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Gláucio Dettmar/Agência CNJ
| Foto: Divulgação/ Gláucio Dettmar/Agência CNJ

O Senado Federal aprovou, na última terça-feira (8) , projeto de lei que regulamenta a conversão de prisão preventiva por domiciliar a gestantes ou mães de crianças com deficiência. O texto já havia sido aprovado em caráter terminativo Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa em março, mas foi alvo de recurso para a apreciação em Plenário. Agora, segue para análise da Câmara dos Deputados.

Ainda que seja bem intencionado, ao estipular uma série de requisitos tanto para a concessão do benefício quanto para a progressão de regime, o texto acaba por se mostrar prejudicial às mulheres em situação de prisão. 

De autoria da parlamentar Simone Tebet (MDB-MS), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 64/2018 foi elaborado após a concessão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de um habeas corpus coletivo em prol das presas que se encontram nessa situação atualmente. Mães de filhos até 12 anos também foram beneficiadas pela decisão. A Corte, contudo, definiu exceções: o habeas corpus não abrange mulheres que praticaram crimes com violência, grave ameaça ou contra seus descendentes. Outras situações consideradas excepcionalíssimas deveriam ser fundamentadas pelos juízes locais. 

A prisão preventiva não tem prazo definido e é passível ser decretada em qualquer momento da investigação policial ou da ação penal, caso haja prova da existência do crime e indícios que liguem o suspeito ao delito. Também é necessário demonstrar que, caso fique solto, o réu irá atrapalhar a condução das investigações, possa fugir ou represente riscos à manutenção da ordem pública. 

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Ocorre que, pelo artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP), essa modalidade de prisão pode ser substituída pela domiciliar caso a acusada seja gestante ou mãe de filho de até 12 anos incompletos. O STF acabou estendendo o benefício às mães ou únicas responsáveis por pessoas com deficiência. 

O projeto original de Simone Tebet não buscava nada mais que incluir na lei (CPP e Lei de Execução Penal) os requisitos apresentados pelo STF, no julgamento do habeas corpus coletivo. O texto da senadora também condicionava a concessão da domiciliar ao fato de a mulher ser ré primária, ter bom comportamento carcerário (que deve ser comprovado pelo diretor do estabelecimento penal) e não ter integrado organização criminosa. 

“A verdade é que as circunstâncias de confinamento das mulheres presas demandam do Poder Público ação mais pró-ativa e um tratamento de fato especializado no atendimento de suas necessidades e de seus filhos, mas o Estado brasileiro é atualmente incapaz de fazê-lo”, aponta a emedebista na justificativa do projeto. 

Deve-se reconhecer a boa intenção da senadora ao elaborar o texto, tornando a concessão da prisão domiciliar obrigação, e não mais possibilidade, nesses casos. Mas também é preciso lembrar que não se aplica uma lei com base em sua intenção. 

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Atualmente, a lei não prevê requisitos para a conversão da preventiva em domiciliar no caso das gestantes e mães de crianças, devendo o juiz analisar cada caso concreto. Se a alteração no Código de Processo Penal pretendida por Simone Tebet ocorresse, o direito das mulheres presas seria, na verdade, restringido. Ainda, é preciso se atentar ao fato de que o entendimento do STF, especialmente de uma única Turma, é mais fácil de ser mudado do que uma lei – caso não seja editada súmula vinculante, que tem força legislativa, a respeito do tema. 

É claro que, numa primeira análise, não se espera que mulheres que acusadas – ou seja, que ainda não foram condenadas – de cometer crimes violentos ou contra seus próprios filhos respondam a um processo em prisão domiciliar, ao invés de isoladas do restante da sociedade. Quem dirá mulheres integrantes de organização criminosa. Quais, porém, foram as circunstâncias do crime? Quem foi a vítima? De pronto as mulheres que se encaixam nas restrições serão excluídas da possibilidade de conversão da prisão preventiva pela domiciliar. 

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O projeto também não prevê lapso temporal para a atuação no crime organizado. Só serão consideradas participações recentes ou mesmo aquelas ocorridas há 20 anos e que nada têm que ver com o crime atual? A tese da prisão como mecanismo de recuperação do indivíduo cai por terra nesses casos, além de haver a necessidade de se criar mais jurisprudência para guiar os magistrados e, portanto, mais insegurança jurídica até que as decisões sejam pacificadas. 

Em Plenário, optou-se por deixar apenas os dois primeiros requisitos apontados para a conversão da preventiva em domiciliar no caso das mulheres grávidas e mães - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente -, retirando, um pouco, o caráter problemático do projeto.

As demais condições, no entanto, foram mantidas para a progressão de regime, prevista na Lei de Execução Penal (LEP). De toda forma, o direito dessas mulheres foi restringido, já que a outros tipos de condenado a legislação exige apenas o cumprimento de, ao menos, um sexto da pena no regime anterior e bom comportamento.

Benefício a estupradores 

Em setembro, outro texto que parecia, num primeiro passar de olhos, beneficiar as mulheres mas, no fundo, era prejudicial a elas chegou à CCJ. Ao contrário do que aconteceu com o projeto de Simone Tebet, contudo, a comissão deu conta de resolver o problema. 

O PLS 312/2017, de autoria da senadora Marta Suplicy (MDB-SP), previa a criação do crime de “molestamento sexual”, delito intermediário entre o estupro e a importunação ofensiva ao puder, pensado em relação aos casos de abuso cometidos no transporte público. O PLS buscava inserir ao Código Penal o dispositivo 213-A, com a seguinte redação em seu caput: “constranger ou molestar alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática de ato libidinoso diverso do estupro: pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos”. 

O problema do projeto original era que o texto, ainda que atribuísse ao tipo penal o nome de “molestamento sexual” e fizesse a ressalva de que o ato libidinoso precisaria ser “diverso do estupro”, o artigo descreveria o que já é considerado estupro – ato libidinoso praticado com violência ou grave ameaça –, mas com pena mais branda. A punição para quem comete estupro varia de seis a 10 anos.  O texto acabava, portanto, beneficiando estupradores, conforme explicou o Justiça na época.

Na CCJ, o relator da matéria, senador Armando Monteiro (PTB-PE) conseguiu resolver a questão de modo simples, contemplando como molestamento sexual apenas os libidinosos praticados sem violência ou grave ameaça. O projeto aguarda análise da Câmara dos Deputados.

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