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Imagem ilustrativa. | Reprodução/Pixabay
Imagem ilustrativa.| Foto: Reprodução/Pixabay

A empresa Souza Cruz S/A foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) a indenizar, por danos morais, a viúva de um fumante em mais de meio milhão de reais. O homem, tabagista contumaz, morreu em 2010, em decorrência de uma doença pulmonar.

À Justiça, a autora da ação afirmou que o marido foi consumidor de cigarros produzidos pela empresa por mais de 30 anos. Em 2005, já com a saúde bastante debilitada, ele chegou a ajuizar ação cautelar de produção antecipada de provas, com a realização de perícia com médico pneumologista que demonstrou o nexo entre a doença e o fumo. 

Após a morte do companheiro, a esposa ingressou com nova ação, em 2012. Em primeira instância, a 4ª Vara Cível de Caxias do Sul indeferiu os pedidos. A mulher, contudo, conseguiu reverter a decisão na 9ª Câmara Cível do TJ-RS. 

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A autora da ação relatou que os danos causados pelo fumo foram “progredindo silenciosamente com o passar do tempo”. Ao ser detectada a causa dos problemas de saúde, o quadro já era irreversível. Em seus últimos anos, o homem necessitava de cilindros de oxigênio e de auxílio para se locomover, o que, no entendimento da mulher, causava constrangimento a ele e à família. 

O marido, segundo ela, possuía pouca instrução, e quando começou a fumar ainda não compreendia todos os riscos trazidos pelo cigarro. Ele fumava cerca de 20 cigarros por dia, dos 20 aos 54 anos. Ainda, afirmou que a Lei 9.294/1996, que restringiu o uso e a propaganda de produtos fumígeros, chegou “tarde demais”. Para a mulher, a Souza Cruz S/A praticou ato ilícito, “seja consubstanciado na composição nociva da fórmula do produto, seja pelo defeito de informações quanto à nocividade e dependência”. 

Defesa da empresa 

Além de alegar prescrição, a Souza Cruz S/A baseou sua defesa na inexistência de defeito no produto e de publicidade enganosa ou abusiva, na periculosidade inerente do cigarro e na ausência de defeito de informação – já que é amplo e antigo o conhecimento de que o ato de fumar está associado a riscos. 

A empresa tabagista também falou do livre arbítrio do fumante. Nesse caso específico, a culpa foi exclusiva do consumidor, o que retiraria a responsabilidade da Souza Cruz, vez que não haveria nexo causal entre a doença do marido da autora e o consumo de cigarros da marca. Citou, ainda, os princípios da legalidade, irretroatividade e segurança jurídica, além da inexistência de violação ao princípio da boa-fé objetiva. 

Decisão da Justiça 

Relator do acórdão no TJ-RS, o desembargador Eugênio Facchini Neto acatou a pretensão da viúva. Na decisão, ele citou a certidão de óbito da vítima, que trouxe como causa da morte: “Insuficiência ventilatória. Doença pulmonar obstrutiva crônica. Tabagismo”. 

Facchini Neto também lembrou que na primeira ação movida pela família, em 2005, a perícia já comprovava que o homem sofria de doença bronco-pulmonar obstrutiva crônica grave. De acordo com o juiz, citando literatura médica, até 80% dos casos são decorrentes do tabagismo. 

Sobre o livre arbítrio alegado pela Souza Cruz, o desembargador entendeu que o argumento não se sustenta, já que muitos fumantes iniciam o hábito ainda muito jovens, quando o suposto livre arbítrio da pessoa ainda está em formação. 

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“Assim, considerar livre-arbítrio a opção de fumar ou não para um jovem entre 12 e 18 anos, exposto à intensa publicidade do cigarro, vale tanto quanto considerar livre o consumidor que firma um contrato eivado de cláusulas abusivas porque, afinal de contas, havia a opção de não contratar”, escreveu o juiz na sentença. 

A indenização, contudo, foi arbitrada em valor menor que os 3,2 mil salários mínimos. Primeiro porque, segundo o desembargador, houve culpa concorrente do esposo da autora da ação, já que, para ele, “fumar não era um destino inevitável. Houve uma parcela, embora pequena, de adesão a esse letal estilo de vida”. 

Facchini Neto também considerou que não há prova absolutamente categórica e indiscutível sobre a origem da doença que levou o marido da autora a óbito. Considerou, ainda, a impossibilidade de verificar se o homem fumou apenas cigarros fabricados pela Souza Cruz durante a vida. Para o juiz, a empresa foi a maior, mas não a única fabricante de cigarros a que a vítima teve acesso. O valor arbitrado da indenização ficou em R$ 637,5 mil. 

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Em nota enviada à reportagem da Gazeta do Povo, a Souza Cruz S/A, que afirmou que vai recorrer da decisão, diz o seguinte: 

"A decisão vai contra a jurisprudência estabelecida nos mais de 600 casos similares já encerrados nos últimos anos, com sentenças que confirmam que não é possível afirmar que o motivo do desenvolvimento da doença foi o consumo de cigarro, não configurando, assim, nexo causal e, portanto, a consequente responsabilização da empresa. As decisões já proferidas sobre o tema nos últimos anos ressaltam ainda que há amplo conhecimento dos riscos associados ao consumo de cigarro, produto lícito e que segue rígida regulamentação em sua produção e comercialização. O próprio STJ já adiantou que seu próprio posicionamento para esses casos é que não há responsabilidade da empresa".

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