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Não é segredo para ninguém que o Partido dos Trabalhadores (PT) está se fechando em sua própria cidadela, pelo menos a princípio, neste primeiro turno das eleições, com a intenção de aglutinar as bases mais fiéis à esquerda e passar pela tormenta, depois de ex-presidente Dilma ter sofrido o impeachment e a Lava Jato ter jogado o ex-presidente Lula na cadeia. Esse movimento aparece com clareza no plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quarta-feira (15), que recupera teses radicais e aposenta a versão “Lulinha Paz e Amor” que brotou da carta aos brasileiros, de 2002. 

Curiosamente, o plano do PT silencia sobre a questão do aborto, embora o partido tenha feito de tudo para aprovar mudanças na legislação desde antes da Constituição de 1988. Sobrou para o Psol, agora mais do que nunca linha-auxiliar do PT, ser coerente com seu esforço na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tenta descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação no Supremo Tribunal Federal (STF). 

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“A descriminalização e legalização do aborto de forma segura e gratuita é uma das pautas a serem defendidas como condição de vida das mulheres cis e homens trans em nosso país”, lê-se no programa que candidatura de Guilherme Boulos registrou no TSE. Na prática, propõe “descriminalizar, de acordo com a proposta apresentada na ADPF 442, de autoria da Anis e/PSOL; e legalizar o aborto de forma segura e gratuita nos termos do PL 882/2015”. O projeto citado é de autoria do deputado Jean Wyllys (Psol-RJ). 

Mas a proposta do Psol é até tímida, comparada ao histórico do PT na questão do aborto. Na Constituinte de 1987-1988, o então deputado José Genoíno (PT-SP) queria inscrever na Constituição um direito ao aborto até os 90 dias de gestação. Obviamente, perdeu. Mas a bancada “progressista” conseguiu retirar a expressão “desde a concepção” da proteção à vida na Constituição – embora os parlamentares pró-vida entendessem, desde a Constituinte, que a expressão era redundante – e deixar a decisão para o Congresso Nacional ou a um plebiscito. 

O partido foi coerente. Em 1991, pelas mãos do então deputado Eduardo Jorge (PT-SP; esse mesmo, que hoje é vice da Marina Silva) e da deputada Sandra Starling (PT-MG), apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.135, que simplesmente suprimia o artigo 124 do Código Penal. No mesmo ano, o deputado Genoíno apresentou o PL 176, que só reeditava sua proposta derrotada na Constituinte. Diversas propostas foram apresentadas e arquivadas no Congresso até que, em 2005, o governo Lula atacou. 

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No final daquele ano, a então deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), com o aval do governo e da bancada petista, deu forma final ao PL 1.135/91 como relatora na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), permitindo e regulamentando a “interrupção voluntária da gravidez” até 12 semanas de gestação e revogando os artigos 124, 126, 127 e 128 do Código Penal, o que, na prática, geraria a descriminalização do aborto até o final da gestação. 

A versão final apresentada por Feghali veio da Comissão Tripartite da então Secretaria de Políticas para as Mulheres, sob a batuta de Nilcéa Freire, e acabou derrotada por um voto na CSSF, depois da oposição enérgica da bancada da vida e da sociedade civil. Até mesmo um então deputado petista, Luiz Bassuma (PT-BA), denunciou a articulação do governo e acabou perseguido pelo partido, até migrar para o Partido Verde, em 2009. 

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Percebendo que aprovar o aborto não seria coisa fácil, mas sem desistir do objetivo, em 2009 o governo inscreveu entre as ações estratégicas, na primeira versão do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), “apoiar a aprovação de projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre os seus corpos”. Voltou atrás diante da reação da sociedade civil. O objetivo final tampouco foi alcançado, e o PL 1.135/91 acabou enterrado de vez em 2012. 

Apesar de muito tentar, o máximo que o PT conseguiu nessa matéria, durante o governo Dilma (além de indicar Luís Roberto Barroso para o STF), foi aprovar a Lei 12.845/2013 que, para cuidar de uma necessidade real, o atendimento a pessoas em situação de violência sexual, abre brechas para o aborto facilitado ao falar em “profilaxia da gravidez”. O PL 5.069/2013 substitui essa expressão por “procedimento ou medicação, não abortivos, com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro” e ainda garante a possibilidade de objeção de consciência, mas segue parado na Câmara. 

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Com a derrocada da estratégia no Congresso Nacional, a atenção dos movimentos pró-aborto voltou-se para o STF, na ação patrocinada pelo Psol e lembrada no plano de governo registrado pelo partido. Que o silêncio do PT no documento registrado em 2018 não engane ninguém sobre de que lado a (ainda) maior força de esquerda do país está nessa luta.

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