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A ex-BBB Aline da Silva, eliminada com a maior rejeição da história do programa, deve ser indenizada por diversos veículos da imprensa. O motivo? Mesmo tendo decidido ficar longe dos holofotes depois de sua participação na atração, Aline viu sua vida exposta em sites noticiosos, mais de uma década após deixar “a casa mais vigiada do Brasil”. A decisão é do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que reverteu a sentença de primeira instância e abriu uma discussão sobre o “direito ao esquecimento”, que está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF)

Aline ficou conhecida por participar da 5ª edição do Big Brother Brasil (BBB), em 2005. Na ocasião, ela foi eliminada do programa com 95% dos votos, em paredão disputado contra Grazi Massafera, vice-campeã daquele ano. 

Em 2016, a Globo convidou a ex-sister para participar novamente do programa, mas Aline, que atualmente trabalha como carteira e tem uma filha, negou o convite e afirmou não autorizar que o canal divulgasse qualquer detalhe sobre sua vida. O site Ego, porém, ligado à emissora, publicou matéria dizendo que Aline “ganhou o apelidinho de ‘Aline X-9’ devido aos mexericos que fazia entre os grupos de Jean [Wyllys, hoje deputado federal pelo PSOL-RJ] e seu arqui-inimigo, o doutor Gê [Rogério Padovan, médico que também participou da atração]”. 

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A publicação também afirmou que ela, após deixar o programa, “enfrentou problemas de rejeição nas ruas e teve até mesmo sua casa pichada em protesto”, além de ter decidido “se mudar do Rio para São Paulo, onde mora há alguns anos e busca uma vida comum”. A matéria trouxe várias reproduções de fotos de Aline, retiradas de suas redes sociais, que foram replicadas por veículos da RBS e da Empresa Baiana de Jornalismo. 

Incomodada com a situação, Aline procurou a Justiça com o objetivo de ser indenizada por danos morais pelos grupos de comunicação que divulgaram informações sobre ela. Em primeira instância, o pedido da ex-BBB foi negado. Para o juiz Daniel Fabretti, os sites não cometeram nenhum excesso ao divulgar fatos sobre a participação de Aline no programa, bem como de sua vida privada. 

“Nenhuma informação foi inventada ou aumentada. A autora, ao participar desse tipo de programa, torna-se uma personalidade, e é comum esse tipo de reportagem, para que o público saiba como está a celebridade nos tempos atuais”, escreveu o magistrado na sentença. 

No TJ-SP, contudo, o desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior atentou para o fato de que a liberdade de imprensa tem como base o interesse público da obtenção da informação – o que, na visão do magistrado, não se aplica ao caso de Aline. 

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“Não se demonstrou que na atualidade a requerente fosse pessoa pública, que é aquela que se dedica à vida pública ou que a ela está ligada, ou que exerça cargos políticos, ou cuja atuação dependa do sufrágio popular ou do reconhecimento das pessoas ou a elas é voltado, ainda que para entretenimento e lazer, mesmo que sem objetivo de lucro ou com caráter eminentemente social, ou mesmo que se cuidava de pessoa notória”, anotou Silva Júnior, lembrando que essas são “hipóteses em que se poderia aventar que pudesse sofrer restrições e limitações no resguardo dos assuntos relacionados a sua vida privada, ainda que limitado ao ambiente de onde gozasse de popularidade”.

Defesa da imprensa e liberdade de expressão 

A defesa dos veículos de comunicação envolvidos no caso enfatizou, basicamente, que Aline entrou no programa, de elevada audiência, por livre e espontânea vontade. 

A RBS se afirmando que o “ingresso [de Aline] no programa mudaria sua vida definitivamente, de pessoa comum, para uma pessoa pública. Natural, portanto, que haja curiosidade sobre a atual situação de uma das participantes do reality, sendo que existem matérias que retratam o cotidiano dos diversos participantes de todas as edições”, enquanto a Empresa Baiana de Jornalismo afirmou que “a participação em reality [show] pressupõe a exposição da vida dos participantes, sendo contraditória a alegação da autora de se sentir exposta e humilhada com noticiários sobre sua vida pessoal”. 

Convicções da Gazeta do Povo: Liberdade de expressão

A Rede Globo, por sua vez, escreveu que “não publicou qualquer inverdade ou mesmo juízo de valor negativo sobre os fatos públicos e notórios vinculados a uma personagem que se dispôs a participar do programa de maior visibilidade do país e é claro que abriu mão de parte de sua intimidade para a publicidade, ficando suscetível a uma maior exposição na mídia”. 

O desembargador Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, voto vencido no TJ-SP, entendeu que as empresas agiram conforme seu direito de liberdade de expressão, ao relatar fatos que realmente aconteceram, sem expor a ex-BBB de forma vexatória. Mesmo assim, as empresas foram condenadas a indenizar Aline, de forma solidária, em R$ 20 mil. 

Questão no STF 

direito ao esquecimento é tema que pode ser apreciado pelo STF ainda em 2018. O cerne de Recurso Extraordinário (RE) 1.010.606 é o assassinato de Aída Curi, que ocorreu em 1958, no Rio de Janeiro (RJ). Os irmãos da vítima acionaram a Justiça após o crime ter sido reconstituído no programa Linha Direta, da Globo, em 2004. 

Aída, que à época estava com 18 anos, foi violentada pelos três homens dentro do edifício Rio Nobre e jogada de cima do prédio, que fica na famosa Avenida Atlântica, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Os criminosos tentaram simular seu suicídio. 

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A advogada Taís Borja Gasparian, representante da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que atua como amicus curiae no processo, afirmou que o caso diz respeito à liberdade de informação. “Entendo a dor da família, mas há valores maiores que devem ser defendidos pelo STF. A pretensão no recurso é censura”, disse na audiência. 

Já Gustavo Binenbojm, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), anotou que “o direito à informação envolve também fatos pretéritos. A veiculação, a discussão, a crítica sobre fatos passados é matéria essencial para a construção da memória coletiva e da historiografia social, como aliás assegurada também na Constituição nos artigos 215 e 216”.

Por outro lado, a OAB-SP defendeu que o direito ao esquecimento decorre da interpretação da Constituição e que materiais que provoquem angústias e aflições nas famílias, atingindo sua esfera íntima, precisam ser retirados das redes sociais.

Para Cíntia Rosa Pereira de Lima, professora da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, que fez seu pós-doutorado na Itália sobre o tema e também se manifestou como amicus curiae, o direito ao esquecimento é um direito de personalidade cuja aplicação não busca “reescrever a história ou alterar a verdade dos fatos”. Para a professora, o objetivo do reconhecimento desse direito é “não ter a identidade de um determinado indivíduo estigmatizada por fatos ocorridos no passado e que deixaram de ter uma relevância pública”.

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