas ainda assim dirigirei sempre a 130km/h na estrada. Alguém que roube um carro pode passar vários meses ou até anos na prisão, mas quase 800 mil carros foram roubados em 2017. E um assassino pode ser executado, mas ainda assim 5.738 homicídios ocorreram em 2017 nos Estados Unidos. 

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Quando analisamos os assassinatos, e excluindo as doenças mentais, há apenas três tipos deles: crimes passionais, crimes motivados pela necessidade e crimes premeditados. 

Um crime passional é um crime de natureza emocional, um crime que não leva em conta a razão ou a lógica, mas que nasce de um instinto primitivo de raiva, numa reação a um estímulo externo. Não há reflexão anterior quanto às suas consequências – há apenas a ação que acontece naquele instante. 

Um crime motivado pela necessidade é semelhante ao crime passional, mas requer um quê de reflexão; é um crime cometido para se realizar outro crime, como quem mata uma testemunha ou rouba um veículo. 

Um crime premeditado é o crime que envolve um planejamento e execução cuidadosos, com toda a atenção voltada para se evitar a prisão. 

O que os dois primeiros têm em comum é que a ameaça de execução não passa pela cabeça de todos antes que se cometa o crime; só depois, quando a pessoa tem tempo para pensar profundamente em suas ações. 

Quanto aos crimes premeditados, as ações e consequências passam previamente por uma reflexão profunda e ainda assim os criminosos agem. A morte não evita o crime, só complica ainda mais as coisas posteriormente. 

“Eles foram considerados culpados pela Justiça” 

Vamos falar rapidamente sobre algo que todos sabemos: o júri nem sempre tem razão. Um estudo recente descobriu que aproximadamente 4,1% das condenações que resultaram em pena de morte foram incorretas e que o Estado realmente tem executado pessoas inocentes. Isso é uma condenação errada para cada 25. 

Se um castigo é tão grave, irreversível, como podemos permitir erros? Já ouvi gente dizendo que se um inocente entre dez culpados é morto, esse é um preço que as pessoas estão dispostas a pagar. Mas, falando assim, você realmente estaria disposto a se sacrificar pela causa? Provavelmente não. 

Sacrificar-se ao Estado a fim de que o sistema se perpetue de modo que outros possam ser executados reflete um senso de lealdade deturpado que poucos, se é que alguém, têm. 

“O Estado deveria ter o poder de executar” 

Sendo o mais direto possível: não, [palavrão], o Estado não deveria ter o poder de executar. Duas coisas me vêm à mente: primeiro, a Oitava Emenda, que garante a liberdade de “castigos cruéis e estranhos”; depois, o direito à vida em si. 

Se damos ao Estado a autoridade de tirar uma vida quando considerar necessário, como é possível que esperemos que ele proteja a vida? Se nós, enquanto sociedade, ignoramos a ideia de que, a fim de cumprir seus deveres governamentais, alguns indivíduos perderão a vida, corremos o risco de nos alienarmos completamente. 

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“Só estão fazendo seu trabalho” ou “só estão cumprindo ordens” são frases que assustam e enojam a maioria das pessoas em um contexto histórico. Mas, no contexto da sociedade norte-americana, elas ainda são usadas como meio de defender os agentes estatais quando uma vida é perdida sem motivo ou necessidade. 

A Oitava Emenda determina que não se aplique multas ou fianças exageradas, nem tampouco que se imponha castigos cruéis ou estranhos. Os castigos cruéis e estranhos podem ser definidos de várias formas; a emenda pode estar falando de castigos que não causem dor e que não envolvam tortura, castigos que não envolvam abuso mental, humilhação e degradação. A pena de morte nunca esteve isenta disso; mesmo que não consideremos a morte em si como algo cruel e estranho, os métodos usados estão longe de serem perfeitos. 

Os métodos de execução variam de enforcamento e eletrocussão até gases letais, injeções e fuzilamento. Exceto pelos esquadrões de fuzilamento, são todos “métodos falhos”, na definição de Austin Sarat, do Amherst College: 

Execuções falhas ocorrem quando se quebra ou se contorna o ‘protocolo’ de determinado método de execução. O protocolo pode ser estabelecido pelas normas, expectativas e virtudes anunciadas de cada método, ou por instruções governamentais adotadas oficialmente. Execuções falhas são ‘aquelas envolvendo problemas imprevistos ou atrasos que, ao menos em tese, causam uma agonia desnecessária ao prisioneiro ou refletem a incompetência do carrasco’. Entre os exemplos de tais problemas estão, então outras coisas, prisioneiros que pegam fogo ao serem eletrocutados, estrangulamento durante o enforcamento (em vez de ter o pescoço quebrado) e doses erradas de medicamentos específicos para as injeções letais. 

O caso mais recente de execução falha ocorreu em 22 de fevereiro de 2018, quando a execução por injeção letal de Doyle Lee Hamm foi interrompida depois que os funcionários da prisão passaram duas horas e meia tentando encontrar a veia do condenado. Hamm recebeu quase uma dúzia de ferimentos por agulha, um deles no testículo, outro na bexiga e outro na artéria femoral. 

Em 2014, quatro execuções distintas falharam depois que as drogas necessárias foram tiradas do coquetel das execuções estatais pelos próprios fabricantes. Os funcionários das prisões tentaram improvisar usando coquetéis novos que resultaram em mortes prolongadas nas quais os prisioneiros visivelmente sofreram, em alguns casos durante horas antes que fossem considerados mortos. 

Apesar de podermos discutir a espera e a agonia que os prisioneiros sentem ao aguardar seu destino, a realidade é que, se um método de execução não pode ser posto em prática sem erro, dor ou sofrimento ou o que parece ser quase maldade, ele não pode ser considerado uma forma digna de execução. 

Dentro da filosofia libertária, o direito à vida é imutável e protegido pelo princípio da não agressão, o que significa que qualquer uso da força, exceto para a autodefesa ou na defesa da propriedade, é inválido e, portanto, viola a lei natural. 

O processo de execução é incapaz de se adequar a isso; a crença de que alguém já preso precisa morrer a fim de que a sociedade se sinta segura é um equívoco. A pessoa amarrada a uma maca esperando que sua veia seja encontrada não é, naquele momento, uma ameaça, e a execução dela é um ato de agressão por parte do Estado. 

Últimas considerações 

No que diz respeito a um crime capital, nada de bom resultada em termos de punição. Costumo falar das virtudes da justiça restaurativa em conversas com amigos e familiares; ater-se à restituição e restauração do equilíbrio entre a vítima e o criminoso. Isso requer um nível de solidariedade dos dois lados e um compromisso individual a fim de que se chegue a um acordo e o erro seja corrigido. 

Num crime como o homicídio, nada pode ser feito para se restaurar o que foi perdido. Pode-se dizer que, ao se executar o criminoso, restaura-se o equilíbrio. Não é uma forma positiva de restauração, e sim uma forma negativa. Algo é tirado da vítima – neste exemplo, a vida – e, portanto, algo é tirado do criminoso – novamente, a vida. Isso não restaura o que foi perdido; apenas tira algo das duas partes. O resultado final é que duas vidas são perdidas, duas famílias choram seus mortos e nada é reparado. 

Há várias teorias sobre os castigos mais adequados a todas as formas de crimes, mas dar ao Estado a autoridade para matar não é algo eficiente nem tampouco aceitável. Um cadáver não trará outro de volta. O Estado deve ser um mediador que busca encontrar a Justiça, não que busca agir como instrumento de vingança. 

Rory Margraf é um escritor de Filadélfia, Pensilvânia. Seu textos têm sido publicados no Freedom Today Network, Speak Freely, Being Libertarian e Think Liberty. É autor do livro I Know My Rights: A Children’s Guide to the Bill of Rights and Individual Liberty. Seus temas principais são os direitos individuais, a dissidência pacífica e àapolitica norte-americana e irlandesa. Mora atualmente em Phoenix, Arizona. 

©2018 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Paulo Polzonoff Jr.

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