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Os constituintes de 1987-1988 decidiram não incluir a expressão “desde a concepção” na garantia fundamental do direito à vida por considerá-la “implícita” e “redundante”, uma vez que “o respeito à vida já inclui todas as etapas”, e por entenderem que essa proteção deveria ser regulada em lei, como nos casos em que o Código Penal deixa de punir o aborto. É o que revela um estudo assinado pelo deputado Diego Garcia (Podemos-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família.

Esse dado é importante no momento em que o Brasil discute o pedido feito no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo PSOL e pelo Instituto Anis, para que aborto seja legalizado até 12ª semana de gestação, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que ainda espera o relatório da ministra Rosa Weber para ser julgada. Nesta segunda-feira (6), em audiência pública para discutir o tema, o senador Magno Malta (PR) questionou a legitimidade do STF para julgar sobre o aborto, o que causou uma reação forte de Rosa Weber (leia mais abaixo) , o que constituiu a primeira discussão entre um parlamentar e um magistrado da corte, no espaço institucional do próprio tribunal.

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O relatório da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família foi elaborado a partir das notas taquigráficas de deliberações, de pareceres e de emendas ao Anteprojeto que deu origem ao texto final do artigo 5º da Constituição Federal, que hoje prevê: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...)”. 

O documento foi entregue à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. “A proteção da vida desde a concepção já estava amparada, implicitamente, no anteprojeto – a ponto de, após deliberações, ficar acordado que não haveria a necessidade de explicitá-lo textualmente”, afirma o relatório. 

“A nossa Constituição Federal vigente, desde suas deliberações prévias no processo legislativo, defende a vida desde a concepção, bem como ressaltou que caberia ao Código Penal tipificar os casos de criminalização e despenalização do aborto”, afirma o documento. “Portanto, nota-se indevido falar em não recepcionalidade ou em inconstitucionalidade pela Constituição Federal dos artigos do Código Penal que discorrem sobre aborto”, conclui. 

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Processo constituinte

Uma visita ao processo constituinte confirma o achado. A Constituição brasileira foi escrita a partir de oito comissões temáticas, divididas em subcomissões, e das comissões de Sistematização e Redação, responsável por ajustes no texto final, depois de o plenário ter aprovado a versão definitiva proposta pela comissão de sistematização. 

Apresentado em maio de 1987, o relatório inicial do deputado constituinte Darcy Pozza (PDS-RS), relator da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, previa a punição do crime de “aborto diretamente provocado”. No Anteprojeto aprovado pela subcomissão, caiu a previsão anterior, mas permaneceu a proteção explícita à vida “desde a concepção”. 

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Depois de derrubada uma emenda do então deputado José Genoíno (PT-SP) que previa a legalização do aborto até os 90 dias de gestação, chegou-se à redação final do anteprojeto: “São direitos e garantias fundamentais: I- a vida, desde a sua concepção até a morte natural, nos termos da lei (...)”, entendendo-se essa última afirmação como garantia da exclusão de punição nos casos de estupro e risco de vida para mãe, previstos no Código Penal desde 1940. 

Já na Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, que recebeu o texto da subcomissão, a expressão “desde a concepção” saiu do texto do relator, o senador constituinte José Paulo Bisol (PMDB-RS), depois de se levantarem dúvidas se sua aprovação penalizaria o aborto em todos os casos, revogando as duas excludentes de punibilidade previstas no Código Penal.

Os autores das emendas foram os deputados Antônio Câmara (PMDB-RN) e Lúcia Vânia (PMDB-GO). O próprio Bisol se notabilizou na Constituinte pela defesa de causas “progressistas” e, posteriormente, viria a filiar-se ao PSB e a ser candidato a vice-presidente na chapa de Lula (PT) na eleição de 1989.

No entanto, mesmo entre os constituintes que eram favoráveis à legalização do aborto e, portanto, contrários à inclusão da expressão “desde a concepção”, cristalizou-se a posição de que o assunto deveria ser objeto de lei ordinária ou plebiscito. 

Em discussão da Comissão de Sistematização, no dia 27 de setembro de 1987, a deputada constituinte Cristina Tavares (PSDB-PE), favorável à legalização do aborto, depois de se pronunciar contrária à inclusão da expressão “desde a concepção”, afirmou: “Faço um apelo aos homens e às mulheres que aqui estão, no sentido de que este assunto seja decidido em plebiscito e remetido à lei ordinária”. 

No mesmo dia, o senador constituinte José Fogaça (Sublegenda-RS), relator-adjunto da Comissão de Sistematização, argumentando contra a reintrodução da expressão “desde a concepção” no texto final, afirmou: “Entende o Relator que, a partir da observação inequívoca de uma tendência dominante nesta Assembléia Nacional Constituinte, a questão da prática do aborto não é matéria constitucional e deve ser remetida à lei ordinária”. 

Em 6 de outubro de 1987, o senador constituinte Jamil Haddad (PSB-RJ), que viria a ser ministro da saúde no governo Itamar Franco, desistiu de incluir um direito ao aborto na Constituição e afirmou que retirava seu destaque “para, posteriormente, numa legislação ordinária, regularmos esse assunto”.

Magno Malta x Rosa Weber: delimitação de poderes

O que acabou não sendo explicitado claramente na Constituição em 1988, 30 anos depois tornou-se motivo para um primeiro embate cara a cara entre um senador e uma ministra do STF, no espaço institucional da própria corte.

No segundo dia de audiência pública sobre a possibilidade de legalização do aborto no Brasil por meio da ADPF 442, nesta quarta-feira (6), o senador Magno Malta não economizou nas críticas ao STF por aceitar julgar a causa.

“Nos últimos tempos (...) temos assistido estarrecidos ao ativismo judicial no país (...) e parece que o ativismo virou regra”, afirmou durante sua exposição, que durou cerca de 20 minutos.

“O Congresso Nacional não está omisso para que esta situação viesse parar aqui. Porque penso que esse papel não é devido a essa casa, esse papel é do parlamento, ou então dissolvamos o Parlamento, o Poder Executivo, e nós tenhamos no Poder Judiciário a resposta para todas as coisas”, continuou Malta.

O senador chegou a citar o que Rosa Weber teria dito na sabatina, quando foi escolhida para integrar o STF. “Lembro de quando a senhora foi sabatinada, e eu estava na sua sabatina, quando perguntada sobre o ativismo judicial a senhora respondeu da seguinte forma: O Judiciário tem ausência de legitimidade democrática, seus membros não são eleitos”, afirmou. “Vossa Excelência tem uma oportunidade única de devolver ao Parlamento aquilo que lhe é devido, a votação dessa matéria, a discussão dessa matéria”.

Rosa Weber ouviu em silência. Quando Magno Malta estava de saída da tribuna, logo após falar, a ministra pediu que esperasse “só um minutinho”. Depois de agradecer a participação do senador, passou a defender com força a legitimidade da Corte para julgar a ADPF 442.

“A Constituição, em seu artigo 102, paragráfo 1º, a nossa lei fundamental, diz com todas as letras, e eu até pedi o texto para não dizê-lo de memória: ‘a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo STF na forma da lei’, ou seja, é a própria Constituição diante de uma ADPF que fixa a competência para seu julgamento”, explicou.

“Eu, particularmente, tenho o maior respeito, e não poderia ser diferente, pelo Poder Legislativo do país, mas não estamos invadindo a competência, o que estamos aqui a fazer está dentro das nossas atribuições; mas compreendo a posição de vossa excelência e ela será considerada”, finalizou a ministra.

Magno Malta pediu ainda “30 segundos” e disse: “no relatório da senhora certamente virá onde ou quem está produzindo o descumprimento”.

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