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Defensores do aborto querem liberar o procedimento nos EUA após a 21ª semana de gestação. Imagem ilustrativa. | Edward Cisneros/Unsplash/
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Defensores do aborto querem liberar o procedimento nos EUA após a 21ª semana de gestação. Imagem ilustrativa.| Foto: Edward Cisneros/Unsplash/ Reprodução

Ao proferir o tradicional Discurso do Estado da União, no início de fevereiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a um assunto que já havia gerado polêmica em outubro de 2016, quando ele era ainda candidato ao posto e participava de um debate contra a concorrente, Hillary Clinton. Nas duas ocasiões, ele pediu ao Congresso americano pela aprovação de uma lei proibindo o chamado “aborto tardio” (late-term abortion, em inglês). 

“Legisladores de Nova York celebraram a aprovação de uma legislação que permitiria que um bebê fosse arrancado do ventre de sua mãe, momentos antes do nascimento”, Trump declarou na ocasião mais recente. “Esses são lindos bebês, que jamais serão capazes de compartilhar seus amores e seus sonhos com o mundo”. 

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O presidente também citou a Virginia, outro estado que, a exemplo de Nova York, aprovou recentemente leis que facilitam a realização de abortos após 21 semanas. 

“Estou pedindo que o Congresso aprove uma legislação que proíba o aborto tardio de crianças, que já sentem dor no útero de suas mães”, argumentou, sob aplausos da plateia.

Assim como em 2016, a descrição vívida e o pedido de que o aborto só seja autorizado até o quinto mês de gestação provocaram polêmica, inclusive dentro da comunidade médica dos Estados Unidos. Afinal, num país em que o aborto é considerado um direito individual da mulher, faz sentido estabelecer um limite de idade para que o feto seja extraído do útero?

Aborto tardio?

Não existe na literatura médica uma definição para “aborto tardio” – quando é usado, o termo geralmente se refere a gestações que ultrapassaram as 40 semanas. 

“Esse é um termo vago, confuso. Costuma ser usado por políticos, mas não pela classe médica”, afirma Daniel Grossman, professor de obstetrícia e ginecologia da Universidade da Califórnia em São Francisco. 

Ainda assim, a medicina trata de forma diferenciada os abortos que ultrapassam o primeiro trimestre. Com base em exames de eletroencefalograma, é possível supor que os fetos começam a sentir dor a partir de 28 a 30 semanas.

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“A melhor evidência médica indica que os fetos não sentem dor antes das 28 semanas”, diz Grossman. Ou seja: desse estágio em diante, a cirurgia alcança as palavras do presidente Trump sobre “crianças que já sentem dor”. 

No estado de Utah, por exemplo, a lei é mais cautelosa ainda, e estabelece que os médicos precisam aplicar anestesia aos fetos retirados dos úteros das mães já a partir de 20 semanas. Outro complicador para o aborto tardio é o fato de que de 20 a 35% dos fetos nascidos com 23 semanas sobrevivem. A partir de 27 semanas, a taxa de sobrevivência dispara para 90%.

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Informações assim levam as pessoas comuns a mudar radicalmente de opinião sobre o aborto, a depender do estágio da gestação: segundo uma pesquisa de junho de 2018 do Instituto Gallup, 60% dos americanos são favoráveis à prática no primeiro trimestre. Quando se trata do último trimestre, no entanto, o índice de aprovação cai para 13%. Mesmo entre os adeptos do Partido Democrata, a aprovação despenca de 77% para 18%. Entre os republicanos, vai de 42% para 6%. Neste momento, 43 dos 50 estados estabelecem algum tipo de restrição para a realização de aborto nesse estágio final da gravidez.

Jovens e desempregadas

Mas quem faz o chamado aborto tardio? Sabe-se que o percentual de casos de aborto cai na medida em que a gravidez avança. Pesquisa mais recente, produzida pelo CDC, o Centro de Controle de Doenças americano, informa que, ao longo do ano de 2015, foram realizados 638,2 mil abortos no país. Desse total, 91,1% aconteceu até a 13ª semana de gestação. E apenas 1,3% foi executado no terceiro trimestre – mesmo assim, são 8,2 mil casos.

O CDC não tem indicadores detalhados sobre o perfil das mães, mas a comunidade médica costuma alegar que, em geral, os abortos realizados tão tarde são resultado de risco de vida para a mãe ou grave má formação do bebê, que inviabiliza sua sobrevivência fora do útero.

Em reação ao discurso de Trump, a professora da Universidade de Michigan Margot Finn descreveu sua experiência pessoal para a revista eletrônica Slate. Com 29 semanas de gravidez, ela abortou uma filha porque descobriu que ela tinha lisencefalia, um problema neurológico. 

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“Podíamos esperar que ela vivesse de dois a seis anos, enquanto sofreria de infecções respiratórias frequentes e engasgaria com a saliva o tempo todo. Seu desenvolvimento cognitivo seria deficiente e poderia levar a dolorosas convulsões”, escreveu.

Para realizar o procedimento, Margot viajou de sua casa em Michigan, onde a lei não autorizaria o aborto nesse estágio da gestação, até o Colorado. Gastou US$ 12,5 mil dólares no total. 

Mas essa não é a única motivação. Um estudo de referência sobre o assunto, publicado em 2013 e conduzido por Diana Greene Foster e Katrina Kimport, da Universidade da Califórnia em São Francisco, selecionou 272 mães que abortaram de forma tardia, sem motivações médicas claras. Muitas haviam demorado para descobrir que estavam grávidas. Outras custaram a perceber que não receberiam apoio dos parceiros. Algumas já eram mãe solteiras. Outras demoraram para conseguir o dinheiro para realizar o procedimento – quanto mais avançado o estágio da gravidez, mais caro o aborto.

Alternativas 

O estudo indicou que as mulheres que abortam tardiamente têm um perfil muito semelhante à média das americanas que fazem aborto. Com uma exceção importante: quem realiza o procedimento mais tarde, em geral, é mais jovem – a faixa etária de 20 a 24 anos realiza mais abortos tardios do que as mulheres que têm de 25 a 34 anos. 

E é pensando nessas pessoas, em geral, que entidades anti-aborto, como a National Right to Live, defendem a proposta do presidente Trump, desde que ela permita o procedimento nos casos extremos em que as mães, e apenas elas, correm risco de vida – a entidade é contra, em tese, a decisão da professora Margot Finn.

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“As similaridades encontradas entre os grupos que abortam no primeiro e no terceiro trimestre sugerem que as mulheres que procuram o procedimento compartilham características em comum”, escreve em artigo a médica Elizabeth Ann M. Johnson, pesquisadora do Programa de Direitos Humanos e Saúde da Universidade de Minnesota.

“As circunstâncias estressantes da gravidez sem preparo, a ausência do pai, a pressão financeira e problemas de relacionamento são preocupações importantes para essas mulheres”, ela afirma. “Essas circunstâncias, entretanto, não são aliviadas pelo aborto tardio, que coloca a mulher sob risco de complicações na cirurgia, enquanto simultaneamente encerra a vida de uma criança. Como sociedade, deveríamos procurar alternativas para essas mulheres”.

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