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| Foto: Lionel Bonaventure /AFP

É praticamente pacífica a jurisprudência pátria no sentido de que redes sociais como o Facebook não respondem civilmente pelo conteúdo postado por seus usuários, sob argumento de que a rede seria uma mera plataforma, um mero servidor, que não realiza controle sobre o conteúdo postado. Nesse sentido, há reiterados julgados como o seguinte:

Obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais. Divulgação de matéria ofensiva ao autor via ‘Facebook’. ‘Facebook’ que funciona como mero provedor. Responsável pela divulgação é o corréu que, indiretamente, dá a publicidade correspondente. ‘Facebook’ não está apto a analisar previamente o conteúdo, sob pena, inclusive, de censura, contudo, deve excluir a divulgação, o que fora determinado. Abstenção só pode atingir o corréu em relação aos atos praticados. ‘Facebook’ se limita ao regular exercício de direito. Corréu afrontou a dignidade da pessoa humana do autor, expondo-o à situação vexatória. Danos morais caracterizados. Verba reparatória compatível com as peculiaridades da demanda. Apelo do ‘Facebook’ provido em parte. Recurso do autor desprovido. 

(TJSP; Apelação 1086320-42.2014.8.26.0100; Relator (a): Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 18ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2017; Data de Registro: 20/02/2017)

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Nesse processo, o Facebook fora condenado em primeiro grau solidariamente ao pagamento de danos morais por conta de uma publicação ofensiva de um usuário. A empresa, então, apelou ao Tribunal alegando que: 

“não existe dever legal de monitorar o conteúdo veiculado no site, já que teria caráter de censura prévia e violação a preceitos constitucionais. Declara que não é dever dos provedores a fiscalização da plataforma virtual, haja vista que o Facebook é apenas um agente que viabiliza aos seus usuários a veiculação de páginas pessoais na internet, não tendo responsabilidade pelos conteúdos postados, além do que, não teria condições de controlar todas as postagens”.

Com base nesse argumento, a empresa tem se livrado com sucesso de diversas condenações.

Entretanto, houve uma guinada na política do Facebook, que gera consequências claras e inequívocas para sua responsabilização. No Facebook, é possível encontrar os “padrões da Comunidade” que integram o contrato celebrado entre a rede e o usuário. Irei destacar apenas o ponto que mais chama atenção. Diz o Facebook, expressamente: 

“Voz: Nossa missão busca abraçar a diversidade de visões. Preferimos errar por permitir determinado conteúdo, mesmo que algumas pessoas o considerem questionável, a menos que sua remoção possa prevenir um dano específico. Além disso, por vezes, autorizaremos conteúdo que possa violar de alguma forma nossos padrões, se considerarmos que ele é digno de notícia, significativo ou importante para o interesse público. Só fazemos isso após considerar o valor para o interesse público do conteúdo frente ao risco de dano no mundo real.”

Ora, a empresa declara em contrato celebrado com o usuário, claramente, que faz SIM controle de conteúdo de maneira prévia, praticando clara censura. A censura em si não é algo ruim, fotos/vídeos de violência, sexo, etc., devem ser censurados. O problema é que a censura que consta nos padrões da comunidade não é apenas desse tipo. É verdadeira censura ampla e irrestrita. 

Prova disso é o verdadeiro expurgo cometido pela rede no último mês, onde centenas de perfis conservadores e de direita de modo geral foram sumariamente excluídos da rede. Mais recentemente, um dos principais portais de mídia alternativa dos EUA, com ampla audiência e assinaturas, o Infowars, foi também sumariamente excluído da Facebook e Youtube. 

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Ou seja, houve uma clara inovação na política interna do Facebook, ele não é mais uma mera plataforma, um servidor. O Facebook passou a exercer um claro controle de conteúdo. Fora as implicações de ordem pública, vez que tal política viola frontalmente as normas do Marco Civil da Internet, tal mudança gera uma alteração clara na responsabilidade civil do Facebook.

No julgado acima transcrito, o nobre Desembargador Relator Natan Zelinski de Arruda alega que responsabilizar o Facebook seria o mesmo que responsabilizar o produtor de papel de jornal pelo conteúdo publicado no jornal impresso. 

No entanto, cada vez mais, o Facebook assume o papel de editor chefe de um grande jornal alimentado por milhões de jornalistas e, por conta disso, deve ser responsabilizado civilmente pelos danos causados por postagens feitas em sua rede, tal como o dono de um jornal responde solidariamente pelo conteúdo de suas publicações. 

* Caio Martins Cabeleira é doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo e advogado no escritório Martins Cabeleira & Lacerda Advogados.

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