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| Foto: Marcelo Justo/Gazeta do Povo

Um dos assuntos mais comentados da semana foi o bate-boca envolvendo o ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF) e o advogado Cristiano Caiado de Acioli, que durante um voo de São Paulo a Brasília disse ao juiz que “o Supremo é uma vergonha”. Irritado, o ministro perguntou ao outro passageiro se ele queria “ser preso”. 

O episódio motivou o jurista Modesto Carvalhosa, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, a protocolar, na última sexta-feira (7), pedido de impeachment contra o ministro. Para Carvalhosa, Lewandowski abusou de sua autoridade de maneira “gravíssima”. Confira a conversa do jurista com a Gazeta do Povo a respeito do caso: 

Justiça: O episódio do avião foi o único motivador para o senhor pedir o impeachment do ministro Lewandowski ou foi apenas a “gota d’água”? 

Modesto Carvalhosa: Naturalmente, as coisas que ele fez durante a carreira dele como ministro, que são tão conhecidas, inclusive aquela questão de “fatiar” a própria Constituição em favor da Dilma Rousseff (PT)*, isso não entra no pedido de impeachment. O que entra é o fato de ele ter quebrado o decoro de ministro ao mandar prender uma pessoa, constrangê-la, por um funcionário público, que não tem credencial para prender ninguém, e levá-lo à Polícia Federal, onde o cidadão ficou cinco horas para prestar esclarecimentos. 

Tudo isso porque manifestou, livremente, sua opinião frente a uma instituição da República, que perdeu, infelizmente e inteiramente a sua reputação. Como o STF perdeu a reputação, o cidadão manifesta verbalmente que o Supremo perdeu a reputação dele enquanto instituição brasileira. E com isso, o ministro ameaça de prisão alguém que manifesta, pacificamente, respeitosamente, a sua opinião. Ele [Lewandowski] abusou da autoridade dele de uma maneira gravíssima, e quebrou o decoro conforme o Regimento Interno do próprio STF e da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950, artigo 39).

Com base nisso, portanto, é que entramos com o pedido de impeachment dele. Esse pedido diz respeito, especificamente, à conduta do ministro nesse caso. Não há referência quanto a outras decisões aberrantes que ele tenha tomado no passado. 

Opinião da Gazeta: Lewandowski e as críticas ao Supremo

Então, apenas pela reação à afirmação do advogado de que o Supremo é uma vergonha? 

O caso é o seguinte: as instituições, assim como as pessoas, quando perdem a sua reputação é impossível voltar a tê-la. No caso do Supremo Tribunal Federal, todo o povo brasileiro sabe que ele perdeu a sua reputação. Não é mais uma instituição legítima, não é uma instituição respeitável. Perdeu a sua autoridade moral, a sua autoridade em qualquer sentido. Ninguém respeita, do ponto de vista moral, as decisões deles [dos ministros]. 

Foi lá o cidadão e expressou isso. Agora, ele [Lewandowski] acha que ao prender um cidadão por se manifestar vai mudar a opinião de 200 milhões de pessoas que pensam exatamente aquilo? É o fim do mundo, é um espírito que vai contra todos os princípios republicanos. 

E se o senhor pudesse, pediria o impeachment de algum outro ministro do Supremo? 

Quem tem nove pedidos de impeachment no Senado é o ministro Gilmar Mendes. Impeachment de ministro deve ter outros que nem sei, porque, realmente, eles não têm agido de uma maneira a favor da democracia. 

[Segundo reportagem da BBC, entre 2016 e 2017 foram protocolados 20 pedidos de impeachment contra ministros do STF. Apenas Cármen Lúcia, Celso de Mello e Alexandre de Moraes não foram alvo.]

O senhor acha que o senador Eunício Oliveira (MDB-CE) vai enviar o pedido de impeachment do ministro Lewandowski para análise do Plenário do Senado** ou vai ser preciso esperar o próximo presidente da Casa? 

Não, ele não vai. Ele já vetou pedidos contra o Gilmar [Mendes] e vai engavetar esse também. Ele não segue o regimento do Senado que manda que o presidente imediatamente envie o pedido ao Plenário para que seja decidido se o processo vai ser ou não aberto. Ele não faz isso, ele engaveta. Ele é uma pessoa que não respeita o regimento interno da própria Casa que preside. 

É uma coisa muito interessante para o país isso. Ainda bem que ele não foi reeleito, porque é uma pessoa absolutamente imprópria para presidir, de acordo com as leis, a Constituição e as regras republicanas, um Senado Federal.

Falando em Supremo, temos visto que cada vez mais se recorre à Corte para um papel ao qual ela não se destina, que caberia aos legisladores. É o caso da ADPF 442, por exemplo, que questiona os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. Em que momento o senhor acha que o STF passou a assumir esse papel? 

Esses casos não são um “extrapolar” do Supremo. As partes pedem. E o STF, como qualquer tribunal, é receptivo, ele tem uma posição receptiva. São as partes que pedem, inclusive partidos políticos, que empoderam o Supremo ao pedir que ele resolva coisas que o próprio Legislativo deveria resolver. Colocam nas mãos do Supremo matérias que são próprias do Legislativo. 

A culpa é dos legisladores de jogar isso nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Porque não é que o STF foi lá e quis tirar poderes do Legislativo. É o Legislativo que renúncia suas próprias competências e deveres e deixa para o Supremo resolver, porque não quer ficar mal com o eleitorado e essa coisa toda. A judicialização do país é culpa do Legislativo que aciona continuamente o Supremo em matérias que são de competência dos legisladores. 

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O presidente eleito vai escolher, no mínimo, dois ministros do STF [Celso de Mello e Marco Aurélio saem em 2020 e 2022, respectivamente]. A tendência é que o presidente Bolsonaro escolha magistrados que partilhem de sua visão de mundo. Qual é o prognóstico que o senhor faz? O senhor vê a situação com otimismo? 

Eu acho que é um grande defeito das democracias poder acontecer isso. O Supremo Tribunal Federal deveria seguir um princípio de carreira, assim como nos tribunais intermediários. O ideal seria que os ministros do Supremo não fossem indicados pelo presidente da República, mas que subissem por decanato. O mais velho ministro do STJ, por exemplo, subiria daí de outro tribunal. Assim iria num escalonamento em que cada saída de um ministro entra o mais velho da Corte anterior. Isso tiraria a pessoalidade das escolhas. Isso é muito importante. 

Nos Estados Unidos acontece a mesma coisa, é um horror aquilo. Todo mundo fala da Suprema Corte americana, mas aquilo é uma porcaria. Tem ministros lá que têm cabeça de século 12, 13. E, do outro lado, tem os liberais [no sentido de progressistas]. Vira um confronto de ideologias. O Trump coloca um ministro medieval. Mas o Obama, antes dele, colocou uma pessoa ligada à questão latina [a juíza Sonia Sotomayor, primeira hispano-americana na corte], que é uma mulher fantástica. Aquilo é uma mixórdia. 

Ninguém decide na Suprema Corte com base na objetividade, no progresso, na evolução. É conforme as suas obsessões. É o que vai ocorrer com os substitutos do STF, que devem ser os mais conservadores desde o advento do Mundo Bizantino, de 1250. Vão ser os homens mais conservadores que vão encontrar no Brasil para colocar no lugar, provavelmente. É péssimo isso. Não deveria o presidente da República nomear ministro para o STF. Deveria ser um critério totalmente diferente, objetivo, para impedir que tenhamos pessoas que só vão lá para defender ideologias ou preconceitos em vez de defender as conquistas da cidadania que devem ser feitas para a democracia. 

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Acaba sendo uma guerra político-ideológica? 

Sim, e no Brasil até partidária, vergonhosa. Mas isso é outro capítulo. 

Para finalizar, existem também rumores de que a PEC da Bengala poderia ser derrubada, e aí o próprio Lewandowski e a ministra Rosa Weber entrariam nesse pacote da aposentadoria. O senhor acha que é uma boa saída? 

Não adianta, porque os atuais ministros se aproveitariam da questão do direito adquirido, de que a lei nova não afeta os direitos que eles têm de continuarem no tribunal pela lei antiga. Apenas para novos ministros é que voltaria a valer a aposentadoria aos 70 anos. Vão arguir o direito adquirido e continuar lá.  

* Presidente do STF à época do impeachment de Dilma Rousseff, Lewandowski determinou que a votação final do processo contra a ex-presidente se desse em duas partes no Senado: uma a respeito da perda do mandato da petista e outra sobre a suspensão de seus direitos políticos.

** No caso de impeachment de um ministro do STF, a petição deve ser protocolada junto à Presidência do Senado para que o chefe da casa encaminhe o pedido ao Plenário, que vai decidir se o processo será ou não instaurado. A competência do Senado para analisar o tema encontra previsão no artigo 52, inciso II, da Constituição Federal.

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