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Recentemente, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro anulou a concessão do Estádio do Maracanã, na capital fluminense, sob a alegação de que o procedimento licitatório realizado teria sido ilegal. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo/Arquivo
Recentemente, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro anulou a concessão do Estádio do Maracanã, na capital fluminense, sob a alegação de que o procedimento licitatório realizado teria sido ilegal.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo/Arquivo

Recentemente, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro anulou a concessão do Estádio do Maracanã. Alegou-se que o procedimento licitatório realizado teria sido ilegal, pois o grupo vencedor possuía informações privilegiadas sobre o projeto. A empresa que fez o projeto integrava o consórcio que ganhou a licitação. Segundo o juiz, isso seria contrário à lei.

Acontece que o fundamento exposto está em manifesta contradição com a Lei 9.074/95. A licitação realizada foi precedida de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). A premissa central dessa metodologia é exatamente permitir que quem realiza os estudos possa participar da licitação. A lógica aqui é diferente da Lei de Licitações, que proíbe a participação do autor do projeto na concorrência. 

Num PMI, a iniciativa privada realiza estudos que, se aprovados, serão utilizados pelo Estado para promover a delegação de um projeto de concessão (comum ou PPP). 

A vantagem para o Estado é que esses estudos não serão diretamente remunerados. Os investimentos de quem os realiza serão pagos por quem ganhar a licitação. Nessa linha, empresas interessadas no projeto podem fazer os estudos. Se vencerem a licitação, os investimentos são recuperados pela exploração no próprio projeto. Caso contrário, a empresa que venceu o contrato deverá remunerar aquela que realizou os estudos. Por outro lado, há empresas que apenas realizam os estudos, sem interesse na licitação. Em ambos os casos, quem realiza os estudos toma o risco de o Estado não levar adiante o projeto concessionário, hipótese em que o valor investido é perdido. 

Esse procedimento, portanto, visa superar o histórico gargalo que o setor público tem de produzir projetos que sejam viáveis. Projetos de concessões são complexos e envolvem, além das tradicionais dificuldades inerentes à engenharia, dificuldades relativas à modelagem econômico-financeira. 

Em outras palavras, o PMI permite aos particulares conceber empreendimentos públicos previamente à etapa de contratação, atuando já na fase interna da licitação pública. Posteriormente, o Poder Público poderá fazer uso dos estudos elaborados pelos particulares com o fim de subsidiar, parcial ou integralmente, a estruturação técnica, jurídica e/ou econômica do futuro empreendimento. Trata-se de expediente em que as Administrações podem estimular o desenvolvimento e aproveitar projetos sem recorrer a uma contratação convencional e sem haver a necessidade de dotação orçamentária específica ou de recursos suficientes ao seu custeio. 

Uma das peculiaridades do PMI é a vedação de que os seus participantes tenham qualquer tipo de vantagem sobre outros particulares na disputa da licitação pública, a despeito, por óbvio, de sua experiência e maior conhecimento acerca do estudo ou projeto que embasa o certame licitatório, quando elaborado por ele próprio. De todo modo, impõe-se o compartilhamento de todas as informações necessárias à preservação do caráter isonômico da licitação. 

Sobre essa questão, há quem sustente que a Administração acaba tendo que enfrentar o risco de enfraquecimento da competição em virtude da possibilidade de minimização da capacidade de concorrer de forma igualitária por parte dos demais licitantes. Isso em vista de os participantes do PMI já possuírem conhecimentos diferenciados que os colocam em uma posição mais vantajosa quando do oferecimento da proposta no certame licitatório. 

Entretanto, a esse respeito, duas observações merecem ser destacadas. Em primeiro lugar, qualquer particular que demonstre interesse poderá participar de um PMI. Portanto, não se trata de procedimento restrito. O próprio PMI já traz em si essa nota de competitividade. Não raro, diversos interessados se envolvem nesse procedimento, incumbindo à Administração escolher os melhores projetos. 

Em segundo lugar, o PMI é público e, por isso, ainda que o particular que pretenda participar de eventual licitação posterior não possua o interesse em integrar o PMI, poderá ter acesso aos estudos e projetos desenvolvidos. Nesse sentido, conforme as regras de cada PMI, pode essa vantagem competitiva ser dilatada ou não, como quando se preza pela transparência – a exemplo da criação de páginas eletrônicas que aglutinem as informações relativas aos PMIs executados – e publicidade integral dos estudos realizados – quer eles tenham sido aceitos ou não –, entre diversos outros aspectos. Dessa forma, todos os licitantes detêm iguais possibilidades de acesso à informação e, por conseguinte, de competição. 

Como se percebe, o fundamento apresentado pela decisão mencionada é equivocado. É natural deste procedimento que quem dele participa (seja ele autor do estudo selecionado ou não) possa disputar a licitação. Inclusive, o Projeto de Lei 10.382/2018 do Senado, apresentado em junho, que visa a regulamentar o PMI (já definido no Decreto 8.428/15) e está em análise pela Câmara dos Deputados, reforça essa característica. Aliás, uma das vantagens do PMI é justamente fomentar o engajamento antecipado dos potenciais licitantes com o projeto desde as suas fases iniciais, pois, normalmente, o objetivo do particular será obter melhores condições para disputar o objeto de um futuro contrato, empregando esforços para tanto desde logo, o que justifica sua atuação desde a fase de elaboração dos projetos. Até porque, diga-se de passagem, sagrar-se vencedor em um PMI não garante que, de igual forma, o será ao disputar a licitação.

Bernardo Strobel Guimarães é doutor em Direito do Estado pela USP, professor da PUCPR e advogado. Mayara Segalla Savoia Assef é pós-graduanda em Licitações e Contratos Administrativos pela PUCPR e advogada.

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