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O Movimento Brasil Livre (MBL) divulgou nas redes sociais um vídeo em que classifica como “censura” algumas questões enviadas por uma jornalista da Agência Pública. A repórter, que cuidava de uma checagem de fatos do Truco, projeto de fact-checking da Pública, perguntou qual era a fonte de alguns dados citados pelo MBL sobre reincidência criminal e regime semiaberto no Brasil no vídeo em que o Movimento declarou apoio ao PL 3.174/2015 – que propõe o fim do semiaberto no país. Embora juristas não vejam censura no episódio, o Movimento acabou lançando um debate sobre a existência ou não de novas formas de censura no ambiente virtual. 

No vídeo, o MBL diz que a Pública é uma “Agência de Censura” e que os jornalistas da agência são “uma cambada de militantes de extrema esquerda”, financiados pelo “globalista George Soros”. O vídeo recomenda ainda que os jornalistas “se virem” para verificar a veracidade dos fatos. Procurado pelo Justiça & Direito, o MBL afirmou que “não quer validar uma agência que é financiada pela esquerda e feita por jornalistas de esquerda para dizer o que é verdade ou mentira na internet”. 

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O Movimento disse ainda que “após a eleição do [Donald] Trump, as redes sociais e o Google começaram a contratar as empresas de fact-checking para eventualmente censurar ou diminuir o alcance das notícias e elas não chegarem nas pessoas (...) Isso faz parte de uma agenda internacional para fazer o controle do fluxo de informações na internet”. 

Consultada pela reportagem, a Agência Pública disse que “o objetivo do fact-checking é checar fatos e dados de relevância pública para combater as fake news [notícias falsas] e a circulação de informações erradas, incompletas, exageradas buscando qualificar o debate democrático”; que segue a metodologia internacional de checagem do Poynter Institute; e que “responsabilizar-se pelas informações divulgadas é dever de todos que realizam discursos publicamente”. A agência informou ainda que a maioria dos checados revela as fontes das informações de bom grado e que o episódio não é censura, porque “a mentira é apenas revelada”. 

Censura

Para Egon Bockmann Moreira, professor de Direito Público da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o fato de a repórter da Agência Pública estar checando o que o MBL diz não é censura. “Submeter a fatos ao contraditório antes de impugná-los nem se aproxima de censura. Censura é ter acesso previamente à informação e inibir a chegada dessa informação ao público”, afirma. 

“A pergunta da repórter em si não é manipuladora. O resultado da pergunta é que pode vir a ser manipulador, mas não se pode supor isso de antemão”, diz Moreira. “O MBL está assumindo os vícios que imputa a quem faz a pergunta e manipulando conceitos, usando a palavra ‘censura’ como chavão. Esse pessoal da extrema-direita é muito parecido com a extrema-esquerda nos seus métodos”, completa. 

Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional da USP, também não vê censura no episódio. “O conceito jurídico de censura não tem absolutamente nada a ver com isso. A censura proibida pela Constituição é o controle estatal sobre os meios de expressão e conteúdo de expressão. É violação da liberdade de expressão pelo Estado. É o controle autoritário, sem justificativa juridicamente plausível, sobre quem fala, onde fala e o que fala”, explica.

“O qualificativo ‘autoritário’ é importante: nem toda restrição à liberdade de expressão pode ser entendida como censura, se não os [tipos penais] crimes contra a honra ou o crime de racismo, por exemplo, seriam inconstitucionais”, completa.

Censura nas redes

Francisco Brito Cruz, Diretor do InternetLab, explica que o Google e o Facebook estão engatinhando em projetos para cuidar da qualidade das informações que circulam pelas redes e pelas plataformas, mas que, até agora, nada parecido com censura foi anunciado pelos gigantes da internet. “Pelas informações que temos, não se trata de fazer uma notícia circular menos. São projetos que basicamente mostram que alguma agência checou e qual o resultado da checagem: não parece haver nenhuma iniciativa para retirar o conteúdo de circulação”, diz. 

“O Facebook parece estar mais preocupado com sites produtores de notícias falsas. Uma coisa é um fabricante de notícia falsas, que se aproveita da polarização nas redes para ganhar dinheiro com publicidade, outra coisa são políticos ou movimentos políticos exagerando no discurso. Isso faz parte da democracia e não parece estar em causa pelo Facebook”, diz Cruz. “A página do MBL é mais comparável à do João Dória ou à do Lula do que à de um grande jornal”, completa. 

Segundo a Agência Pública, o projeto do Google do qual participa funciona da seguinte maneira: qualquer integrante credenciado da Rede Internacional de Checadores de Fatos (IFCN, em inglês) pode solicitar ao Google um código para que as checagens apareçam em destaque nas buscas. O Facebook ainda não tem um projeto similar em funcionamento no Brasil. 

Nesta terça-feira (27), o Google anunciou uma mudança na interface do Google News. A interface da plataforma ficou mais limpa e o fact-checking ganhou um box de destaque. De acordo com as informações que o diretor de produtos Anand Paka deu à reportagem do Poynter Institute, o bloco de fact-checking que aparece do lado direito da linha do tempo do Google News é parte de um esforço para publicizar o que as organizações de fact-checking estão checando. 

Cruz ressalta que o MBL parece estar confundindo duas coisas diferentes: a mudança no algoritmo das plataformas, que teria o poder de ocultar ou restringir conteúdos, e a viabilidade de mecanismos de fact-checking, que apenas informam ao leitor que determinado conteúdo foi checado por tal ou qual veículo. “Essas coisas não parecem estar ligadas entre si. Não é isso que as empresas estão dizendo em seus comunicados”, diz.

“Censura, nesses casos, poderia haver se uma ordem judicial mandasse apagar um conteúdo, por exemplo, com base no direito ao esquecimento, o que se discute atualmente no Brasil”, avalia o professor Moreira. “Mas qualificar a informação como verdadeira ou falsa não é censurar. Se uma informação efetivamente é falsa, eu não posso reclamar”, diz.

A discussão sobre os limites da manipulação dos algoritmos pelas gigantes do mundo da internet é nova entre os especialistas. “Talvez a gente possa cogitar um novo conceito de censura, ou pensar em algum ilícito de manipulação de dados”, pondera Moreira. “Por exemplo: durante a ditadura militar, se o governo não vetasse o conteúdo de um jornal, mas restringisse sua circulação a determinadas áreas, estaríamos diante de censura? É uma zona cinzenta”, completa.

Resultado da checagem

Agência Pública divulgou na tarde de quarta-feira a checagem de quatro afirmações feitas no vídeo do MBL que declara apoio ao PL 3.174/2015. A partir dos dados do sistema Geopresídios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Truco classificou a afirmação “Mais de 100 mil criminosos estão no regime semiaberto” como verdadeira. Já a afirmação “Hoje, o criminoso cumpre só um sexto da sua pena e já está praticamente livre para voltar a cometer crimes” foi considerada exagerada, porque desconsiderou especificidades da lei.

A frase “70% dos criminosos que são presos pela polícia são reincidentes, ou seja, na verdade, nunca deveriam ter saído da cadeia” também ganhou o selo de exagero. A cifra de 70% de presos reincidentes é citada, em muitas ocasiões, sem referência a fontes ou metodologias claras e, a princípio, está considerando novas prisões de presos anteriormente provisórios, que, a rigor, não são reincidentes. Uma pesquisa do IPEA, feita em conjunto com o CNJ, aponta a taxa de reincidência em 24,4% no Brasil.

A afirmação de que “O projeto foi assinado por deputados como Darcísio Perondi e pelo ex-deputado Nelson Marchesan Júnior e está pronto para ser votado. Só depende do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia” foi a única classificada como falsa. Com base no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o Truco concluiu que a votação do projeto não depende apenas do presidente da Câmara, mas de acordo com o colégio de líderes. A agência também considerou, como mostrado em reportagem pelo Justiça & Direito, o limbo político-jurídico em que se encontra o PL 3.174/2015.

Outras disputas

Embora não por um caso de censura, o Google foi multado em € 2,4 bilhões (cerca de R$ 8,9 bilhões) na terça-feira (27) pela União Europeia. É a maior multa já aplicada pelos europeus em um caso de abuso de posição dominante de mercado e outro drama dos novos desafios trazidos pelo mundo da internet. 

A União Europeia considerou ilegal a prática do buscador em redirecionar os usuários para seu próprio site de comparação de preços, o Google Shopping. O chefe da comissão antitruste da União Europeia afirmou que o site se aproveitou ilegalmente da sua posição de líder do mercado de buscadores, levando os usuários para o seu serviço de comparação de preços e anúncios em detrimento de serviços rivais.

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