A saúde como um direito de todos e um dever do Estado ainda está mais para uma utopia do que realidade. Mas é o que está escrito no artigo 197 da Constituição Federal, que completa 30 anos da promulgação no próximo dia cinco. E se os desafios para cumprir de forma integral o texto constitucional são variados, sem a Carta Magna a situação certamente seria mais difícil.
Nos anos anteriores à promulgação da Carta Magna de 1988 já havia um esforço de entidades, que participaram do movimento de reforma sanitária, para universalizar o acesso à saúde, até então restrita aos segurados da previdência social ou a quem comprovava não ter renda suficiente para pagar pelo serviço privado.
“Para você conseguir o atendimento, tinha que ir antes ao serviço social, levar um atestado de pobreza e comprovar que não tinha mesmo condições de pagar. Não bastava estar desempregado, por exemplo”, lembra Jovita Rosa, auditora do DataSUS e presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC).
Para ela, o ponto alto da atual Constituição Federal é o Sistema Único de Saúde (SUS). Jovita aponta que o acesso universal à saúde é envolto de uma nobreza muito grande, que é a de salvar vidas. Os gestores, contudo, não têm tido o zelo necessário. Um exemplo: o mesmo artigo 197 define que cabe ao poder público a regulamentação, a fiscalização e o controle do SUS. O controle, contudo, ainda não chegou, já que o Sistema Nacional de Auditoria, criado pela Lei 8.689/1993, não saiu do papel.
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Mas não foi apenas a universalização da saúde que apareceu de forma inédita na Constituição de 1988. O Ministério Público (MP), um dos atores que atua na busca para garantir os direitos fundamentais – como o acesso a consultas e tratamentos médicos, inclusive – teve a própria autonomia conquistada com a promulgação do mais recente texto constitucional.
“Eu conheci os dois Ministérios Públicos. Antes, o governador interferia em tudo. O procurador-geral de Justiça sentava nas reuniões junto com o secretariado. Era escolhido pelo governador, nem sequer precisava ser membro do MP. Os promotores que entrassem com alguma ação contra aliados do governo eram perseguidos”, lembra, com indignação, o promotor Maurício Miranda, da 13ª Procuradoria Criminal do Distrito Federal, que começou a carreira no Ministério Público de Goiás em 1987.
Hoje, a atuação independente dos promotores está lastreada em mecanismos da Constituição que garantem a autonomia dos membros do Ministério Público. Miranda conta que, atualmente, sequer o procurador-geral pode interferir, tirar um promotor do caso e nomear outro profissional, por exemplo. Ele acredita que, ao fortalecer o Ministério Público, a Constituição Federal também se fortaleceu.
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“Meu grande temor é que toda vez que o MP está agindo, forças políticas querem tirar prerrogativas, diminuir nossa independência. Cada golpe que se dá contra o MP é um golpe contra a Constituição, porque o MP é o baluarte das defesas das garantias fundamentais presentes no texto constitucional”, conclui.
Na mesma linha, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT) Diaulas Ribeiro, que atuou por 25 anos no Ministério Público do DF, destaca que a autonomia do MP é uma das mais visíveis conquistas do povo brasileiro consagradas pela Constituição de 1988.
“Antes um braço armado do Poder Executivo, o Ministério Público é hoje, com absoluta independência, uma magistratura a favor da sociedade. E isso só foi possível com a Constituição Cidadã”, completa.
Na teoria e na prática
Direito à democracia, à informação e ao pluralismo. São três exemplos de extensão dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 que não encontram paralelo nas constituições brasileiras anteriores.
“Há uma nova leva de direitos, reformulados ou trazidos de maneira inédita”, esclarece o advogado Ivan Morais Ribeiro, ex-integrante da Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional Distrito Federal.
Mas valores como a liberdade de expressão e os direitos civis e políticos já eram observados desde as primeiras constituições, embora com ressalvas práticas.
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A primeira delas, de 1824, falava em igualdade enquanto o país mantinha a escravidão. A de 1891 garantiu o sufrágio universal, mas as eleições eram constantemente fraudadas e as mulheres não podiam votar. Já a de 1937 disciplinou o processo legislativo durante um período em que o Congresso permaneceu fechado e o presidente legislava por decretos. A de 1969 garantia os direitos à liberdade, à integridade física e à vida, em meio a um regime militar com prisões ilegais, desaparecimento de pessoas e torturas.
A partir desse cenário, a Constituição Cidadã trouxe o compromisso de realizar a democracia social, com inovações que foram além dos direitos fundamentais. Entre elas, estão instrumentos jurídicos como a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo. A Carta também organizou os Três Poderes de forma mais equilibrada, atacando a supremacia do Executivo, e valorizou o federalismo, ampliando competências e receitas de estados e municípios.
Uma das mudanças de maior destaque frente às Constituições anteriores é o conceito de ser a própria Carta um agente transformador da realidade brasileira.
“A Constituição de 1988 trouxe artigos que garantem não apenas a previsão de direitos fundamentais já garantidos por outras Constituições, mas dispositivos legais preocupados especialmente com sua concretização”, ressalta Morais Ribeiro.
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