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A população brasileira continua majoritariamente contrária ao aborto. Isso é o que mostram duas medições recentes divulgadas pelos Institutos Locomotiva de Pesquisa e Paraná Pesquisas. De acordo com o levantamento domiciliar do primeiro, que ouviu 1600 pessoas em 12 regiões metropolitanas entre 27 de outubro e 06 de novembro, 62% dos brasileiros se manifestaram contrários a que “as mulheres possam decidir por interromper a gravidez”. Já o Paraná Pesquisas, que fez um levantamento online com 2056 pessoas nos 26 estados brasileiros entre 28 de novembro e 1º de dezembro, revelou que 86,5% dos brasileiros são contrários à “legalização do aborto em qualquer situação”.

Os números do Instituto Locomotiva revelam ainda que 75% são contrários ao aborto em caso de gravidez não planejada, 67% se a família não tiver condições de criar a criança e 53% no caso de meninas até 14 anos de idade. Por outro lado, 50% são favoráveis se o feto for diagnosticado com alguma doença grave e incurável, como no caso de zika, 61% se a mulher correr risco na gestação e/ou no parto e 67% em caso de estupro – as três hipóteses em que hoje não se pune o aborto no Brasil. Os números do Paraná Pesquisas mostram que 69,6% dos brasileiros são contrários à proibição do aborto nesses casos. 

Outro número que chamou atenção no levantamento do Locomotiva foi que, embora 50% dos entrevistados concordem que “uma mulher que interrompe a gravidez intencionalmente deveria ir para a cadeia”, apenas 7% chamariam a polícia “se descobrisse que uma amiga acabou de interromper uma gravidez intencionalmente”, enquanto 19% brigariam com ela e 47% não fariam nada. 

O que está em jogo 

Para Lenise Garcia, professora do Instituto de Ciências Biológicas da UnB e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, os dados confirmam que a população brasileira é majoritariamente contrária ao aborto e que não deseja qualquer modificação na legislação atual. “É importante ter uma ideia do que pensam as pessoas, embora isso não seja o fato predominante para se ter uma avaliação do que fazer do ponto de vista legal, porque esse é um assunto de direitos fundamentais”, diz. “Mesmo que a população fosse mais favorável, isso não seria um motivo para legalizar o aborto”, afirma. 

Lenise destaca que muitas pessoas preferem não denunciar casos de aborto, como em outras situações envolvendo a vida privada. “É o mesmo caso do vizinho que ouve uma agressão do marido contra a esposa, mas prefere fingir que não vê. Nem por isso falam em revogar a Lei Maria da Penha”, diz. “Boa parte da população da população não quer mudar a legislação e a PEC 181 não muda o Código Penal, ela simplesmente reforça e explicita o direito à vida desde a concepção, porque a Constituição já diz que o direito à vida é inviolável”, explica. 

Para Taysa Schiocchet, professora da Faculdade de Direito da UFPR, especialista em Direitos Humanos e Bioética, independentemente do que pensa a maioria da população, é importante que o ordenamento jurídico garanta que as pessoas possam atuar de acordo com a própria consciência. “Vivemos em uma sociedade plural, em que se entende como um avanço não ter uma religião única, a convivência entre pessoas que acreditam em valores diferentes, e vejo que isso deve ser preservado como ponto de partida”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo em novembro. 

Para ela, tanto uma pessoa contrária ao aborto deve ser respeitada em suas crenças e valores quanto uma mulher deve ter a possibilidade de interromper a gravidez em caso de estupro, já que não existe consenso a partir de qual momento a vida deve ser protegida. “A Constituição fala apenas da proteção da vida, mas não diz desde quando, que é essa a questão que está sendo discutida na PEC 181”, lembrou. Segundo Taysa, o artigo 2º do Código Civil, ao determinar que a personalidade civil começa com o nascimento – ainda que o texto da lei coloque “a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” –, dá possibilidade para a flexibilização do entendimento sobre o aborto. 

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Angela Martins, doutora em Filosofia do Direito e professora visitante de Harvard, também ressalta os números confirmam a posição moral da maioria da população, mas reconhece que “o aborto real e próximo é normalmente encarado de forma diferente”. “O caso concreto é sempre desconcertante e nos provoca um posicionamento mais pessoal”, afirma. Angela aponta que o caminho é “a compreensão ao invés da repreensão e o apoio anterior para que se opte sempre pela vida, mesmo que não se possa responsabilizar-se por sua continuidade, deixando a criança a cargo de outra pessoa, se necessário”. 

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A jurista, no entanto, considera que o artigo 2º do Código Civil não tem impacto na discussão sobre o aborto. “O mundo jurídico precisa de uma formalização, mas isso não diz respeito à natureza das pessoas. Não há contradição entre o princípio da Constituição, que garante o direito à vida a todas as pessoas, e a regra civil. Na prática, o Código Civil só está dizendo que o nascituro não pode ser registrado no mundo jurídico, mas ele tem garantidos todos os seus direitos desde a concepção, porque a Constituição quer protegê-lo também, quer garantir o direito que ele venha a entrar no mundo jurídico”, declarou em entrevista à Gazeta do Povo em junho.

Ouça o Podcast Ethos #01 sobre o aborto:

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