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Ministros Fachin e Rosa Weber durante julgamento sobre a contribuição sindica, em junho de 2018. | Valter Campanato/
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Ministros Fachin e Rosa Weber durante julgamento sobre a contribuição sindica, em junho de 2018.| Foto: Valter Campanato/ Agencia Brasil

Logo após ter assumido a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro, Dias Toffoli descartou colocar em votação durante os meses restantes de 2018 os chamados temas polêmicos. Para o ministro, ações envolvendo a prisão de condenados em segunda instância, posse de drogas para uso pessoal, criminalização da homofobia e aborto em caso de zika requeriam um maior tempo para possibilitar diálogo com Congresso, Ministério da Justiça e outras instituições antes de uma decisão. Mas prometeu que em 2019 esses assuntos estariam entre as prioridades do tribunal. 

Na virada do ano, Toffoli cumpriu o compromisso assumido. Na pauta de votações do STF previstas para o primeiro semestre, os principais temas polêmicos citados pelo ministro estão agendados. As análises desses casos devem motivar fortes discussões no Congresso e no Ministério Público, além de provocar grande impacto no governo e na sociedade. As votações se estendem até julho. 

O tema mais polêmico da pauta do STF para o primeiro semestre – e que movimentou o tribunal no ano passado – é a prisão após condenação em segunda instância. Toffoli marcou para o dia 10 abril a análise de três ações relacionadas à constitucionalidade da prisão nesses casos. O julgamento ganha repercussão ainda maior por incluir a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixar a prisão em Curitiba, onde cumpre pena desde abril de 2018. 

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A questão da prisão em segunda instância, apesar de ter forte apoio popular, tem dividido não só os integrantes da Corte, mas também vários segmentos da sociedade civil e o mundo jurídico. Ainda há dúvida sobre o posicionamento dos ministros, com tendência de placar decidido por um voto. 

As discordâncias em torno do tema tornaram-se mais evidentes a partir de 2009, quando o STF mudou entendimento estabelecido em súmula do próprio tribunal, que admitia que uma pessoa poderia ser presa antes que todos os recursos fossem exauridos sem que isso afete a presunção da inocência. Na época, o Supremo estabeleceu o direito do condenado em segunda instância de recorrer em liberdade quando julgou habeas corpus sobre o caso de um condenado por homicídio, o HC 84.078. 

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Sete anos depois, em 2016, a jurisprudência sobre o tema voltou a mudar. Por maioria, 7 votos a 4, o plenário do STF decidiu em fevereiro daquele ano que é, sim, possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância. O argumento vencedor no tribunal foi que a regra anterior levava à impunidade. Em outubro do mesmo ano, em votação apertada de seis votos a cinco, o plenário do Supremo entendeu que os condenados em segunda instância já poderiam começar a cumprir pena antes do trânsito em julgado. Toffoli mudou de voto entre fevereiro e outubro, o que explica a diferença de placar. 

O tema voltou à pauta do STF em abril de 2018, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ingressou com um habeas corpus pedindo sua libertação. Novamente, por seis a cinco, prevaleceu a tese favorável à prisão antecipada. A diferença é que dois ministros mudaram o voto: Gilmar Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena e Rosa Weber votou a favor. Além disso, Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki, morto em 2017, manteve o entendimento do antecessor. 

Direitos individuais 

Dois temas que questionam direitos individuais também devem atrair grande atenção no STF: o porte de drogas para uso pessoal e de armas. Os ministros devem analisar, em 5 de junho, um recurso extraordinário contra acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema (SP), que manteve a condenação de um acusado de crime de porte de drogas para uso próprio. O processo tem repercussão geral para todos os casos correlatos em tramitação na Justiça. 

O recurso extraordinário, de número 635.659, não é novo. Começou a ser julgado em agosto de 2015, quando o relator, Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que define como crime o porte e a posse de drogas para uso pessoal. O então ministro Teori Zavascki, morto em 2017, pediu vista do processo. Substituto de Zavascki, Alexandre de Moraes herdou o pedido de vista e liberou o recurso para julgamento. Além de Gilmar, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela descriminalização da posse exclusivamente de maconha. 

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Como ocorre em praticamente todos os temas polêmicos com votação prevista para o primeiro semestre deste ano, a questão da posse de drogas divide setores da sociedade. E não faltam argumentos a favor e contra. 

Defensores da liberação afirmam que a legislação atual fere os princípios da privacidade – já que o consumo de drogas não causa danos a terceiros – e da isonomia – ao tratar coisas semelhantes (como álcool e maconha) de forma desigual. Nesse sentido, a regulamentação das drogas facilitaria o controle sobre o uso, sendo mais eficaz do que a proibição. 

Quem é contra argumenta que as drogas não prejudicam só quem a consome, mas também as pessoas ao redor, e que a liberação pode causar aumento do número de usuários e do índice de pessoas com transtornos mentais. Ainda, afirmam quem o sistema público de saúde já sequer tem estrutura para atender viciados em drogas lícitas, como álcool. 

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Para o advogado e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cristiano Maronna, a expectativa é que seja declarada a inconstitucionalidade da lei que proíbe o porte de drogas para uso pessoal. 

“Foi assim na Colômbia e na Argentina, onde as Supremas Cortes também enfrentaram idêntica questão e concluíram que o Estado não tem legitimidade para interferir nessa esfera da vida íntima do indivíduo”, comenta. 

Apesar desse posicionamento, Maronna admite que não há como prever com certeza se a questão será resolvida ainda neste semestre. 

“Pelas prorrogativas que cada ministro tem, não dá para cravar que será decidido na sessão prevista para analisar o tema”, diz ao reforçar que “o que está se discutindo é a questão do direito individual, do direito à privacidade, se o Estado tem legitimidade para mudar essa conduta e se essa conduta causa dano à saúde pública e individual”. 

Promessa de campanha 

O tema da posse de armas, que também se enquadra na questão dos direitos individuais, ganhou destaque durante a campanha eleitoral. O então candidato Jair Bolsonaro prometeu aos eleitores que, se ganhasse as eleições, facilitaria a posse e comercialização de armas de fogo. Vitorioso, Bolsonaro teve como uma de suas primeiras medidas a assinatura de um decreto (9.685/2019) para cumprir a promessa de campanha. 

A reação veio imediatamente, com uma Ação Direta de Constitucionalidade (6058/2019), impetrada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). 

O decreto de Bolsonaro, que tem apoio do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, também provoca divergências na sociedade. A favor da liberação estão entidades como a Associação dos Oficiais da Reserva da PM no Brasil, Associação de Praças das Forças Armadas e Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam). Essas entidades argumentam que a restrição às armas estava em desacordo com o que a população votou no referendo do Estatuto do Desarmamento, em 2005, e que mudanças vão permitir que os “cidadãos de bem” tenham uma arma de fogo para proteção pessoal, de sua família e propriedade. 

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Quem é contra o decreto também tem argumentos fortes. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) diz que o texto é uma aposta na violência, considerando que existem evidências seguras de que, quanto mais armais, mais crimes. Em nota publicada logo após a decisão de Bolsonaro, o Instituto Sou da Paz afirma que “um dos prováveis efeitos do decreto assinado hoje será o aumento das mortes violentas por motivos banais” e que “a circulação de armas de fogo aumentará a oferta de armas aos criminosos”. 

Decano da Corte, o ministro Celso de Mello já pode analisar, na ação ajuizada pelo PCdoB, o pedido de liminar para suspender os efeitos de dispositivos do decreto. 

Criminalização da homofobia 

Duas ações que se arrastam há anos no Supremo pedem que a homofobia e a transfobia se tornem crime. Agora, estão previstas para serem julgadas no dia 13 de fevereiro. Uma delas, movida pelo Partido Popular Socialista (PPS), quer que o STF declare o Congresso omisso por ainda não ter votado o projeto que criminaliza a homofobia. O projeto tramita há 16 anos. 

A outra ação, de autoria da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), busca que o STF declare ser um crime específico de homofobia e transfobia ofensas, agressões, discriminações e homicídios contra a comunidade LGBT. 

As leis em vigor no Brasil hoje não preveem especificamente o crime de homofobia. A Lei 7.716/89, que pune com prisão crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, não cita a conduta homofóbica. 

Aborto em caso de zika 

A legislação penal atual prevê prisão de um a 3 anos para mulheres que façam em si mesmas ou se submetam ao aborto. A lei não pune o aborto em apenas duas circunstâncias: o chamado aborto necessário, quando não há outro meio para salvar a vida da gestante, ou quando a gravidez é decorrente de estupro. Ainda, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, ao julgar a ADPF 54, também é possível o aborto, com assistência médica, se ficar comprovado que o feto é anencéfalo. Fora dessas situações, o aborto pode ser punido. 

A decisão de 2012, entretanto, não esgotou o tema, principalmente após a disparada de casos suspeitos de microcefalia relacionada ao vírus zika. O assunto voltou ao Supremo por meio de ação proposta em 2016 pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), a qual pede a descriminalização do aborto para casos em que as gestantes estiverem infectadas pelo vírus zika. 

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A Advocacia-Geral da União (AGU) contestou o pedido da ação e a Procuradoria Geral da República (PGR) defendeu a constitucionalidade. O impasse deverá ser resolvido em julgamento marcado para 22 de maio. 

A ação da Anadep enfrenta resistência em vários setores da sociedade, por entenderem que bebês com microcefalia (condição em que o cérebro não cresce o suficiente durante a gestação) são diferentes de bebês anencéfalos. Entidades contrárias à medida, como a União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro, dizem que a ação busca instrumentalizar o zika vírus para promover o aborto, em um claro atentado contra o direito à vida. 

Reforma trabalhista

Mais de um ano após a entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), vários pontos da legislação estão sob contestação judicial. No ano passado, o STF confirmou dois pontos centrais da reforma: o fim da contribuição sindical obrigatória e a terceirização para atividades-fim. Mas outros aguardam uma definição judicial para que a legislação possa ser aplicada com segurança jurídica. 

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Entre as pendências estão ações que questionam a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, criado na reforma trabalhista do governo Temer. Em junho, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou no processo e defendeu a constitucionalidade do trabalho intermitente. 

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5950), a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) argumenta que o novo modelo coloca o trabalhador à disposição do empregador e recebendo tão somente pelo período efetivamente trabalhado, contrariando o previsto no artigo 4º da CLT, levando à “precarização do emprego”, com redução de direitos sociais e ofensa aos direitos fundamentais. 

O tema será analisado pelo STF em junho.

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