• Carregando...
Luiza Frischeisen, subprocuradora candidata à Procuradoria-Geral da República
A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, candidata à Procuradoria-Geral da República, defende a lista tríplice. Foto: Antonio Augusto/PGR.| Foto:

Um dos nomes que integra a lista tríplice para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR), Luiza Cristina Frischeisen tem uma história no Ministério Público Federal (MPF) que se confunde com os esforços da instituição no combate à criminalidade.

Com a fala sempre rápida e as informações na ponta da língua, Luiza remora as mudanças legais e institucionais que desembocaram no sucesso da Operação Lava Jato e explica a importância da lista tríplice para a eficiência do MPF e a estabilidade do país.

"Nenhum processo criminal nosso começa e termina com o mesmo procurador, todos têm quatro instâncias; e, se for de força-tarefa, vai ter quatro instâncias mesmo e todas ao mesmo tempo. Você está fazendo a investigação e faz a denúncia: aí você tem HC no TRF, HC no STJ e HC no Supremo", diz. "Então, a articulação vai ter que ser entre os colegas que atuam em primeiro grau, nas PRRs [Procuradorias Regionais da República], na PGR/STJ e no gabinete da PGR [que atua no STF]", completa.

"Quando você é da lista fica muito mais fácil você traçar esse caminho do diálogo, seja internamente, na administração, seja para saber o que está acontecendo e levar isso para os fóruns onde os assuntos estão sendo discutidos. Isso é que traz estabilidade institucional", avalia.

Na primeira conversa que teve com a Gazeta do Povo, antes da eleição, Luiza falou sobre grandes temas nacionais. Agora, fala sobre sua carreira, os questionamentos à imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a proposta de punição ao abuso de autoridade e os desafios do MPF.

O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice, organizada desde 2001 pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e seguida por todos os presidentes desde 2003. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.

O PGR chefia o MPF e escolhe, a partir de lista tríplice interna, o procurador-geral do trabalho e o procurador-geral da justiça militar. Também faz parte do Ministério Público da União (MPU) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), cujo procurador-geral é nomeado pelo presidente da República.

O procurador regional Blal Dalloul também foi entrevistado pela Gazeta do Povo. Os subprocuradores Mário Bonsaglia, nome mais votado da lista, e Augusto Aras, que se lançou candidato "fora da lista", informaram que não se pronunciarão no momento. A reportagem ainda espera uma resposta da atual PGR, Raquel Dodge, que já sinalizou estar disponível para mais um mandato. O espaço está aberto a todos.

Confira a entrevista na íntegra:

Gazeta do Povo: Por que a senhora acha que o presidente deveria indicar o PGR entre os três nomes da lista tríplice?

Luiza Frischeisen: Vim falando isso durante a campanha toda, e foi uma das razões pelas quais me candidatei: a lista é o fim de um intenso processo interno de muito debate, em que todos participam, no sentido de colocar seus questionamentos, os candidatos colocam suas plataformas. Houve seis debates, e nós discutimos para todas as gerações da casa o que queremos para nosso presente e futuro, seja internamente, seja externamente.

Quando isso é feito, você tem uma legitimidade muito forte – houve 85% de participação e lembrando que muita gente estava de férias e você só pode votar em computadores nas procuradorias. Em todas essas interlocuções, a PGR é a primeira porta-voz do Ministério Público, ela representa o MP perante a sociedade nos grandes temas. Só que a atribuição da PGR está ligada ao STF e ao STJ, onde o vice tradicionalmente atua em delegação, além do CNMP e em órgãos de administração interna. Mas muito da execução estará com uma miríade de outros colegas no Brasil inteiro, então a lista traz pessoas que pessoas que se propõe ao diálogo e que, portanto, se habilitam a falar em nome do MPF, mas conhecendo e em consonância com quem está atuando em cada um dos temas.

Então, quando você é da lista fica muito mais fácil você traçar esse caminho do diálogo, seja internamente, na administração, seja para saber o que está acontecendo e levar isso para os fóruns onde os assuntos estão sendo discutidos. Isso é que traz estabilidade institucional.

Mas há uma crítica circulando de que a lista acabou cristalizando na cúpula do MPF certos grupos que estão divididos, disputam o poder entre si, mas que seriam uma espécie de establishment do MP. A senhora vê alguma procedência nessa crítica?

Eu não vejo, porque nossa classe é muito horizontal, viemos de quatro processos eleitorais. Nós fizemos a eleição para o CNMP, para Conselho Superior, por toda a classe, depois para a lista tríplice e, finalmente, para Conselho Superior, pelos subprocuradores.

Os três que estão na lista fizeram a carreira fora de Brasília. O Mário e eu chegamos aqui como subprocuradores-gerais. Ele foi coordenador de câmara durante quatro anos, eu sou coordenadora em segundo mandato, ele foi do CNMP, ele foi do CS, portanto passou pelos órgãos de administração, eu não fui do CNMP, mas fui do CNJ e sou também do CS; o Blal foi da PRR da 1aregião, está no Rio agora, foi da administração do Rodrigo, mas foi procurador-chefe lá no passado, eu também fui. Então, não existe isso.

Quando você faz uma eleição com tantos candidatos, com tantos debates, há questões comuns, as pessoas iam incorporando o que um e outro falavam. São pessoas que pensam a casa para dentro e para fora, mas nem todos os colegas estão dispostos a isso. Então, quem quer ser PGR acha que, pelo seu histórico de MP, pode trazer caminhos, soluções e transformações para a instituição. Não existe isso de cristalização: se eu permito que as pessoas se candidatem, qualquer um pode se candidatar e as pessoas votam nos três melhores.

Pensando agora no Congresso. As forças-tarefas da Lava Jato, da Zelotes e da Greenfield se manifestaram, pela segunda vez, pedindo respeito à lista tríplice. Mas, na conjuntura atual, ouve-se muito no Congresso que precisamos de um PGR que dê previsibilidade e seja menos impulsivo na atuação criminal. Nesse momento, esse tipo de apoio desses grupos mais ajuda ou mais atrapalha?

Eles se manifestam a partir de uma relação com o público externo que eles têm, embora esta seja uma questão interna também. Eles dizem, como todos nós dizemos, que é melhor que a PGR seja da lista tríplice. Nenhum processo criminal nosso começa e termina com o mesmo procurador, todos têm quatro instâncias; e, se for de força-tarefa, vai ter quatro instâncias mesmo e todas ao mesmo tempo. Você está fazendo a investigação e faz a denúncia: aí você tem HC no TRF, HC no STJ e HC no Supremo. E isso não é no curso do tempo: tudo se realiza ao mesmo tempo, porque as defesas vão questionar cada um dos passos da acusação. Então, a articulação vai ter que ser entre os colegas que atuam em primeiro grau, nas PRRs [Procuradorias Regionais da República], na PGR/STJ e no gabinete da PGR [que atua no STF].

Com uma pessoa que passou por esse processo diálogo, a interlocução é muito mais fácil. Em várias questões da tutela coletiva, há esse mesmo procedimento, porque nesse campo há as suspensões das tutelas antecipadas, as suspensões de liminares, as suspensões de sentença, as suspensões de segurança. Então, a interlocução fica muito fácil quando você tem uma PGR que passou por esse diálogo e que montou um gabinete pensando nessa interlocução. E como a PGR deve atuar nesse campo? De forma técnica.

A senhora acha que essa atuação de forma técnica é homogênea nas duas últimas gestões?

Você tem que ver as gestões de uma forma mais longa. O que acontece é que a maior parte das pessoas descobriu, desde o "Mensalão", que o Supremo tem uma competência penal originária, e isso é uma característica do nosso Supremo. Nossa corte é assim e, inclusive, lá atrás, você vai ver que esse monte de HCs no STF é uma construção jurisprudencial do próprio Supremo, antes da Emenda Constitucional 45/2004 [Reforma do Judiciário], em que o tribunal virou uma espécie de revisor dos HCs julgados no STJ.

Quando o Mensalão começou, em 2006, tenho certeza de que o Antonio Fernando [de Souza, PGR entre 2005 e 2009], que não era um procurador da área criminal, chegou lá e teve de enfrentar aquilo. Depois, o [Roberto] Gurgel [PGR entre 2009 e 2013] também. Então, você não tem o controle de tudo. Podem ocorrer questões em que você vai ter de atuar: quem estava esperando a questão das represas em Minas Gerais? Então, a partir do Mensalão, cada PGR começa a ver que precisa de uma equipe permanente para atuar em matéria penal originária.

E o vice-procurador-geral também precisa de uma equipe permanente: foi o que aconteceu com o Bonifácio [de Andrada, vice de Janot entre 2016 e 2017]. No STJ você precisa de um número até maior, porque não são só os governadores, são os desembargadores e os membros dos TCEs que também têm foro privilegiado.

E mais recentemente?

Então, o que aconteceu com o Rodrigo [Janot, PGR entre 2013 e 2017] é que a lei [da colaboração premiada] é de 2013, então não dava para fazer aquele tipo de colaboração. Até havia antes, mas as opções eram muito menores. Depois, em 2016, passamos a ter a execução provisória da pena. E a colaboração internacional melhorou muito, por causa de fenômenos que não têm nada a ver conosco: foi por causa das Torres Gêmeas. A Suíça passou a colaborar mais, o mundo ficou mais digital. Então, o Rodrigo foi o procurador-geral deste momento. Se você recuperar as falas dele em 2013, quando ele assumiu, ninguém pensava em Lava Jato, você tinha apenas o rescaldo do Mensalão. E aí veio junho de 2013, o impeachment da Dilma.

A Raquel [Dodge, atual PGR] herda tudo isso, herda a consequência dos acordos [de colaboração premiada], tanto que ela fez o mecanismo para monitorar quem está pagando, ela herda uma jurisprudência do Supremo. As pessoas atuam da forma que é possível naquele momento histórico, interno e externo. É assim na vida pessoal e profissional. Ambos deram respostas possíveis ao momento.

A melhor resposta?

Eu não sei. Acho que o Rodrigo tinha uma equipe em torno dele que era muito homogênea e talvez essa equipe conseguisse dar resposta e transmitir para as pessoas o que estava acontecendo. O perfil da Raquel é mais interiorizado, e talvez isso tenha sido um problema na comunicação com a classe. Mas, tecnicamente, os colegas que trabalham com ela são muito bons. Agora, é uma avalanche. Ela enfrenta uma situação que talvez o Rodrigo não tenha enfrentado, que são esses inquéritos instalados de ofício pelo Supremo, e que nós do MP como um todo questionamos, porque entendemos que esses inquéritos investigam coisas que envolvem pessoas que não têm prerrogativa de foro. Quem tem prerrogativa de foro é quem comete o delito, não a vítima.

Interessante que fizemos uma retomada histórica e a senhora tem um longo caminho no combate ao crime de colarinho branco. Fez parte da primeira formação do grupo de trabalho do MPF para o combate ao crime financeiro e de lavagem de dinheiro, em 2005, participou da Operação Anaconda (2003), da Operação Têmis (2007), e, como subprocuradora, continuou atuando na área. Nós vimos tudo isso, vimos desmoronar as operações Castelo de Areia e Satiagraha e, depois, o sucesso da Lava Jato. A senhora é capaz de fazer um balanço de como chegamos até aqui?

A Anaconda começa em 2002, quando eu já era PRR [procuradora regional da República], e havia a questão do juiz João Carlos da Rocha Mattos, nós organizamos o grupo e conseguimos o afastamento dele. Mas preciso falar um pouco da minha trajetória. Sou procuradora criminal desde 1992, embora tenha atuado e minha área acadêmica seja na tutela coletiva. Que tipo de legislação havia? A Lei 7.492/1986, que é a lei dos crimes contra o sistema financeiro. Quando chegamos, era o momento do Banespa, quando o banco estava concedendo empréstimos sem garantia. Havia a Lei 8.137/1990, que é a lei dos crimes contra a ordem tributária, mas, nessa época, não havia a discussão de que precisava fechar o procedimento administrativo tributário, que é a da Súmula [Vinculante] 24 [editada pelo STF em 2005].

Então, em São Paulo, havia muitos casos de bancos. Com o plano Real, os bancos quebram e, nos outros estados, você tem os casos do Banco Nacional, Fonte-Cidam, porque depois do plano Real, com toda aquela contabilidade que ninguém via por causa da inflação, fica claro que os bancos estão emprestando para quem não devia [emprestar]. E já havia, claro, os crimes contra a administração pública, que inclusive foram sendo modificados com o tempo, para dar perda de função, por exemplo. Eu sou PRR desde 1998 e, a partir daí, há nossa atuação nas ações penais originárias no TRF, a partir de uma construção interna no MPF de fazer um núcleo de ação penal originária para processar os prefeitos. Também havia, nessa época, muitas denúncias contra delegados da Polícia Federal, que tinha ficado muito tempo sem concurso. Então, ali na década de 1990, em geral havia ações de combate à crimes contra administração e ações de improbidade.

Já nos anos 2000, até com o impulso dos novos delegados e com novas técnicas de investigação – você tem a lei do crime organizado antiga [de 2003], e a lei de lavagem de dinheiro é de 1998 –, com a criação das varas especializadas em lavagem de dinheiro, você começa a ter as operações, em São Paulo, que envolvem os doleiros: Kaspar I, Kaspar II, Credit Suisse, o caso do [Paulo] Maluf, que é muito importante, porque deu certo, mesmo com as idas e vindas. E, nos MPs estaduais, corriam as ações civis públicas e de improbidade – mas as ações penais na Justiça Federal sempre corriam mais rápido que as ações nos tribunais estaduais, foi importante perceber isso. Também já se faziam acordos de colaboração: eram duas varas de lavagem [na Justiça Federal em São Paulo], a do Fausto [de Sanctis] e da Silvia [Maria Rocha], e aí vem a Operação Castelo de Areia, que chega aos empreiteiros, mas é anulada no STJ [2011]. Como tudo é aprendizado, nós começamos a nos organizar.

No meio do caminho, temos o Mensalão [2006-2012] e a Operação Hurricane [2007], em que o STF julga o ministro do STJ [Paulo Medina, denunciado no STF em 2008 e aposentado compulsoriamente pelo CNJ em 2010]. O Supremo começa a formar jurisprudência de que pode haver várias interceptações, de que não precisa degravar tudo, de que pode estender a interceptação para além dos 15 dias, de que o MP tem poder investigatório. O próprio Supremo, ao ter sua atribuição, com a relatoria dos ministros, vendo a investigação não só pela versão da defesa, mas vendo o processo no todo, começa a formar uma jurisprudência que vai começar a ser usada por todo mundo, sem o perigo de depois anular tudo.

Com todo esse aprendizado, vem a novidade das forças-tarefas. É claro que antes já havia os grupos de trabalho, nós negociávamos períodos de exclusividade para oferecer as denúncias, mas quando surge a força-tarefa, lá no Paraná, eles fazem um grupo com o procurador natural [Deltan Dallagnol], e nós compomos um grupo, inclusive com procuradores regionais, que vai atuar conjuntamente com exclusividade ou semi-exclusividade, com servidores exclusivos, e com equipes exclusivas de Polícia Federal e da Receita Federal, que é a lógica de task force americana. Nesse caminho, na parte de legislação, tivemos a lei anticorrupção e 2013, a adesão às convenções de combate à corrupção, de Palermo e Mérida, e também, após a lei de lavagem [de 1998], a criação do Coaf.

Internamente, também houve uma coisa importante no MPF: a criação dos NCCs [Núcleos de Combate à Corrupção], que juntou a investigação da improbidade administrativa e da corrupção, o que levou à mudança da 5ª Câmara [de Coordenação e Revisão] em 2014, com a proposta do Rodrigo. A cooperação internacional, que o Rodrigo organiza como Secretaria e a Raquel mantém, também melhorou muito.

Em relação à série de reportagens que o site Intercept tem publicado e, agora, outros veículos de imprensa também. Depois do julgamento da 2ª Turma do STF, a senhora receia que a sombra das anulações passe a pairar sobre os casos da Lava Jato também? Como a senhora avalia tudo isso?

O que acontecia antes era a anulação de provas, e não tem a ver com eventual suspeição [do ex-juiz Sergio Moro]. O que o Supremo está apreciando é se a eventual suspeição do juiz contaminaria a prova, e que tipo de prova será contaminado. Isso já foi apreciado pelo STJ e diversas instâncias. Veja, por exemplo, quando o STF decidiu sobre os policiais legislativos [na quarta-feira, dia 26, quando julgou a Operação Métis], eles mantiveram algumas provas, então eles fizeram uma distinção na teoria da árvore dos frutos envenenados. O Supremo indicou que existem provas que podem não ser contaminadas. O que acontece ali [no caso de Moro] é que o juiz da vara de lavagem é o juiz que dá todas as cautelares de todas as investigações e depois julga. Isso já foi muito discutido, e também essa discussão já aconteceu no caso dos juízes que investigam juízes, o que é previsto pela Loman [Leio Orgânica da Magistratura]: embora os juízes relatores deleguem quase todos os poderes para o MP, justamente por causa dessa questão, também já foi dito que não há suspeição.

Ali [nas mensagens entre Moro e Dallagnol], a conversa é a mesma coisa quando nós vamos aos gabinetes dos juízes, você diz que vai pedir algo, o juiz diz que não vai dar, mas você pede, porque sabe que vai ter recurso. E você sabe como? Porque você conhece o histórico do juiz, jurisprudência existe isso. Acho que o STF já fez a análise se [o Lula] fica preso ou não, e ele já foi condenado três vezes, então a prova foi razoável: porque se o STF tivesse entendido que a prova não é razoável, então teria que ter anulado o processo. O juiz Sergio Moro absolveu vários réus, provas foram periciadas, a própria pena do ex-presidente Lula foi diminuída no STJ.

Mas, supondo que se anule, [o STF] teria que decidir quais atos seriam anuláveis, vai ter que analisar um a um, mas acho que não há elementos para isso. O que houve na Lava Jato é que, por todo histórico de nulidades processuais que se tinha vivido, entendeu-se que se devia fazer a publicidade do processo e de informações pelo MP a partir de novas ferramentas, como sites de operações. Hoje quase todos os MPs fazem essa publicidade.

Como a senhora avalia a versão do projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção e do abuso de autoridade aprovado pelo Senado?

Espero inclusive que essa publicidade não seja proibida por esse projeto – noticiar o que já foi feito, não o que eu vou fazer. Uma coisa é o juiz que vai sentenciar, outra coisa é o MP que, em cada ato, afirma o que está pensando sobre o processo. É preciso ter um equilíbrio entre o dever de informação e a proteção da pessoa que ainda não foi condenada, mas já foi denunciada. Nós estamos avaliando. Lá na origem, havia muitos tipos abertos [previsão de crimes genéricos], havia questões que se confundiam com tipos disciplinares, e havia penas diferentes do que já existia. Ainda preciso ver exatamente o que foi aprovado, mas o que está nos preocupando bastante, membros do Ministério Público, é que seria abuso de poder se manifestar – salvo nos autos, salvo em aula e salvo em artigo – sobre processo em andamento. Isso é muito complicado, especialmente para o MP, em face do dever de publicidade e transparência que nós temos.

Já que nós resvalamos nesses temas, e o assunto voltou à baila por causa das reportagens do Intercept, a senhora seria a favor da implantação do juiz de instrução ou do juiz de garantias no Brasil?

Não. Sou contra o juiz de instrução: ele não é adequado ao sistema acusatório puro, que eu defendo. O MP tem o poder de requisitar informações; de investigar, se for o caso; de coordenar as investigações junto com a polícia; de fazer a denúncia; e de atuar no processo para oferecer as provas. O juiz deve sentenciar ao final e se manter imparcial na colheita da prova em juízo. Isso tudo já foi incorporado em nosso Código [de Processo Penal], justamente para adequar o Código de 1941 ao sistema acusatório. Inclusive, o juiz de instrução, que é uma coisa da Europa, está sendo abolido em vários países, e mesmo na União Europeia já se fala em sistema acusatório.

Em relação ao juiz de garantia. Você precisa entender que, nos países onde existe o juiz de garantia, que dá as medidas cautelares, nesses países não há habeas corpus (HC); o sistema é oral – nosso sistema é semi-oral –; o sistema acusatório é adversarial, de matriz anglo-saxã, mas que foi adotado no Chile, por exemplo, então tudo se dá em debate oral na primeira instância. Você tem o debate em grandes audiências, às vezes de vários dias, e o juiz vai dizendo “sim” ou “não” às provas das partes.

E há países que têm o juiz de garantia: por exemplo, no Chile, o juiz que dá autorização judicial para as medidas requisitadas (interceptação telefônica, busca e apreensão) não é o juiz que julga. Mas, nesses países, o segundo grau é, praticamente, para situações muito pontuais. Nós [no Brasil] temos o HC, o que leva essa questão das garantias para quatro instâncias, e os juízes podem dar HC até de ofício. Então, é diferente.

A senhora já manifestou, no passado, que “é discutível a forma, por exemplo, como são escolhidos os ministros do Supremo e do STJ”. A senhora mantém essa posição?

Na época em que falei isso, havia a discussão sobre mandatos para ministros. Talvez fosse interessante os ministros do Supremo terem mandatos longos, como é na corte alemã. Nosso sistema é copiado dos Estados Unidos, mas não é como lá. Nos Estados Unidos, eles assumem que são mesmo conservadores ou liberais, o sistema é bipartidário, com algumas variações, então é muito claro, para a sociedade americana, que, quando eles elegem um presidente, ele vai indicar os ministros e integrantes dos tribunais federais. Seria interessante discutir um mandato, mas que sejam longos.

Em relação à indicação, o sistema de freios e contrapesos, quando funciona, é interessante. Acho que, hoje, o Senado compreende melhor o seu papel nas sabatinas. O Senado vem compreendendo que é um ator importante nas indicações do presidente da República. Quanto mais o Senado compreender isso, melhor será para a democracia brasileira.

Há um incômodo grande, no parlamento, com o ativismo judicial. Sabemos que a definição disso é muito difícil, dada a complexidade da interpretação jurídica e judicial, e da questão das políticas públicas, mas partamos do princípio de que onde há fumaça, há fogo. Como a senhora avalia a possibilidade de criar no Brasil um mecanismo pelo qual o parlamento, talvez por maioria qualificada, possa suspender, por determinado tempo, ou cassar, ou qualificar uma decisão do STF em controle de constitucionalidade abstrato?

Não. Nosso sistema é o de freio e contrapesos. A razão do presidencialismo é que os poderes são autônomos, mas não soberanos. Nossa lógica de controle de constitucionalidade é herdada dos Estados Unidos e essa lógica é contra majoritária. A Constituição é um pacto, que pode ser reformado por emendas, mas, justamente por ser um pacto importante, a emenda tem um quórum qualificado [para ser aprovada]. Há cláusulas pétreas que nós pactuamos, porque a Constituição não é um pacto para uma geração, mas para muitas gerações, até para preservá-la, porque a democracia não é só a maioria momentânea, mas o respeito aos direitos da minoria – no Congresso, há o líder da maioria e o líder da minoria. A nossa Constituição permite que partidos políticos acionem o Supremo, então essa questão do ativismo está, muitas vezes, ligada a questões eleitorais.

Então, o sistema é este mesmo. O que acontece é que nossa Constituição é uma Constituição moderna que traz para dentro dela várias questões de direitos e garantias individuais e políticas públicas de direitos sociais e de diretrizes para grupos vulneráveis e minoritários. A esta altura, o STF e o STJ têm 31 anos de jurisprudência, e sabemos que a atuação do Judiciário está ligada à questão da inadimplência, da insuficiência e da inadequação das políticas públicas. Mas essa tensão entre a política e o jurídico é uma tensão democrática permanente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]