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Ativistas pró e contra o aborto exibiram cartazes sobre a PEC 181 em reuniões da comissão | Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Ativistas pró e contra o aborto exibiram cartazes sobre a PEC 181 em reuniões da comissão| Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

A briga para incluir na Constituição que a vida deve ser protegida “desde a concepção” ficou para 2018. A comissão especial na Câmara dos Deputados responsável por avaliar a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 181/2015 não conseguiu, nesta quinta-feira (14), o quórum necessário para votar os destaques, que garantiriam ou não a permanência da expressão “desde a concepção” na iniciativa parlamentar a ser enviada ao plenário. A próxima sessão, ainda não marcada, será apenas no ano que vem.

Desde a aprovação da PEC 181/2015 na comissão, em 8 de novembro, os deputados favoráveis à inclusão do texto “desde a concepção” tentaram votar dezenas de vezes um destaque que pedia a retirada desta expressão. O texto legislativo que, inicialmente, versava apenas sobre a extensão da licença-maternidade em caso de parto prematuro foi alterado para incluir a proteção dos embriões.

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Um dos pontos de maior polêmica nas inúmeras discussões da comissão foi se a inclusão da expressão “desde a concepção” poderia alterar o Código Penal que prevê a não penalização do aborto em dois casos, quando a gestação é resultante de estupro ou existe risco de vida para a mãe. Os deputados contrários à expressão “desde a concepção” interpretavam que sim, que a alteração poderia obrigar mulheres que sofreram violação sexual a levar a gravidez até o fim. Já os deputados contrários ao aborto garantiram que esse entendimento não era correto, pois o Código Penal existe precisamente para definir crimes e prever casos em que a pena não deve ser aplicada. Ou seja, colocar “desde a concepção” na Constituição não significaria que a mulheres que interrompam a gravidez nas situações previstas no Código Penal passem a receber algum tipo de medida punitiva.

As reuniões das últimas semanas foram tensas, com pressões dos dois lados. A deputada Érika Kokay (PT-DF) insistiu que os deputados estavam votando de acordo com suas “convicções religiosas” a favor da “tortura das mulheres”. O deputado Diego Garcia (PHS-PR), por outro lado, afirmou que “os direitos de uma mulher nascida não poderiam se sobrepor ao de outra não nascida”. Os dois citavam, para fundamentar suas posições, as cláusulas pétreas, entendendo a própria visão do aborto como a melhor interpretação do que a Constituição entende como direito a garantias individuais.

Ao longo das sessões, decidiu-se que os destaques ao parecer do relator da matéria , o deputado evangélico Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), teriam de ser votados não de forma nominal, mas por partido, o que também provocou intensos debates entre os dois grupos de deputados. Sobre a PEC, o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a postar em seu perfil no Facebook há algumas semanas, que a inserção da expressão “desde a concepção” no conjunto da PEC, entendida como proibir o aborto em qualquer caso, não teria sucesso no plenário da Casa. “Proibir aborto em caso de estupro não vai passar na Câmara”, postou. 

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Histórico

A PEC, inicialmente, previa que em caso de nascimento de prematuro a licença-maternidade de 120 dias poderia ser estendida em até 240 dias, dependendo da quantidade de dias de internação do recém-nascido. Aprovada no Senado, a proposta seguiu então para a Câmara que criou uma comissão especial para analisar o projeto.

Em 15 de agosto deste ano, Mudalen, com a justificativa de que assegurar a defesa e o acompanhamento das crianças prematuras não teria sentido se não houvesse a mesma garantia e proteção para as que estão ainda “no ventre materno”, incluiu os dois dispositivos na proposta alterando os artigos 1º e 5º da Constituição, onde se dizia expressamente que a vida deve ser protegida desde a concepção.

O parecer foi aprovado por 18 a 1 no último 8 de novembro deste ano, em meio a controvérsias, e os deputados contrários ao acréscimo da expressão “desde a concepção” pressionaram para a votação dos destaques. 

Repercussão

Não há consenso entre os especialistas se a inclusão da expressão “desde a concepção” na Constituição, caso sancionada em plenário, revogaria os artigos do Código Penal que não penalizam os casos de aborto quando a mulher sofreu estupro ou há risco de vida da mãe.

O jurista Ives Gandra da Silva, em entrevista à Gazeta do Povo em setembro, disse acreditar que sim, lembrando que a expressão “desde a concepção” já está no Código Civil. “Com isso, é evidente que toda a legislação anterior cai por terra e a partir daí não haverá mais a possibilidade de aborto”, disse na época.

Já a professora de Direito da FGV-SP, Eloísa Machado, declarou, por outro lado, que a mudança poderia dificultar o aborto, mas não impedi-lo, já que muitas regras da Constituição são flexibilizadas em decisões no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse sentido, ela acredita inclusive que a PEC poderia ser derrubada pelo STF, por considerá-la inconstitucional.

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A Constituição e o STF

A Constituição Federal expressa que a vida deve ser protegida, mas não menciona qual momento seria considerado o início da vida ou da proteção jurídica. Outras normas, porém, são mais claras, como o Código Civil que em seu artigo 2º afirma que a “personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. 

Ativistas se apoiam nesse silêncio da Carta Magna para fazer pressão em prol da descriminalização do aborto em todos os casos, até a 12ª semana de gestação. A ação mais avançada é uma solicitação feita ao STF pelo PSOL e o Anis - Instituto de Bioética pedindo para que o Código Penal seja considerado inconstitucional, por ser de 1940, anterior à Constituição de 1988. O Código Penal prevê que o aborto é crime, não sendo penalizado apenas em dois casos, quando a gestação é resultante de um estupro ou existe risco de vida para a mãe. 

Juristas pró-vida veem na ação uma arbitrariedade ao pretender determinar que a vida começa apenas depois da 12ª semana de gestação. Interpretam ainda como um “aborto jurídico” a atitude de querer resolver o assunto no Poder Judiciário, já que o tema é delicado, precisa de discussão, da aprovação da população, e 11 homens eleitos por um presidente não teriam a legitimidade para julgar esse assunto e sim os parlamentares, 513 deputados e 81 senadores, eleitos pelo povo.

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