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Um cliente compra pão por R$ 10 o quilo em uma padaria. Chega o vizinho e o atendente do local vende o mesmo produto por R$ 5 o quilo – escondendo a diferença de preço dos dois consumidores. Isso é legal?

Mutatis mutandis, é esse o conteúdo de uma ação civil pública ajuizada contra a Decolar.com, empresa de comércio eletrônico na área de turismo. Tendo em mãos os dados de um inquérito civil, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) acusa a Decolar de discriminar consumidores e realizar propaganda enganosa, aumentando o preço de forma abusiva de acordo com a localização do consumidor e de oferecer informações falsas para deixar de vender passagens ou reservas em hotéis para certos perfis de clientes.

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“Em breve síntese, a empresa Decolar.com violou o direito brasileiro de maneira grave, na medida em que se utilizou de tecnologia de informação para ativamente discriminar consumidores com base em sua origem geográfica e/ou nacionalidade para manipular as ofertas de hospedagem em hotéis, alterando o preço e a disponibilidade de ofertas conforme a origem do consumidor”, diz a petição inicial do MP-RJ.

Para fundamentar a ação, o MP-RJ se baseia em provas produzidas em três baterias de testes, duas delas realizadas pela concorrente da Decolar, a Booking.com.

Os advogados da Booking.com contrataram notários no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, em maio de 2016, para fazer as mesmas buscas e compras em horários idênticos. O resultado, incluído na petição, mostrou que muitas ofertas foram bloqueadas para brasileiros e liberadas para os argentinos. Além disso, os preços cobrados dos brasileiros eram superiores, para os mesmos serviços e período, em até 30%. O teste foi realizado novamente em março de 2017. Certos hotéis nacionais continuaram aparecendo como “indisponíveis” para brasileiros e o preço para aqueles estabelecimentos que aceitavam a venda para consumidores locais chegou a ser 49% em comparação ao cobrado dos argentinos.

Em outra bateria de testes, realizada pela área pericial do MP-RJ, percebeu-se que o preço cobrado para turistas de outros países varia bastante. Para compras feitas nos Estados Unidos, a diária de um hotel chegou a ser até R$ 128 mais cara que a cobrada dos brasileiros.

Chamada para responder intimação enviada pelo MP-RJ, a Decolar.com apresentou outro comparativo de preços simultâneos, para tentar provar a consistência dos valores no site.

De acordo com a petição do MP-RJ, a empresa realizou “manipulação na própria estrutura do código do algoritmo para selecionar e disponibilizar ofertas aos consumidores”. Ao mesmo tempo, utilizou uma ferramenta tecnológica que permitia aos próprios hotéis a escolha dos clientes, indicando as nacionalidades que teriam condições melhores de hospedagem em detrimento às outras.

O MP pede à Justiça que a Decolar.com seja impedida de fazer discriminação de consumidores de acordo com a localização, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Requer ainda que a empresa mantenha um cadastro atualizado dos clientes que sofreram “geodiscriminação” desde 2013, também com multa diária de R$ 10 mil, e informe todos os clientes que tenham sido lesados.

Solicita ainda o pagamento de R$ 57 milhões em danos morais coletivos, a serem empregados em fundo que “colabore para promover a recomposição dos interesses coletivos lesados”.

Procurada, a Decolar.com informou que não comenta ações judiciais.

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Análise

Praticar preços diferentes de acordo com o perfil do consumidor fere os princípios da boa-fé, da transparência e do direito de informação, afirma Antônio Carlos Efing, professor da PUC-PR e presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PR.

“Se essas práticas se confirmarem, no direito brasileiro são ilícitas, violam a lei, geram a obrigação de indenizar, de reparar danos, porque como as pessoas foram vítimas dessa discriminação gastaram mais que deviam”, diz. “Além disso, sob o ponto de vista moral, como os brasileiros foram prejudicados, isso é um dano moral e por isso tem sentido o pedido de danos morais coletivos”.

Luciana Pedroso Xavier, doutora pela UFPR e professora de direito do consumidor da Unicuritiba, lembra ainda que, caso confirmada a elevação de preços para certos consumidores, a ação violaria também o inciso X ao artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor que prevê como prática abusiva o ato de “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. “Nesse caso, o Decolar precisará justificar a razão da diferença dos preços, o que a princípio não faz nenhum sentido”, considera Luciana Xavier.

Para Efing, casos como esse mostram o quanto o consumidor é vulnerável no ambiente tecnológico. Mas acredita que essa e outras discussões podem suscitar um consumo mais consciente e prudente em meio virtual.

“A partir de ações como essa, empresas sérias vão perceber que não vale a pena atuar dessa forma no e-commerce e quem vai sair ganhando é o consumidor”.

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