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Detalhes do Supremo Tribunal Federal (Brasil), da Suprema Corte (Estados Unidos), da Suprema Corte (Reino Unido), do Conselho Constitucional (França) e do Tribunal Constitucional Federal (Alemanha) |
Detalhes do Supremo Tribunal Federal (Brasil), da Suprema Corte (Estados Unidos), da Suprema Corte (Reino Unido), do Conselho Constitucional (França) e do Tribunal Constitucional Federal (Alemanha)| Foto:

Na maioria dos países democráticos, as Supremas Cortes são alvo de críticas pelo excesso de poder dos magistrados e pela forte influência política e ideológica que exercem ou a que estão sujeitas. Parte da questão envolve a postura dos juízes no cargo e a vitalidade da cultura democrática de cada país. 

Mas a forma como essas instituições são compostas, a função para a qual foram planejadas, o sistema de indicação dos ministros e o tempo de permanência deles na função variam conforme o país, dando contornos peculiares a cada uma delas – ou criando problemas diferentes (veja um resumo das diferenças entre alguns países). 

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem ganhando visibilidade desde a década passada, na medida em que passou a exercer um protagonismo político e jurídico que não tinha. Em reação ao que muitos veem como ativismo judicial, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) aventou a ideia de aumentar de 11 para 21 o número de ministros, para “colocar 10 isentos lá dentro”. Já Carlos Marun, da Secretaria de Governo da Presidência da República, propôs criar um tribunal acima do Supremo “que possa dirimir conflitos entre as decisões do STF e a Constituição Federal”, o que já é uma das competências do tribunal. 

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Nos Estados Unidos, a discussão ressurgiu com o anúncio da aposentadora do juiz Anthony Kennedy, fiel da balança entre liberais e conservadores, o que abre a possibilidade de o presidente Donald Trump consolidar um predomínio conservador na Suprema Corte pelas próximas décadas. Por lá, as vozes mais exaltadas já estão defendendo uma proposta parecida com a de Bolsonaro

Segundo os especialistas, é difícil apontar um modelo ideal de Suprema Corte. Algumas funcionam praticamente só para o controle de constitucionalidade, como no modelo francês, distanciando-se do restante do Poder Judiciário. Outras, no entanto, como o nosso STF, servem também como última instância de apelação judicial. 

Para Fernando de Castro Fontainha, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, o Brasil tem um sistema peculiar e complexo de controle de constitucionalidade, em que qualquer juiz pode declarar inconstitucionalidade de um ato normativo nos casos concretos – é o chamado controle difuso. Ao mesmo tempo, o STF é o topo da jurisdição, julgando processos que começaram em instâncias inferiores. Também é tribunal de jurisdição única, ou seja, julga casos que começam e terminam no próprio Supremo. 

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“Ele é ainda um tribunal de revisão constitucional, que pode ser acessado diretamente para tratar sobre direitos objetivos, onde não há partes em litígio e só se discute a constitucionalidade das leis”, explica Fointainha. É raro, diz ele, um tribunal ter todas essas competências. 

Já o Conselho Constitucional Francês é muito diferente do STF. Por lá, os ex-presidentes da República têm cadeira vitalícia no Conselho e há poucos magistrados de carreira. 

“Mais recentemente ele se tornou um conselho com alguma implicação jurisdicional, mas tradicionalmente é uma casa de revisão legislativa, onde as minorias parlamentares podem acessá-la para fazer a revisão de constitucionalidade de projetos de lei. Uma vez o projeto de lei estando vigente, não existe esse negócio de um magistrado comum declará-lo inconstitucional”, afirma Fontainha. 

Limite de permanência 

Algumas Cortes superiores, como a dos EUA, não têm um limite de permanência por tempo ou por idade dos magistrados. Ou seja, se não for voluntária, a saída dos justices, como são chamados os ministros de lá, só ocorre com a morte. Assim como no Brasil, a indicação do juiz é feita pelo presidente da República e aprovada pelo Senado. 

De acordo com Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da FGV-Rio, há pessoas descontentes com a vitaliciedade dos justices norte-americanos. As críticas vêm da constatação de que, pela importância da Suprema Corte, um presidente pode enviar para lá alguém muito jovem, que vai ficar por muito tempo influenciando o tribunal. 

“Além disso, a longevidade excessiva dos ministros faz com que eles tenham de julgar situações atuais que nem existiam quando foram nomeados. Sem falar que isso pode quebrar a assimetria de poderes entre presidentes [dos partidos Republicano e Democrata], pois o ministro pode escolher qual a melhor hora para se aposentar voluntariamente, permitindo que o presidente nomeie um sucessor para a Corte que seja alinhado ideologicamente ao seu partido, perpetuando a mesma orientação política e influência sobre a jurisprudência constitucional por mais 20 ou 30 anos”, observa. 

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O contrário também pode ocorrer. Caso não haja renúncia ou morte, um presidente da República pode passar pelo cargo sem conseguir indicar um ministro sequer. Nesse sentido, a Suprema Corte pode pender para um lado ou para o outro: ou mais progressista ou mais conservadora. Enquanto o presidente democrata Jimmy Carter foi o único no século 20 a não indicar um justice, seu sucessor republicano, Ronald Reagan, indicou três. Desde então, cada presidente conseguiu indicar dois. Trump também já indicou dois – um foi aprovado e o outro aguarda sabatina.

No Brasil, onde os ministros são obrigados a deixar o cargo aos 75 anos desde 2015, quando foi aprovada a chamada PEC da bengala, também ocorre esse desequilíbrio de forças. Fontainha lembra que o ex-presidente Fernando Henrique, em oito anos de governo, indicou apenas três ministros, enquanto o ex-presidente Lula, no mesmo período de tempo, indicou oito. Não quer dizer, necessariamente, que isso vá representar uma garantia em relação aos interesses político-partidários mais imediatos de quem os indica. 

Na Índia, conforme exemplifica Werneck, a própria Corte tem um papel decisivo na escolha de seus novos representantes, o que acaba perpetuando a mesma casta de juízes no poder, pois a indicação do magistrado é feita em consulta com o próprio tribunal, que interpreta isso como algo vinculante. Nesse cenário, as mudanças políticas e na sociedade acabam não reverberando no Poder Judiciário. 

Mandato e concurso público 

A vitaliciedade dos ministros da Suprema Corte americana, por exemplo, está ligada à ideia de que os justices sejam independentes para tomar decisões livremente. 

“É um processo de nomeação política, o que confere indiretamente alguma legitimidade democrática à escolha, mas há um planejamento, em seguida, que deixa o ministro amarrado apenas pelos constrangimentos próprios à carreira dos magistrados. Ele não fica limitado por um mandato e por uma aposentadoria compulsória”, observa Fontainha. 

Por outro lado, impor um mandato por tempo determinado, como ocorre na Alemanha, ou limitar o ingresso na carreira por concurso público são algumas ideias aventadas para forçar uma renovação maior da Corte. 

“Temos de pensar qual é a ideia que está associada ao mandato, porque aí você aproxima a ideia do magistrado à de agente político, esvaziando do ministro do Supremo as características do magistrado burocrático, funcionário público”, comenta Fontainha. 

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Para Werneck, aumentar a frequência da renovação é uma maneira de garantir que haverá mais oportunidades de discutir e reorientar a jurisprudência da Corte por meio de indicações, o que é muito importante numa democracia. 

“No fundo, essas regras sobre quem pode ser indicado, quanto tempo podem ficar, quantas pessoas existem na Corte e com que frequência são renovadas são regras para modular a transformação do Direito Constitucional e também com que regularidade as mudanças na sociedade, expressas nas eleições, vão mudar também a maneira como a Corte vê determinados temas”, explica o pesquisador. 

Apesar de haver propostas radicais, como concurso público para o Supremo, o que nenhum país adota, segundo Werneck, sempre há atores políticos eleitos participando do processo. 

“A ideia é que, em uma democracia, mesmo a tarefa de interpretar a Constituição deve ter algum fundamento político, passar de alguma forma pelo poder que emana do povo, através do voto”, diz. 

Poder individual

Outro problema da Corte superior brasileira, conforme Werneck, é o grande poder individual dos ministros, que conseguem parar processos em andamento, conceder liminares e suspender a aplicação de leis. 

‘A independência que queremos do Judiciário não é um valor em si, é para que os juízes apliquem a lei sem medo. O grande engano é achar que para garantir o máximo de aplicação correta da lei eu tenho que dar o máximo de independência. É exatamente o que a gente não vê no Supremo. Os ministros são intocáveis e há poucos mecanismos de controle dos magistrados no cargo’, pontua. 

Uma saída seria aumentar os poderes do plenário do Supremo para fiscalizar o comportamento de seus próprios membros. 

“O ministro precisa ser livre para decidir do jeito que ele acha que é correto, não para se comportar do jeito que ele acha que é correto, falar com quem quiser ou falar na imprensa sobre um caso pendente. Um dos problemas do Brasil é que a gente não quer separar as duas coisas”, explica Werneck, que lembra que nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem competência legal – segundo o próprio STF – para processar disciplinarmente os seus integrantes. 

Na Suprema Corte americana, 90% dos ministros são militantes do partido político do presidente que os nomeia. Isso é normal, de acordo com Fontainha. Na Alemanha, são as bancadas políticas que indicam os ministros, profundamente comprometidos com seus partidos. 

“As Cortes são assumidamente instituições políticas. No Brasil existe uma dificuldade de lidar politicamente com o Direito. Todo mundo fica eufemizando seus compromissos políticos a título de responsabilidade profissional”, diz o pesquisador. No fim das contas, o STF acaba não sendo nem um órgão técnico, como se reivindica, nem político.

Como funciona a corte suprema em alguns países

Brasil: O Supremo Tribunal Federal (STF) é formado por 11 ministros escolhidos entre os cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, “de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Não precisam ser magistrados de carreira. 

A indicação é feita pelo presidente da República e aprovada pela maioria absoluta do Senado. Os ministros são compulsoriamente aposentados aos 75 anos. O Supremo julga processos de instâncias inferiores, de jurisdição única (que iniciam o trâmite no próprio STF) e também é um tribunal de revisão constitucional. Cabe-lhe ainda julgar autoridades com foro privilegiado: governadores, deputados, senadores e o presidente da República. 

Estados Unidos: A Suprema Corte dos Estados Unidos é composta por nove integrantes (justices), que, da mesma forma como no Brasil, são indicados pelos presidentes da República e confirmados pela maioria do Senado. A função é vitalícia, sem limite de tempo ou de idade, embora a partir dos 70 anos seja permitido ao justice se aposentar, mas isso dificilmente ocorre.

A Corte tem como tarefa principal observar a constitucionalidade das leis. Ao contrário do Brasil, a cultura do precedente jurídico é predominante naquele tribunal. Casos análogos normalmente são julgados da mesma forma, de acordo com a jurisprudência firmada. Mas é uma regra que pode ser quebrada. 

Alemanha: O Tribunal Constitucional Federal alemão é formado por 16 membros, cada qual eleito para um mandato de 12 anos. Eles devem ter entre 40 e 68 anos. Metade das vagas da Corte é indicada pela Câmara e a outra metade pelo Senado. 

O tribunal julga casos de litígio entre a federação alemã e os estados, pedidos de dissolução de partidos e questões de constitucionalidade e de direitos fundamentais dos cidadãos. A sede fica na cidade de Karlsruhe. A distância física é para reafirmar a independência do Judiciário alemão do Poder Executivo, que fica em Berlim. 

Índia: A Suprema Corte indiana é constituída pelo presidente da Corte mais 30 outros integrantes, indicados pelo presidente da República com a chancela do próprio tribunal. Eles são aposentados compulsoriamente aos 65 anos. 

Além de ser cidadão indiano, a pessoa indicada o tribunal precisa ter experiência na carreira jurídica, como juiz ou advogado ou ser, na opinião do presidente da República, um “jurista renomado”. Na Índia, a própria Corte tem papel decisivo na escolha de seus novos representantes, pois a indicação do novo membro é feita em consulta com o próprio tribunal. 

França: Uma característica do Conselho Constitucional da França é que todos os ex-presidentes da República têm assento no tribunal – de forma vitalícia. As outras vagas são loteadas entre indicações dos presidentes da Assembleia, do Senado e da República. Ao todo, são nove integrantes no Conselho, que permanecem ali em mandatos de nove anos. Normalmente um terço das cadeiras é renovado de três em três anos. Fundamentalmente, o tribunal é uma casa de revisão legislativa, mas recentemente se tornou também um conselho de implicações jurisdicionais. 

Reino Unido: A Suprema Corte do Reino Unido, que engloba Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, é a corte final de apelação para casos de Direito Civil e Criminal nesses países – no caso da Escócia, apenas de Direito civil. Também analisa questões de direito constitucional que interessam a toda a população desses países.

Em 2009, a Suprema Corte substituiu a Comissão de Apelação da Casa dos Lordes como a mais alta corte do Reino Unido. São 12 os Justices que compõem o tribunal atualmente. A Casa adota um mecanismo de chamada pública de candidatos, mas a escolha passa pelo presidente da Corte e pelo primeiro-ministro. A idade para a aposentadoria compulsória é 70 anos.

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