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O procurador regional da República Blal Dalloul, candidato à Procuradoria-Geral da República (PGR).
O procurador regional da República Blal Dalloul, candidato à Procuradoria-Geral da República (PGR).| Foto: Mohamed Dalloul/Divulgação

Membro da carreira desde 1996, o procurador regional da República Blal Yasine Dalloul, sul-mato-grossense de Campo Grande, evita bolas divididas. Inscrito para concorrer à lista tríplice organizada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) desde 2001, e seguida por todos os presidentes na escolha do titular da Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2003, Dalloul lançou sua candidatura com o mote “Um PGR para unir o MPF”.

Entrevistado pela Gazeta do Povo, o atual titular do ofício criminal da Procuradoria Regional da República da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), destacou a necessidade de quadros conciliadores e de lideranças que dialoguem com toda a carreira. Na maioria dos temas, Dalloul evita fechar questão ou opinar sobre aquilo para que outro colega já tenha dado um parecer em nome do Ministério Público Federal (MPF), instituição que o PGR chefia além do Ministério Público Militar (MPM), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

A opção reflete a preocupação que Dalloul mais expressou durante toda a conversa: conciliar a independência funcional dos membros da carreira com a unidade da instituição. A Constituição e a lei garantem total liberdade a todos os procuradores para moverem as ações de seu ofício conforme seu entendimento da lei, mas a instituição tem Câmaras de Coordenação e Revisão responsáveis por “promover a integração e a coordenação”, dos órgãos que trabalham em um mesmo tema. O desafio é equilibrar as duas coisas: são cerca de 1.300 procuradores na ativa, mesmo número habilitado para votar na lista tríplice.

“Quando sai qualquer nota técnica que não reflete bem o que a instituição pensa, de forma madura, essa nota tem tudo para ser polêmica: e tudo que é polêmico no MPF não é bom”, diz o procurador, que foi secretário-geral na segunda gestão de Rodrigo Janot (2016-2017). “O PGR também tem independência funcional: então, se eu for PGR, vou também tentar conversar e dialogar, mas não tenho dificuldade nenhuma em ser vencido”, afirma.

Embora dê sinais de que não se oporia à legalização do aborto, Dalloul joga a bola para o Congresso. Um de seus projetos para a PGR é, inclusive, fortalecer a Secretaria de Relações Institucionais, destacando um procurador para trabalhar de perto com os parlamentares. O procurador também contemporiza no debate sobre o Escola sem Partido, evita comentar a Reforma Trabalhista e não fecha questão nem sobre a reforma da Previdência, que tem pontos sensíveis para a carreira.

“A alíquota progressiva é muito discutível, você poderia falar também sobre deixar para lei complementar algumas coisas que hoje só tem mudança por reforma constitucional”, diz sobre a atual proposta à mesa.

Há um tema, contudo, em que Dalloul não se acanha: o inquérito sigiloso que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar “fake news” e ataques contra o tribunal, aberto de ofício pelo presidente Dias Toffoli em março deste ano. “Sou totalmente contra o inquérito no STF, pela forma com que ele foi instaurado. Tive o cuidado de estudar o assunto antes de assinar a nota contra o inquérito”, afirma.

A eleição ocorre no dia 18 de junho. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.

O espaço da Gazeta do Povo está aberto a todos os candidatos à PGR. Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Gazeta do Povo: Considerando a percepção de que as ações penais contra políticos com foro privilegiado avançam mais devagar no STF, o senhor tem propostas para dar mais celeridade e eficiência às investigações conduzidas pela PGR?

Blal Dalloul: Trago na minha plataforma [de campanha], e em toda a minha carreira, que celeridade traz segurança. Quando você faz as coisas com celeridade e com fundamentos, você transfere confiança e segurança para tudo. O PGR tem que ser o ícone do MPF, além de ser o chefe de outros ramos. Fui secretário-geral em uma fase difícil [2016-2017], e nossa resposta para colegas e servidores era de três dias, em média. Na minha atuação na Procuradoria Regional da 2ª região, há 18 operações, inclusive casos envolvendo a Lava Jato, no início. Atuei naquele caso da Operação Segurança Pública [deflagrada em 2008, como um desdobramento da investigação da Máfia dos Bingos, no Rio de Janeiro], que envolve o ex-governador Anthony Garotinho [condenado por unanimidade pelo TRF-2], e em todos eles minha celeridade e da equipe foi ponto principal. Na PGR pretendo implementar isso em todas as áreas. Vamos tentar fazer com que o Grupo de Trabalho da Lava Jato da PGR seja tão ou mais ágil que as Forças Tarefas da Lava Jato em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Curitiba, principalmente – além de ter unidade com o trabalho do primeiro grau. Então, eu digo que o Supremo receberá rapidamente todas as manifestações que couberem à PGR.

Qual a posição do senhor sobre a legalização do aborto?

Essa questão envolve diversos direitos fundamentais, direito à vida, dignidade, cidadania, igualdade, saúde. São contrapontos muito importantes para a sociedade brasileira. Quem estiver no Supremo, na PGR, tem que ter a coragem e a atitude de resolver rápido o que afeta toda a sociedade. Pretendo trabalhar com o Parlamento sobre isso, fazer a Secretaria de Relações Institucionais atuar de uma forma muito presente em todos os projetos que digam respeito a nós. A legalização do aborto tem, é claro, as suas condições que são absolutamente compreensíveis, [para] os que defendem. Nós precisamos dar segurança, e aí legalizar. Isso parte de muita discussão. Eu não vou te dizer em qual situação você pode abortar, não vou entrar na questão da concepção da vida. É uma questão que nós teremos que sentar, várias e várias vezes, até para compreender. Sinceramente, acho que a carreira e a sociedade saberem [minha posição] é até importante, mas dizer se sou a favor ou contra seria um pouco temerário e irresponsável. Mas acho que nós temos que discutir sim, é uma questão que precisa ser resolvida. Nós precisamos legalizar? Apenas para refletir: se nós estamos discutindo a legalização, é porque estão acontecendo abortos. Há questões que envolvem segurança, pessoas que vão a postos clandestinos, e acabam perdendo a vida. Como nós vamos resolver? Nós vamos ignorar isso? Fechar a cortina para fingir que o problema não é nosso? Nós temos que discutir, legalizar o que for possível – ou então dizer que não e começar a trabalhar isso.

A princípio, o senhor entende que essa decisão cabe ao Congresso ou vê possível legalizar o aborto por decisão do Judiciário?

Com certeza, cabe ao Congresso, e o MPF deve participar desses debates. Sou defensor de um Parlamento forte. É importante que o Congresso aja com celeridade, mas nós [MPF] temos condição de participar de uma forma ativa, perguntando, divagando, mostrando nossa experiência. Nós temos várias unidades do MPF que estudam esse tema. Essa é nossa colaboração, mas é sem dúvida papel do Congresso.

O senhor enxerga algum ponto inconstitucional na Reforma Trabalhista?

A doutora Raquel [Dodge] já apontou inconstitucionalidades, então vou ter que respeitar a independência funcional da colega. Eu, sendo hoje procurador regional, não vou dizer [o que penso]. Se eu for PGR, posso rediscutir o tema, mas por enquanto é o PGR que fala pela instituição, e ela já disse.

O senhor entende cabível alguma medida jurídica para combater o que se tem chamado de “fake news”?

Sou totalmente contra o inquérito no STF [aberto de ofício pelo presidente Dias Toffoli em março], pela forma com que ele foi instaurado. Tive o cuidado de estudar o assunto antes de assinar a nota contra o inquérito. Nós temos um grupo de apoio na nossa Câmara Criminal, o Grupo de Segurança Criminal, que tem como uma das suas integrantes a brilhante colega Silvana Batini [Cesar Góes]. Conversei com ela sobre isso. No direito eleitoral, a divulgação de boatos é prática ilícita grave, porque compromete o equilíbrio e a lisura do pleito. No direito penal, somente se caracterizar crime: calúnia, difamação e injúria, e até racismo. Então, já há medidas jurídicas contra exageros. Agora, notícias que não configurem essas hipóteses, mas uma mera disseminação de notícias falsas, acho que não há medidas cabíveis, mas precisamos estudar isso. O Marco Civil da Internet já traz também possibilidade de afastar sigilo de dados telemáticos em casos criminosos. Se essas medidas não forem suficientes, sou favorável a fazermos uma legislação mais rígida quanto a isso.

Qual a posição do senhor sobre o tema da doutrinação em sala de aula, na Educação Básica, e sobre o Escola Sem Partido?

Voltamos àquela questão de que o Congresso Nacional é o melhor lugar para discutir isso. Essa questão da Escola Sem Partido nós precisamos debater, sim, de forma franca, para apresentar uma posição institucional. Vou ser bem sincero: a posição do PGR não pode existir nesse caso isoladamente. Mesmo sendo candidato, seria muito fácil, para ir na onda do atual governo, apoiar; ou, para ir na onda do politicamente correto, me posicionar contra. Essa é uma questão que realmente tenho de ouvir as pessoas mais capacitadas. Essa é uma questão sensível, não por ser política, mas por razões sociológicas mesmo. Mas volto a dizer: a questão está colocada no Parlamento, que precisa funcionar. Certamente nós estaremos discutindo lá, pela nossa Secretaria de Relações Institucionais, até formarmos uma opinião.

O senhor entende cabível a restrição, em algum grau, das imunidades parlamentares formais e materiais previstas pela Constituição Federal?

Na imunidade material, há aquelas [restrições] estabelecidas pelo Supremo, que [as opiniões, palavras e votos] têm de ser dentro do parlamento e em matéria relacionada ao mandato. Imunidade formal é a questão da autorização para processar e das condições para se prender o parlamentar. O texto constitucional sendo claro, você tem que cumprir. Falo sobre alguns princípios que são pilares da própria democracia: liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, nossa independência e a imunidade parlamentar, que é uma proteção à discussão política. A questão da independência do Poder Legislativo é muito cara para nós, então a princípio a imunidade é necessária, e você discute o mérito caso a caso. Mas o MPF, de forma geral, precisa ter muita cautela com isso para não ser nem muito ativo e atingir a imunidade parlamentar, nem pecar por omissão, em um caso que não seja imunidade e você acabar não fazendo nada.

O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade na atual proposta de reforma da Previdência?

Sinceramente, não sei responder. A alíquota progressiva é muito discutível, você poderia falar também sobre deixar para lei complementar algumas coisas que hoje só tem mudança por reforma constitucional. Tenho muita esperança, muita certeza, de que o Parlamento corrigirá eventuais flertes com inconstitucionalidades. Sabemos que há uma pressão econômica muito grande, mas a questão jurídica é sempre muito importante. O PGR tem o dever de, existindo alguma questão, fazer o trabalho dele, mas confesso que não estou acompanhando profundamente. Mas essas duas questões me chamam a atenção. O MPF já poderia estar lá discutindo, por isso defendo uma Secretaria de Relações Institucionais forte, com um colega exclusivo e que entenda esses temas todos, para acompanhar e conversar com os parlamentares.

Quais são os perfis que o senhor buscará para os ocupantes dos seguintes cargos: vice-procurador-geral da República, vice-procurador-geral Eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), secretário-geral, e coordenadores de Câmaras de Coordenação e Revisão?

Uma das minhas propostas é o fortalecimento das instâncias de coordenação temática. É importante conjugar unidade [do MPF] e independência funcional. A independência funcional é sagrada, mas você precisa ter em conta a unidade, porque você precisa ter liderança. Minha ideia para PFDC, Corregedoria, Coordenadores de Câmara é ter uma equipe capacitada e que tenha legitimidade perante a carreira. Nessas questões que envolvem cidadania, direitos humanos, além do conhecimento técnico, quem cuida disso precisa ter respaldo dos colegas. O MPF não é do PGR, o PGR é que é do MPF.

Sendo PGR, vou ouvir muito as opiniões de forma geral. O MPF tem que tomar partido a partir de uma opinião sólida, concreta e que consiga unir a classe. Pela minha proposta, a escolha dos coordenadores de câmara vai sentir o que a base pensa: o que os colegas que atuam na área nos 26 estados e no Distrito Federal esperam de uma liderança. Além de ter expertise, uma carreira na área, tem que ter muito diálogo dentro e fora da instituição, inclusive para entender uma política pública da área, que às vezes não é do seu agrado.

Sobre a PFDC, que é formada por uma lista tríplice do Conselho Superior e indicado pelo PGR, tenho compromisso com um perfil que leve em conta a unidade, o diálogo e a união, que são conciliatórios com o perfil de atuação em direitos humanos. É preciso ter um histórico de liderança na temática e capacidade de atuar na pluralidade de pensamentos que norteiam a instituição. Há colegas que pensam de forma contrária sobre temas. Nós temos que tentar defender nossa instituição. A mesma coisa vale para o Vice-Procurador-Geral Eleitoral: expertise na área e liderança. Já o Vice-Procurador-Geral da República hoje é responsável pela área criminal no STJ [Superior Tribunal de Justiça], atuando perante o plenário do STJ. Então, o vice precisa ter um perfil de histórico na área, de serenidade e de saber montar equipes.

O secretário-geral precisa ter perfil de gestão e conhecer profundamente questões oorçamentárias, porque vamos ter problema com a Emenda Constitucional [do Teto de Gastos]. Precisamos saber lidar com isso sem paralisar os trabalhos. Também tem de ter um perfil de liderança, ser técnico sem deixar de ser humanista, e saber motivar a equipe. Quero inclusive descentralizar algumas coisas na Secretaria-Geral, criando algumas outras secretarias, para que possamos trabalhar melhor lá.

Pensando na questão da harmonia entre independência funcional dos membros e unidade da instituição, é corriqueiro que a PFDC solte muitas notas técnicas sobre temas polêmicos, muito rapidamente. O que senhor pensa dessa prática?

Eu vou sair da questão da PFDC, porque ela acaba tratando de temas mais sensíveis. Mas quando você expede uma nota técnica com o timbre da instituição, você tem que parar para pensar: isso atinge o trabalho de algum colega? Isso atinge a percepção do que é justo de algum outro órgão da instituição? Houve conversas? Seria o caso de nota técnica conjunta entre áreas? Uma nota técnica, quando provoca polêmica dentro de casa, como vai ter resultados fora de casa? Se a PDFC pensa de uma determinada maneira, vamos então ter canais para debater rapidamente. Minha proposta fala em “fortalecimento de gestão participativa”.

O PGR, em um caso assim, precisa dialogar: quando o PGR dialoga, outras instâncias dialogam também. Quando sai qualquer nota técnica – seja da PFDC, da área criminal, do PGR – que não reflete bem o que a instituição pensa, de forma madura, essa nota tem tudo para ser polêmica: e tudo que é polêmico no MPF não é bom. Quando sai uma nota técnica, ela precisa ter força e legitimidade, senão cria uma falta de segurança que é ruim. As notas técnicas têm de ser fortalecidas, para ser levadas a sério quando divulgadas, senão se tornam uma coisa banal.

De que forma o senhor pretende institucionalizar esses canais para que o MPF tenha uma opinião mais coordenada ao mesmo tempo em que se respeita a independência funcional dos membros?

Independência funcional todos os colegas têm, não há como tirar. Já vi algumas entrevistas de colegas que acham que a lista [tríplice] só dá problema, mas não dá. A própria Lei Complementar [75/1993, que organiza o Ministério Público] criou áreas temáticas que têm coordenações. Se você fragiliza essas instituições menores dentro da instituição maior, você acaba fragilizando a própria instituição. O PGR também tem independência funcional: então, se eu for PGR, vou também tentar conversar e dialogar, mas não tenho dificuldade nenhuma em ser vencido. Se eu tiver um confronto, vou optar pela unidade, desde que as opiniões contrárias sejam fortes e fundamentadas. Quero uma instituição estável.

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