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Hóspede espaçoso: 37% do total de processos tramitando na Justiça são de execuções fiscais, que demoram em média nove anos para serem concluídas | Dorivan Marinho/Independent Commercial Photographer
Hóspede espaçoso: 37% do total de processos tramitando na Justiça são de execuções fiscais, que demoram em média nove anos para serem concluídas| Foto: Dorivan Marinho/Independent Commercial Photographer

O que a União, a Caixa, o INSS, prefeituras e estados têm em comum? São eles os maiores litigantes do Brasil, em diferentes instâncias judiciais. Já há alguns anos se sabe que o poder público é o grande protagonista da crescente judicialização do Brasil, e mesmo assim há poucas iniciativas para modificar esse cenário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer tentar mudar isso.

Está previsto para o próximo dia 19 o lançamento de uma nova série de pesquisas sobre a litigiosidade no país. Segundo Maria Teresa Sadek, diretora de Pesquisas Judiciárias do CNJ, a intenção é obter dados precisos sobre todos os tribunais, os quais devem estar disponíveis até o fim de 2017. Ela diz que a transparência e publicidade das informações vai ajudar a combater o congestionamento do Judiciário.

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De 2009 a 2016, o número de processos em tramitação cresceu 31,2%, chegando a quase 80 milhões, conforme o relatório Justiça em Números, divulgado em 4 de setembro pelo CNJ. No ano passado, ingressaram 29,4 milhões de novas ações nos tribunais, o equivalente a 14,3 processos a cada 100 habitantes. Mas esse levantamento desconsidera os grandes litigantes. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, entre os maiores demandantes de 2016 estão: União (1º lugar); INSS (2º); estado do Rio de Janeiro (4º); estado de São Paulo (5º); Bahia (7º); e Paraná (8º). Os demais da lista são Ministério Público ou Defensoria, órgãos com atribuição constitucional de agir.

A litigiosidade em todo o Judiciário já foi alvo de pesquisas anteriores, mas sem detalhamento. No CNJ, o material mais recente é de 2012, no qual foi considerado apenas o polo ativo dos processos protocolados no Brasil entre janeiro e outubro de 2011. Na ocasião, o setor público federal figurou como principal demandante, com 12% das novas ações. Em segundo lugar ficaram os bancos (10,9%), seguido do poder público municipal (6,9%) e setor público estadual (3,8%).

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A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou uma pesquisa sobre litigiosidade em 2015, com base em 11 unidades federativas – o Paraná ficou de fora. A equipe técnica foi coordenada por Sadek, que é cientista política e professora aposentada da USP. “Infelizmente a pesquisa foi pouco usada”, lamenta. Um dos principais achados da pesquisa da AMB, diz ela, foi a constatação de que um número muito pequeno de atores era responsável por pelo menos metade das ações. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, 67% dos novos processos de 2013 foram acionados pelos municípios.

O grande problema, diz Sadek, é que o Judiciário tem poucos filtros para definir o que deve e o que não deve ser alvo de ação. “Nas questões administrativas, por exemplo, deveria haver algum tipo de acordo para que elas fossem resolvidas pelos órgãos, sem necessitar passar pelo Judiciário”, sugere. Se nada mudar, o Estado continuará a servir ao próprio Estado, sem deixar espaço para o Judiciário atender às demandas dos cidadãos. Segundo ela, que é cientista social, não há paralelo com outros países.

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O juiz Fabio Tenenblat, da 1ª Vara Federal de Niterói, estudioso do tema, aponta que não há risco para o Estado em litigar: mesmo ações com baixa probabilidade de êxito são ajuizadas porque não há custo algum para o perdedor. “Algo parecido com jogar na Mega-Sena sem ter que pagar pela aposta”, resume. Além disso, a administração pública contribui para o congestionamento do Judiciário ao violar direitos e cometer abusos, gerando demandas caracterizadas pela repetitividade e pela previsibilidade de resultado. “Por exemplo, há milhares de ações de servidores públicos pleiteando vantagens remuneratórias previstas em lei, porém não concedidas pela administração, ou de usuários do SUS que não conseguem obter, a despeito de se tratar de direito assegurado pela Constituição, medicamentos ou tratamento de saúde adequado”, explica. Dessa forma, o poder público dificulta o acesso à própria justiça – não significa que há barreiras para as pessoas ingressarem no Judiciário, mas sim muitos obstáculos para terem uma sentença final.

Racionalidade

Segundo o Justiça em Números 2017, o maior estoque de processos é o de execuções fiscais: cerca de 30,4 milhões dos quase 80 milhões em tramitação (37% do total). Isso representa uma elevação em relação ao registrado no Justiça em Números de 2010, quando as execuções fiscais representavam 32% das ações judiciais.

Há estudos apontando vantagens nas arbitragens e mutirões para resolver essas questões, mas Sadek, do CNJ, pontua que o problema começa bem antes. “Se tirarmos as execuções fiscais, vamos desafogar a Justiça, ter menos morosidade, menos processos. Mas isso é a porta de saída. O que estamos discutindo, ao falar dos maiores litigantes, é a porta de entrada. Por que o litigante continua a ingressar com ações?”, questiona.

Uma maneira de diminuir a demanda, aponta Tenenblat, é aumentar a racionalidade nas decisões do poder público.

Uma maneira de diminuir a demanda, aponta Tenenblat, é aumentar a racionalidade nas decisões do poder público. Ainda em 2012, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou uma nota técnica, a partir de um pedido do CNJ, em que mostra que tempo médio de uma ação de execução fiscal promovida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na Justiça Federal é 9 anos, 9 meses e 16 dias, e a probabilidade de obter-se a recuperação integral do crédito é de 25,8%. “Considerando-se o custo total da ação de execução fiscal e a probabilidade de obter-se êxito na recuperação do crédito, pode-se afirmar que o breaking even point, o ponto a partir do qual é economicamente justificável promover-se judicialmente o executivo fiscal, é de R$ 21.731,45”.

Em tese defendida em março de 2017 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tenenblat mostra que depois do comunicado do Ipea, uma portaria do Ministério da Fazenda orientou que não fossem ajuizadas execuções fiscais com débitos inferiores a R$ 20 mil. “Infelizmente, no entanto, são poucos os atos administrativos com balizamento semelhante, o que torna raras as situações nas quais a conduta do poder público em juízo é pautada pela ponderação entre custos e benefícios”, diz o juiz.

Há outro exemplo positivo, segundo Tenenblat: a Caixa Econômica. A partir de estudos sobre custos, efeitos econômicos e gerenciais do contencioso judicial para o banco, a empresa reduziu seu acervo processual. “Em 2014 e 2015, por exemplo, com base nas diretrizes traçadas, a Caixa desistiu de milhares de recursos direcionados aos tribunais superiores”, conta.

Tenenblat pondera que o ajuizamento das ações de cobrança decorre de determinações legais. Por isso, diz, é preciso alterar a legislação. Mas o mais importante, observa, é uma mudança na cultura de litigância. Sadek, do CNJ, também diz que não há uma única solução, mas uma série de caminhos a serem percorridos. “Se pegarmos o percentual de processos não resolvidos de 2004 para cá quase não houve alteração, sempre gira em torno de 70%. A gente estabelece metas, faz projetos, mas isso tudo fica à margem, não tem um impacto tão forte quanto resolver o problema dos maiores litigantes”, conclui.

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