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Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Estudo mostra realidade de cargos ocupados por juízas brasileiras| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que juízas brasileiras representam 38,8% do total de magistrados em atuação, são minoria em todos os tribunais, da justiça especializada a comum, do primeiro grau ao tribunal superior. No entanto, elas defendem que os números não refletem a realidade da sociedade brasileira.

Para a juíza federal Tani Maria Wurster, a baixa participação feminina no poder judiciário gera impactos em termos de legitimidade e representatividade. Tani diz que, tecnicamente, não há nenhuma diferença entre a decisão proferida por juíza ou juiz.

“O que se discute quando se debate a baixa representatividade feminina no Poder Judiciário é o sentido de que a democracia pressupõe que as decisões tomadas pelos poderes constituídos, entre eles, o Judiciário, sejam representativas dos mais variados espectros da sociedade.”

A juíza do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Fabiane Pieruccini defende que os critérios de acesso das mulheres foram superados, e o patamar da discussão avançou.

“O acesso, em si, nós disputamos em paridade. O que precisa ser fomentado é dos degraus pós-acesso, como cargos de cúpula, de tomada de decisões. O judiciário ainda tem viés muito masculino em desproporção com a sociedade. A grande batalha é que reflita o que a sociedade vive.”

Para a juíza do TJPR Fernanda Orsomarzo, decisões proferidas por mulheres não são melhores ou piores do que as produzidas por homens. “Não há como negar que somos fruto das experiências que carregamos ao longo da nossa existência e que elas influenciam o trabalho do juiz, que muitas vezes vai além da simples aplicação da letra fria da lei”, defende.

Número de mulheres na magistratura

Segundo o levantamento do CNJ Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário, em uma década, o número de magistradas no país cresceu 1,2%.

Tani alerta que os números do estudo revelam que o equilíbrio entre homens e mulheres no judiciário traduz a mensagem de que institucionalmente há equivalência de status entre homens e mulheres.

“Apesar das distinções, há gargalos institucionais em todos os ramos da Justiça, os quais são mais restritivos à participação feminina, conforme mais alto o nível na carreira”, conta a magistrada.

Nos tribunais superiores o número de mulheres é ainda menor. Em 10 anos, a redução foi de 23,6% para 19,6%, de acordo com o estudo. A nomeação no Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) costuma seguir critérios menos objetivos – atualmente, a Corte possui duas ministras entre os 11: Cármen Lúcia e Rosa Weber.

“Esses dados desmistificam a ideia de que a baixa representatividade feminina decorreria da tardia entrada das mulheres no mercado de trabalho. E que, por isso, o tempo, por si só, poderia corrigir as distorções na participação feminina no judiciário”, comenta Tani sobre o estudo do CNJ.

Para Fabiane, o número de mulheres nos tribunais superiores tem adotado uma política de cotas como ‘elegância’.  “Ainda existem questões importantes. Em razão do crescente acesso existem consolidação do papel feminino, não numérica, mas qualitativa, ocupando postos de direção”, comenta.

A ouvidora-geral no Tribunal de Justiça do Paraná, desembargadora Ana Lucia Lourenço, revela que poucas magistradas conseguem ocupar cargos em tribunais superiores ou nos cargos diretivos.

“A atual estrutura não favorece a promoção feminina e, por isso, é importante que a questão seja discutida pela sociedade. A promoção aos Tribunais leva em conta não somente os critérios de antiguidade e merecimento, mas também outros fatores corporativos difíceis de serem diretamente regulados”, ressalta.

Ainda de acordo com o levantamento, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) elas são metade dos magistrados; 18%, no Tribunal Superior do Trabalho (TST); e 19% no Superior Tribunal Militar (STM).

Por ramo, a Justiça do Trabalho é a que mais tem magistradas, com 50,5% do total, seguida pela Justiça Estadual, que soma 37,4%. Na Justiça Federal, houve redução no percentual de participação de magistradas nos últimos 30 anos - de 34,6% em 1988 para 31,2% em 2018.

Fabiane justifica a maior presença de magistradas nas justiças do trabalho e estadual. “Estão afetas as questões sociais, mais voltadas para a sociedade e distribuição dos recursos, de família, empregabilidade, que são mais caras ao universo privado e que a mulher acaba se voltando pra esse lado”, explica.

Na Justiça Eleitoral, o percentual de magistradas ao final de 2018 ficou abaixo da média dos últimos 10 anos, passando de 33,6% para 31,3%. A menor participação feminina na magistratura se dá na Justiça Militar estadual, com 3,7%.

Meritocracia no judiciário

O estudo aponta que as magistradas ocuparam, em média, de 21% a 30% dos cargos de Presidente, Vice-Presidente, Corregedor ou Ouvidor, nos últimos 10 anos nos tribunais do Brasil.

Para a desembargadora Ana Lúcia, a quantidade de magistradas nos órgãos de Cúpula não corresponde ao espaço conquistado em outros níveis da carreira jurídica.

“A carreira da magistratura exige mudanças. A tarefa da mulher conciliar a vida profissional com outros papéis - há muito tempo associados ao universo feminino na sociedade - são obstáculos para ascensão aos cargos de Cúpula”, conta.

Para a juíza do TRT-9 Suely Filippetto, os dados revelam uma desigualdade que deve ser superada. "A menor representação feminina deixa de impulsionar a participação de outras mulheres, assim como a dedicação a afazeres domésticos, cuidados dos filhos e de outros familiares impactam negativamente o exercício da magistratura e, mais ainda, cargos de direção", explica.

"A diversidade é essencial à evolução da sociedade e a igualdade de gênero no exercício de cargos, inclusive em cargos de direção, é essencial para uma vida de relações mais solidárias", emenda.

Fernanda segue a mesma linha e explica sobre as barreiras superados diariamente.

“O desafio diário gira em torno do questionamento da sua autoridade simplesmente porque você é mulher. Muitas vezes a mensagem é subliminar, não há um tratamento diferenciado de forma aberta, mas perceptível a partir de símbolos e comportamentos naturalizados, como as interrupções citadas pela ministra Carmen Lucia”, diz.

A juíza se refere ao caso ocorrido no ano passado quando a ministra Rosa Weber foi interrompida pelos colegas do STF por diversas vezes. Na ocasião, Cármen Lúcia saiu em defesa da colega após também ser interrompida, e citou o estudo “Justiça, Interrompida: O Efeito de Gênero, Ideologia e Antiguidade na Suprema Corte Argumentos orais”.

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