Subprocurador-geral da República desde 2009, José Bonifácio de Andrada já foi vice-procurador-geral indicado por Rodrigo Janot, ex-chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR), entre 2016 e 2017. Embora estejam em lados opostos no espectro ideológico, a relação se explica pelo diálogo – marcas que Boni, como é conhecido pelos colegas, quer dar à sua gestão, se for escolhido PGR.
"Eu fui vice do Janot, então sei como é que é. Nenhum desrespeito com a doutora Raquel, mas é questão de estilo. Se você quiser olhar o perfil, o estilo e a escolha de quadros, estou mais para Janot do que para Raquel", afirma sobre o perfil dos nomes que pretende indicar.
Descendente do patriarca da independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva, e parte de uma família com sete gerações de parlamentares, o subprocurador quer fazer da descentralização do Ministério Público (MP) uma bandeira de sua gestão. "Eu vou propor essa alteração na lei, para criar conselhos regionais formados por procuradores regionais", afirma.
"Temos um número elevado de procuradores regionais, intermediários da carreira, que são uma elite no MP e que eu considero subutilizados pela nossa estrutura", justifica. "Nós temos cinco regiões imensas com a administração toda concentrada aqui Brasília", afirma.
Com experiência também em assessorar o Poder Executivo, tanto no governo federal quanto no governo estadual de Minas Gerais, durante gestões do PSDB, Bonifácio critica o ativismo judicial e o aborto – "com a morte não se resolve nada" –, mas vê a necessidade de o Estado proteger os vulneráveis e critica tentativas de policiar o que os professores dizem em sala de aula.
"Nesse caso, você precisa trabalhar com os controles internos do próprio Estado, da própria escola, da própria área da Educação. Acho que esse assunto não é judicializável, em principio. Mas acho muito complicado você querer estabelecer uma programática para o professor em sala de aula, porque o professor não é robô, não é replicador, reprodutor de conteúdo, e você não pode tentar enquadrar o sujeito", diz sobre manifestações político-partidárias de professores.
A eleição para a lista tríplice ocorre no dia 18 de junho. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.
Concorrem à lista os procuradores regionais Blal Dalloul, José Robalinho Cavalcanti, Vladimir Aras e Lauro Cardoso, e os subprocuradores-gerais Luiza Frischeisen, José Bonifácio de Andrada, Paulo Eduardo Bueno, Antonio Carlos Fonseca Silva, Nívio de Freitas e Mário Bonsaglia.
O PGR chefia o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Militar (MPM), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O espaço da Gazeta do Povo está aberto a todos os candidatos à PGR. Confira a íntegra da entrevista abaixo:
Gazeta do Povo: Considerando a percepção de que as ações penais avançam mais devagar no STF, o senhor tem propostas para dar mais celeridade e eficiência às investigações conduzidas pela PGR?
Bonifácio: Estamos em uma fase em que ainda não deu para ter uma percepção exata do efeito de baixar aqueles processos que o STF não reconhece [depois da decisão do tribunal que restringiu o foro privilegiado cara crimes cometidos durante o mandato e relacionados a ele, em maio de 2018]. Quando essa competência era concentrada no Supremo, havia duas coisas: excepcionalmente, um volume muito grande de réus no STF e também crimes de altíssima complexidade. Tudo isso sobrecarregou o tribunal, passou uma imagem de que o tribunal não funcionava. Vai ter um caso ou outro que você vai dizer que o processo se arrastou, mas se você for a qualquer tribunal do país, você encontra um processo criminal que se arrastou. Talvez possamos dizer que é um problema do sistema. Então, não diria que, nessa fase da jurisprudência nova, nós vamos poder dizer que os processos lá [no STF] se arrastam – o tempo é pouco, nós vamos fazer agora uma observação do desempenho do tribunal com essa jurisprudência
Com isso muda um pouco também o enfoque do problema: se antes aqui [na PGR] você tinha que fazer um esforço hercúleo pra tratar vários processos, com vários réus e muita complexidade, se simplifica para o tribunal, simplifica também para o MP. Mas eu tenho, de qualquer forma, uma experiência de quando eu era o vice-procurador-geral do [Rodrigo] Janot [ex-PGR]. Nós tínhamos um volume grande de processos no STJ e, assim que eu cheguei, recebi algumas cobranças, inclusive de alguns ministros, porque a minha pilha [herdada de processos] estava grande. Alguns ministros são mais ágeis, outros têm o ritmo um pouco mais lento – tinha um ministro lá já com a mesa limpa e que me ligava [cobrando]. Felizmente, em um ano, praticamente zerei a vice-procuradoria-geral [o vice-procurador-geral, além de substituir o PGR, cuida dos processos criminais no plenário do STJ].
Há também o trabalho típico de quem é o autor de uma ação: fazer permanentemente gestões com juiz, lembrando a ele a importância do caso, a relevância, mostrando por que dar prioridade a esse caso. Então, é uma ação corpo a corpo de quem é autor no processo. Estar presente no tribunal, em um bom sentido, exercer certa pressão sadia sobre o tribunal, no sentido de instá-lo a pautar, a julgar, isso ajuda. E, claro, você tem que enfrentar do outro lado – a defesa, que muitas vezes usa, ilicitamente, expedientes dilatórios lícitos. Você tem que enfrentar isso, precisa se debruçar sobre isso, dar resposta, contestar.
Mas o senhor acha que há muitos recursos no sistema processual brasileiro?
Não necessariamente. Nós temos uma questão ainda não bem resolvida, que é essa duplicidade de STF e STJ, o que cria uma instância a mais. Não chegaria a dizer que temos muitos recursos – o que é preciso é ter certo afunilamento dos recursos: na primeira instância, a possibilidade de recursos tem que ser muito grande; na segunda, já tem que reduzir; na terceira [STJ], tem que ser reduzidíssima; e, na quarta [STF], tem que ser praticamente impossível. A Suprema Corte americana julga, em média, uma centena de processos por ano. Eu solto aqui [na PGR] 40 [processos] por dia. Lá, o gargalo é fechadíssimo: para um advogado conseguir que a Suprema Corte examine a sua causa, é um negócio quase que heroico, porque ela só seleciona casos altamente relevantes.
Aqui, nós temos um sistema muito aberto no STJ, o Supremo já fechou um pouco, mas continua muito aberto. Se existe a possibilidade de muitas pessoas recorrerem a um único tribunal, o tribunal fica congestionado, então o que acho, na verdade, é que nós temos instâncias demais. Talvez fosse interessante que o Supremo marchasse para uma conformação de corte constitucional pura e deixasse o STJ fazer o papel de corte cassação ou de tribunal de última instância. Se fizermos isso, acho que nós melhoramos bem o sistema recursal brasileiro. A questão de ter um recurso a mais ou um recurso a menos, não é isso que vai resolver.
Qual a posição do senhor sobre a legalização do aborto?
Primeiro, a minha opinião sobre a questão é que não se deve praticar o aborto. Acho que, em nenhuma circunstância, matar alguém é solução para qualquer coisa. Agora, a outra questão que se coloca é do plano legal e constitucional. O primeiro ponto é que isso não é matéria para tribunal legislar, isso é matéria para o Congresso Nacional. Vejo com muita restrição o que está sendo chamado de ativismo jurídico, mas que na verdade é o STF começando a legislar e entrar em uma área para qual não foi constituído ou a para qual ele não tem legitimidade. Seria um pouco diferente se, por exemplo, os juízes do STF tivessem mandato, porque o mandato do juiz faria com que a corte tivesse pelo menos, em média, alguma correspondência com o establishment politico. Aqui no Brasil, não: nós damos a vitaliciedade [garantia de aposentadoria somente pela idade estabelecida na Constituição] para o juiz, para ele ter a garantia para resolver conflitos individuais. Quando você coloca o juiz com vitaliciedade para legislar – o legislador vitalício tem outro nome...
Qual nome tem o legislador vitalício?
Pois é, isso tem outro nome, até na Roma Antiga isso tem outro nome. Se o juiz é vitalício na função, não é para legislar, porque, na República e na democracia, os legisladores têm rodízio, o período do cargo tem mandato, é quatro anos, exatamente para você ter certa correspondência com a população. Então, sobre o aborto, a minha posição é esta: acho que não se deve abortar, com a morte não se resolve nada, isso não leva a nada. Temos “N” soluções para o problema, se for preciso. Mas vão me dizer: há o caso do estrupo, há o caso da mulher que não tem condições de criar. São “N” casos concretos para os quais existem soluções e alternativas viáveis e aceitáveis, e que são praticadas no mundo. Mas, independente do meu ponto de vista pessoal, para o problema que se coloca no Brasil, acho que o STF carece de legitimidade para deliberar sobre o tema. Esse tema deve ser tratado pelo Congresso Nacional.
O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade na reforma trabalhista?
Em princípio, acho que não. Venho assistindo no STF algumas questões atacando a reforma trabalhista, vejo algumas reclamações, mas vejo que são reclamações de ordem de conveniência, de ordem política ou, digamos assim, de estrutura legal. Mas inconstitucionalidade, praticamente, em princípio, não me recordo de ter visto nenhuma, embora não tenha me debruçado detalhadamente sobre ela [a reforma]. O que é importante na questão trabalhista é não deixar o trabalhador desemparado na negociação, e aí temos vários matizes. Em alguns aspectos, é preciso que o Estado estabeleça um mínimo, pode ser mínimo de salário, pode ser um máximo de carga horária, um mínimo de condições de trabalho, porque não pode haver uma livre negociação entre trabalhador e o empregador, porque muitas vezes o trabalhador está em situação fragilíssima para negociar, é uma negociação injusta, você precisa amparar a parte mais fraca da negociação. Agora, se já existe uma corporação, já existem sindicatos fortes, grupos de trabalhadores bem organizados, com um alto poder de pressão, um alto grau de organização, e a negociação não está tão desigual assim, você deixa o jogo correr de uma forma supervisionada.
Agora, há uma grande massa de trabalhadores que, pela sua característica, não tem capacidade de organização, pela capilaridade – por exemplo, um sindicato de costureiras autônomas, elas têm dificuldades de se reunir. Aí o Estado precisa entrar um pouco mais, precisa estabelecer condições mínimas. O que não pode acontecer na legislação trabalhista são aquelas leis de livre mercado em que você deixa solto um capitalismo selvagem, a lei do “salve-se quem puder” e a lei do mais forte, a lei da melhor oferta, que às vezes muitos empresários têm na cabeça. De qualquer forma, o Estado precisa ser o último garante, ele não pode deixar que haja um desrespeito à dignidade do trabalhador. Depois entram as questões de mercado, é normal. Só é preciso que haja um plano para que o mais fraco nunca seja pisado e explorado. Podendo privilegiar a liberdade, sem que haja uma situação de covardia ou exploração, acho que está bem.
O senhor entende cabível alguma medida jurídica contra esse fenômeno que tem sido chamado de “fake news”?
Acho que as “fake news” não têm nada de novo. O que há de novo nelas é a tecnologia. Uma vez, em uma audiência pública sobre o tema, um interlocutor disse que o problema da internet é que você tem velocidade da transmissão da informação e quantidade na transmissão da informação, ou seja, você dá um disparo rápido e atinge uma multidão de pessoas simultaneamente. O problema não é muito jurídico, porque calúnia, injúria, difamação e o dano moral já estão proibidos pela legislação.
Nós precisamos de ferramentas, talvez até legais, para reagir rápido contra isso, e aí precisa entrar a tecnologia – quer dizer, se alguém consegue entrar na rede anonimamente e soltar uma notícia ou um fato calunioso, difamatório, que vai lesar pessoas, nós precisamos ter meios de encontrar rápido quem fez isso, com a mesma velocidade e utilizando a mesma tecnologia. Não adiante dizer “‘fake news’ vão dar ‘x anos’ de cadeia”, os crimes existem – o que eu preciso é ter tecnologia para se achar rapidamente os autores e rebater frontalmente [as informações falsas]. Os principais jornais do Brasil já estão com um campo dizendo “chequei essa informação, chequei aquela, não precede, a fonte não é boa”. Você dá uma espécie de contrainformação, utilizando os mesmos meios, os mesmo recursos. É um bom caminho.
Qual a posição do senhor sobre o tema da doutrinação em sala de aula, na educação básica, e sobre o Escola Sem Partido?
Esse é um tema um pouco complexo. No ensino básico, primeiramente, você tem dois enfoques, o da escola particular e o da escola pública. Na escola particular é simples: os pais estão cuidando da educação dos seus filhos, [se] não gostou da escola, sai. Se o professor está falando em sala de aula e te incomoda, você vai ao diretor da escola, conversa e troca de escola. Isso aconteceu comigo, eu tenho seis filhos. Tinha um professor que estava ensinando algo que não era adequado para a idade [dos filhos], mas eu percebi que, embora a direção concordasse comigo, aquilo não iria mudar, então mudei de escola. Onde é um pouco mais complexo é na escola pública, porque a escola pública tem dois lados: primeiro, ela não tem dono; segundo, na maioria das vezes, as pessoas que procuram a escola pública não têm dinheiro para pagar uma escola particular ou trocar os filhos de escola, então elas não têm muita alternativa.
Aí é preciso olhar: primeira coisa, você tem que respeitar a liberdade dos professores e, eventualmente, pode haver um caso abusivo – para falar na questão do Escola Sem Partido – em que o sujeito não está dando aula nenhuma e está fazendo militância político-partidária. Nesse caso, você precisa trabalhar com os controles internos do próprio Estado, da própria escola, da própria área da Educação. Acho que esse assunto não é judicializável, em principio. Mas acho muito complicado você querer estabelecer uma programática para o professor em sala de aula, porque o professor não é robô, não é replicador, reprodutor de conteúdo, e você não pode tentar enquadrar o sujeito.
É preciso coibir o excesso no sistema interno, e assim mesmo é difícil. Mas a posição oposta [à do professor], na verdade, precisa ser dada pelos pais: você pode, na escola pública, fazer uma reunião de pais com professores, fazer uma cobrança. E, assim mesmo, você precisa saber se todos estão concordando com você, porque de repente você é a “ovelha” negra da história, às vezes o professor está seguindo a maioria. Acho complicadíssimo, dificílimo e muito complexo que você queira pautar professores em sala de aula. As famílias também precisam se preparar e preparar os próprios filhos. Isso de policiar professor em sala de aula, além de não estar certo, praticamente é um negócio impossível. Você só vê isso em regimes nazistas e comunistas. Fora disso, você tem que conviver com essa multiplicidade de pensamentos que faz parte da liberdade.
O senhor entende cabível alguma restrição às imunidades parlamentares previstas pela Constituição?
Acho que, neste assunto, a jurisprudência do STF está muito bem, e me identifico muito com o pensamento do Celso de Melo, que é o seguinte: na tribuna, o parlamentar não sofre nenhuma restrição, nem de ordem criminal, nem de ordem civil, nem de ordem administrativa. Quase todos votam assim, mas os melhores votos são os do Celso de Melo. E precisa ser assim: o único controle que o parlamentar pode sofrer, na tribuna, é o controle do decoro pela própria casa. A tribuna tem que ser absolutamente livre, isso é da democracia, e o limite é a cassação do mandato por falta de decoro. Termina aí. Acho que precisa ser assim, porque se não for, você quebrou a perna da democracia, e é muito fácil perceber pelo movimento contrário. Sempre que houve uma restrição na Constituição à liberdade de palavra na tribuna, foi em uma ditadura – você tem isso na constituição de 1937 [início do Estado Novo], na Constituição de 1967 e na Constituição 1969 [ambas durante a ditadura miliar].
O Supremo também estendeu isso, e já fica um pouquinho mais complexo. Ele estendeu essa atividade da tribuna para outras atividades na casa [Câmara ou Senado], por exemplo, em uma comissão, e continua igual [imunidade absoluta]. Mas o STF estendeu um pouco mais, porque, mesmo quando fora da casa, o parlamentar está falando no exercício da função dele: hoje se entende que o deputado não é deputado só quando entra na Câmara – ele exercita o mandato dele fora do prédio. Nesses casos, você tem um pouquinho mais de trabalho para discernir se ele estava ou não na função parlamentar quando falou, mas se você entendeu que ele está na sua função parlamentar, então a imunidade se aplica sem restrição nenhuma.
O senhor acha a imunidade absoluta mesmo no caso de uma incitação a quebra da ordem ou insurreição armada?
Na tribuna, você tem que deixar tudo, a tribuna é livre – se não for, você quebrou a perna da democracia, porque na hora em que você coloca essa condicionante, então alguém coloca outra, e então alguém coloca outra, e você cerceou a liberdade. Você precisa tolerar um excesso na tribuna, para você ter certeza de que aqueles que não falam bobagem falaram tudo que podiam falar. Veja: um deputado tem uma informação confidencial, e ele não vai falar a fonte porque quer protegê-la, mas ele tem uma informação segura e confidencial de que o presidente da República recebeu suborno para propor um projeto de lei. Ele precisa poder falar. E eu acho que o MP tem o dever de proteger essa imunidade, porque é ali dentro [do Congresso] que mora a democracia.
O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade na atual proposta de reforma da Previdência?
É um pouco complicado, porque a reforma propõe uma Emenda à Constituição, então a inconstitucionalidade seria só em relação às cláusulas pétreas – e esse tema já mudou tanto, que não vou falar exatamente sobre ele. Primeiro, precisamos estabelecer um limite de idade, e aqui falo com algum conhecimento de causa, porque fui consultor jurídico do Ministério da Previdência, quando o ex-presidente FHC mandou a primeira reforma previdenciária, em 1998. Minha opinião pessoal é que a idade hoje para o Brasil seria 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, em regra geral. Você pode colocar algumas exceções justificáveis de alguns trabalhadores que estão em algumas situações especiais, que não tenham a proteção ou a proteção existente não seja suficiente, mas são casos raros.
Defendo que as mulheres tenham cinco anos a menos que os homens em qualquer situação, porque nós temos situações de mulheres com tripla jornada, chefe de casa, sozinha, mulher de periferia, mulher que não tem com quem deixar o filho. A situação da população feminina de baixa renda é dramática. Já discuti isso com matemáticos que disseram: “Não, hoje a mulher viver em média oito anos a mais que os homens, então, se você fizer as contas, a mulher tinha que trabalhar mais do que o homem e se aposentar depois”. Isso é uma logica matemática, só que nós não estamos trabalhando com lógica matemática, nós estamos trabalhando com sociedade e com seres humanos. Elas precisam ter a opção de sair do mercado de trabalho cinco anos mais cedo, porque elas prestam suporte fundamental em casa: hoje não há casal que não dependa dos avós, pra cuidar dos filhos, para ficar com os filhos na hora em que viajem. E, quanto mais baixa a renda, maior a dependência dos avós.
Acho também que nós precisamos de alguma forma, ainda que de transição, de capitalização – o pessoal entra em pânico, mas precisamos de alguma forma entrar em um regime de capitalização. Não é mudar o regime, nós precisamos inserir esse sistema de capitalização, pode ser um sistema de previdência complementar, existem “N” formas de fazer isso, porque o sistema de regime de repartição, que é o que nós vivemos hoje, em que uma geração sustenta a outra, está fadado à falência, porque nós estamos com deficiência demográfica. Significa o seguinte: o filho único tem que sustentar a aposentadoria dos pais, dos avós e pagar a escola do filho dele – não vai aguentar. A pirâmide não se sustenta, por melhor que seja a economia do país, então como é que ela vai se sustentar?
Precisamos de alguma forma de capitalização inteligente, mas de uma maneira muito cautelosa, porque na hora em que você fala isso, os tubarões do mercado aparecem com uma boca deste tamanho [abre as mãos]: vou botar meu dinheiro na poupança, depois [o banco] quebra e como é que eu fico? Então, precisamos pensar em ter uma poupança, pode ser pública mesmo – você tem o caso, que não é muito bem sucedido, do Fundo de Garantia. Ele é remunerado inconstitucionalmente, o que se paga lá é um assalto ao trabalhador, mas ali você tem o regime de capitalização em que você tem uma conta que é sua, você consegue saber quanto que você tem ali e no final de certo tempo, por determinados motivos, ou quando se aposentar, você tem acesso. Pode ser público, pode ser privado, com mobilidade ou os dois.
Mas e a alíquota progressiva?
A alíquota, pelo fato de ser progressiva, não necessariamente [é inconstitucional]. Mas você pode colocar um valor tal, que é proibitivo, que vira um assalto ao teu bolso, aí vira confisco. Essa é uma questão polêmica, para ser discutida no tribunal: se a alíquota chega a ser desarrazoada, você pode colocar isso em discussão. E assim mesmo, isso vai depender também do valor do salário, porque todo mundo defende que, para o Bill Gates, a alíquota seja de 50% [risos]. Agora, 50% sobre o salário mínimo é um absurdo. Você vai discutir isso no STF e vai ter que ponderar a quantia em reais e quanto vai pagar de imposto. Considerando que se está mexendo com funcionários públicos e trabalhadores de baixa renda, a alíquota pode chegar a um ponto que vai ser proibitiva. Não vou antecipar isso aqui, agora, mas o tribunal pode [declarar inconstitucional].
O senhor defende alguma reforma estrutural ou mudança de gestão no Ministério Público?
O que eu percebo da minha experiência na casa, principalmente como subprocurador-geral, há quase 10 anos, é que nós estamos com uma lei que foi feita logo depois da Constituição, em 1993 [a Lei Complementar 75, que organiza o Ministério Público da União], que tem quase 30 anos, e que, na verdade, ficou defasada em vários aspectos. Quando a lei foi promulgada, para nós [da carreira], ela era o suprassumo, era um sonho de consumo, era a institucionalização da casa. Mas, passado esse tempo todo, a lei ficou um pouco defasada do ponto de vista organizacional. Nós éramos em torno de 300 procuradores, hoje estamos em 1.100; só existia Procuradoria nas capitais dos estados, a Justiça Federal só existia nas capitais. A estrutura que a lei nos deu foi para esse contexto. Hoje, nós estamos com Procuradorias no país inteiro, nas regiões mais longínquas. Eu estive no Cruzeiro do Sul, no Acre, é a cidade mais extrema que temos na fronteira ali com Peru e Bolívia – estava sendo instalada uma [vara da] Justiça Federal lá, e a Procuradoria estava cuidando de ver como é que mandava um procurador para lá. Quando entrei [em 1984], isso era impensável.
O resultado disso é que nós temos cinco Tribunais Regionais, temos um numero elevado de procuradores regionais, intermediários da carreira, que são uma elite no MP e que eu considero subutilizados pela nossa estrutura. O topo da carreira são os 74 subprocuradores-gerais. Toda a administração da casa está concentrada aqui nesses subprocuradores [na PGR, em Brasília], os procuradores regionais atuam supletivamente, na falta ou substituindo os subprocuradores. As Câmaras temáticas são destinadas, em regra, aos subprocuradores, o Conselho Superior está destinado aos subprocuradores. E nós temos cinco regiões imensas com a administração toda concentrada aqui [na PGR, em Brasília]. Se dois procuradores do interior do Rio Grande do Sul têm uma divergência, essa controvérsia precisa vir ser resolvida aqui em Brasília: são três subprocuradores-gerais que, daqui de Brasília, vão decidir, quando esse assunto poderia ser resolvido lá.
O que eu percebo é que nos falta um nível intermediário na estrutura administrativa, que é exatamente o nível dos procuradores regionais. Se nós temos aqui [na PGR, em Brasília] o Conselho Superior, nós precisamos ter, nas regiões, Conselhos Regionais compostos por procuradores regionais, com competência para resolver as questões finalísticas [relativas às matérias em que o MPF atua nos processos] e até algumas questões normativas e administrativas específicas da própria região. Há “N” problemas da base que, para eu tomar uma decisão aqui [em Brasília], preciso conversar com algum procurador geral de lá, porque eu não conheço nada do local e o sujeito lá conhece. Eu vou propor essa alteração na lei, para criar conselhos regionais formados por procuradores regionais, com a metodologia análoga à do nosso Conselho Superior, e dar a esses conselhos uma autonomia mínima, de modo que eles possam gerir a região naquilo que é específico dela.
Eu sou muito adepto do princípio da subsidiariedade: o que pode ser resolvido na base, a base que resolva. A cúpula entra para ajudar, entra para suprir, entra para apoiar e, no limite, no último caso, é que você vai fazer uma intervenção direta e dar uma solução para o caso concreto. A distancia afeta as decisões, e nós temos procuradores experientes, a grande maioria não será subprocurador-geral, mas são homens que têm a mesma idade, a mesma capacidade intelectual, a mesma formação jurídica, a mesma experiência [que os subprocuradores] e experiência da região.
Quais são os perfis que o senhor buscará para os ocupantes dos seguintes cargos: vice-procurador-geral da República, vice-procurador-geral eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), secretário-geral, e coordenadores de Câmaras de Coordenação e Revisão?
Vou ser curto e sintético: estou mais para Janot do que para Raquel. Eu fui vice do Janot, então sei como é que é. Nenhum desrespeito com a doutora Raquel, mas é questão de estilo. Se olhar o estilo, não vou citar nomes, mas se você quiser olhar o perfil, o estilo e a escolha de quadros, estou mais para Janot do que para Raquel.
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