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Mesmo quando eu atirar no meu agressor, a minha intenção deveria ser apenas afastá-lo para impedir a sua agressão | Pixabay
Mesmo quando eu atirar no meu agressor, a minha intenção deveria ser apenas afastá-lo para impedir a sua agressão| Foto: Pixabay

Não tenho nenhum interesse ou simpatia natural por armas; isso provavelmente deve ser admitido desde já. Não me interesso por ter uma arma e nunca fui atingido por uma. A ideia de que armas seriam recreativamente atraentes é desconcertante para mim. Por outro lado, tenho amigos que possuem armas; eles geralmente usam para caça ou para abate em fazendas, ambos, acredito, propósitos legítimos. Participei do abate de porcos e vacas em que as armas foram usadas para atordoar inicialmente os animais e comi carne de veado e javali que haviam sido caçados por amigos. 

Então, compreendo a preocupação de caçadores e outras pessoas de que a sua posse de armas não seja prejudicada. 

Mas, assim como muito americanos, estou preocupado com a posse privada de rifles de assalto, e fico enojado e entristecido quando eles são usados por pessoas perturbadas, geralmente homens jovens, para causar mortes em massa. Pedidos pela proibição da venda de tais armas, ou para restringir muito mais os requerimentos de compra, fazem muito sentido para mim, principalmente depois da última atrocidade, o massacre em Parkland, na Flórida. 

Ainda assim, esses sentimentos são inadequados. Raiva, horror, choque e desespero pela humanidade não conseguem convencer os defensores dos direitos de portar armas de que uma AR-15, por exemplo, não deveria estar nas mãos de cidadãos cumpridores da lei. Essa tarefa exige argumentos, e esse é objetivo deste ensaio. 

Especificamente, meu objetivo é responder aos argumentos recentes feitos por David French, do National Review. French é um dos meus escritores favoritos no portal e, em muitas questões, considero-o uma revigorante voz da razão. Na verdade, ele também é uma revigorante voz da razão na questão dos direitos ao porte de armas, justamente porque ele oferece argumentos, que são o instrumento da razão. A posição dele não tem nada a ver com a abordagem desrespeitosa de envenenar os argumentos contra os defensores do desarmamento, ao sugerir, por exemplo, que os sobreviventes do massacre de Parkland sejam apenas “atores”. 

Mesmo assim, não estou convencido pelos seus dois argumentos principais, e tentarei mostrar por que outras pessoas também não deveriam estar. 

Rifles de assalto são necessários para impedir a tirania? 

Os dois argumentos de French são, podemos dizer, os argumentos tradicionais pelo direito ao porte de armas, com base em um direito natural de autodefesa e em um direito natural de resistir a um governo tirano. Se ambos forem considerados direitos naturais e inalienáveis, então o direito de portar armas decorre dele. 

Mas French acredita que o direito que decorre deles não é simplesmente o direito de portar quaisquer armas; esse direito ainda estaria protegido por leis que proíbem ou restringem armamento semiautomático. Em vez disso, tanto para autodefesa quanto para resistência à tirania, armas de fogo semiautomáticas devem ser permitidas, se esses direitos devem ser assegurados. Em relação à autodefesa, French escreve: 

“Limite o tamanho do cartucho para, digamos, dez tiros e você coloca o proprietário de casa cumpridor da lei em desvantagem. Proíba-os de obter uma carabina compacta, fácil de usar e altamente precisa, e você terá garantido que os proprietários estarão se defendendo com armas menos precisas. As melhores armas ‘de uso comum’ estariam reservadas aos criminosos.” 

E sobre a tirania:

“Além disso, a proibição de rifles de assalto (juntamente com a proibição de cartuchos de alta capacidade) destruiria o conceito de um cidadão armado como um baluarte final e emergencial contra a tirania.” 

Acompanharei French em restringir o argumento a rifles de assalto, compreendidos do seguinte modo: “um rifle semiautomático com características cosméticas similares a armas militares. Eles são geralmente acompanhados de cartuchos de alta capacidade”. Compreendido isso, French conclui que “para defender corretamente a vida e a liberdade, o acesso a rifles de assalto e cartuchos de alta capacidade não é um luxo; é uma necessidade”. 

Isso me parece altamente improvável. Primeiramente, vamos considerar a alegação de que rifles de assalto são necessários para a defesa da liberdade contra a tirania. French reconhece que muitas pessoas não acreditam que cidadãos armados devam “tentar deter a tirania” e, no contexto dos Estados Unidos, eu sou um desses cidadãos. 

Consideremos um argumento (defendido por mim e outros ao longo dos últimos vinte anos) contra o uso de força armada contra abortistas: apesar da morte intencional de centenas de milhares de bebês nascituros todo ano constituir – se é que algo constitui – uma causa justa para o uso da força, ainda assim, praticar um levante armado contra as leis que permitem o aborto e protegem abortistas é se colocar no caminho da desobediência civil. 

Mas tal rebelião poderia ser justificada apenas se houvesse esperança plausível de sucesso, e não há esperança de sucesso na luta contra o aborto por meio do uso da força contra o governo. Qualquer grupo de pessoas grande e forte o suficiente para prevalecer em tal conflito teria poder suficiente para mudar as leis por meios pacíficos. Qualquer grupo mais fraco seria derrotado. A perda de vidas (em ambos os lados) seria catastrófica e inútil, e, portanto, qualquer esforço de resistir ao aborto com força letal é imoral. 

Esse argumento pode ser expandido. Considerando o tamanho e o poder das nossas forças armadas, nenhuma resistência armada que não tivesse apoio militar conseguiria ser bem sucedida. Resistência nessas circunstâncias seria inútil e a consequente perda de vidas seria injustificada. Mas a assistência civil em uma resistência militar justificada contra um governo tirano aqui nos Estados Unidos – uma contingência quase inimaginável – teria poucas chances de ser essencial para a vitória. 

Então, a ideia de que o direito de portar armas é, aqui e agora, essencial para a defesa dos cidadãos contra a tirania me parece fantasioso. É um mito agradável, mas apenas isso, e não deveria ter um papel no argumento a favor de rifles de assalto. 

Rifles de assalto não necessários para autodefesa? 

E o argumento de French sobre o uso de rifles de assalto para defesa? Acredito que é um argumento sólido, mas gostaria de chamar atenção para três pontos em que ele vacila.

Primeiro, French certamente exagera quando sugere que o acesso a rifles de assalto é uma “necessidade”. O percentual de armas com posse legal que são armas de assalto é relativamente pequeno, e, portanto, o percentual de cidadãos que detém essas armas é ainda menor. Nenhum cidadão que detém tais armas sabe se ele ou ela precisará usá-las algum dia. E nenhum deles sabe se, na ocasião de precisar usá-las, nenhuma outra arma de fogo será tão eficiente. 

Há histórias, facilmente acessíveis na internet, de proprietários que usaram rifles de assalto para defender suas casas. Em um evento recente, três adolescentes, um deles com uma faca, foram mortos por um homem de vinte e três anos em Oklahoma. O rifle de assalto foi uma necessidade nesse caso? Ou foi um exagero? 

Segundo, French destaca que a polícia “tipicamente” não carrega revólveres, mas sim rifles de assalto. Ele então pergunta: “se uma pessoa não ‘precisa’ de um cartucho de alta capacidade para se defender, então por que a polícia os usa?”. Mas a polícia não está no campo da defesa pessoal. O seu objetivo é a defesa da cidadania como um todo, apreensão de criminosos e prevenção, quando possível, de atividades criminais. Todos esses propósitos estão além da defesa pessoal. É natural que haja diferenças nas armas usadas para propósitos de defesa pessoal de cidadãos privados e pelas usadas por policiais com o propósito de aplicação da lei.

Além disso, há questões razoáveis sobre se mesmo a polícia deveria estar “aumentando” as armas escolhidas. O modelo de força policial dos Estados Unidos não é o único que existe; a maior parte da polícia britânica não usa armas. Está além do escopo deste ensaio discutir essa questão, mas não deveria ser pressuposto que uma corrida armada policial é a única abordagem ou a mais racional. 

Terceiro, deveríamos investigar mais o direito de autodefesa. French sem dúvidas acredita, assim como muitos outros, que esse direito engloba um direito de tentar matar um agressor. Mas como São Tomás de Aquino argumentou, a morte intencional na autodefesa é errado. 

Uma pessoa tem o direito de autodefesa e de usar a força para autodefesa. Essa força pode ser letal, mas para uma pessoa com intenções justas, a letalidade está fora da intenção, é um efeito colateral. Mesmo quando eu atirar no meu agressor, a minha intenção deveria ser apenas afastá-lo para impedir a sua agressão. É por isso que, incapacitando o agressor, seria errado liquidá-lo com outro tiro. 

De fato, a mera escolha do armamento não determina a intenção: uma pessoa pode ter intenção de matar ao empunhar uma faca e ter intenção apenas de defesa ao lançar um míssil antiaéreo em um avião pilotado por terroristas. 

Mas as intenções de uma pessoa deveriam moldar os instrumentos que ela adota e ser moldadas por eles. Se uma pessoa tem a intenção de matar qualquer um que invada a sua casa, ela provavelmente optará por algo com que espere fazer isso com mais eficácia. E se uma pessoa tem à mão uma arma que pode eliminar fácil e letalmente algo percebido como uma ameaça – como a oferecida por adolescentes com uma faca e socos ingleses –, então ela poderia ser tentada a responder, não com força apropriada, mas intencionalmente com força letal. 

Os conservadores costumam dizer que a lei ensina. Isso é verdade. Uma lei que torna armas como a AR-15 disponíveis parece ensinar que cidadãos privados têm o direito de usar o mesmo tipo e quantidade de força, e com a mesma intenção, que a polícia. Isso, acredito, é um erro. 

Existimos em uma época de profunda polarização e desacordo. Em algumas questões, isso parece inevitável: se o aborto é o fim injusto e intencional de uma vida humana inocente, então não pode haver acordo com quem considera o direito ao aborto “fundamental”. 

Mas o debate sobre desarmamento, apesar de levado no mesmo nível altamente tóxico de fúria e revolta que outras questões nevrálgicas, parece ser diferente. O Canadá não me parece uma sociedade fundamentalmente injusta em se tratando de armas, mas as armas certamente são mais reguladas lá do que aqui. Rifles de assalto parecem ser um ponto de transigência apropriado para os defensores do direito ao porte de armas. Este é, pelo menos, um ponto apropriado para continuar o diálogo que o ensaio de French iniciou. 

Christopher O. Tollefsen é professor de Filosofia na College of Arts and Sciences da Universidade da Carolina do Sul.

©2018 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês 

Tradução: Andressa Muniz
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