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| Foto: Christophe Simon/AFP

Um dos ditadores mais brutais da história moderna acaba de falecer. Por mais estranho que pareça, alguns lamentaram sua morte e muitos o elogiaram. Milhões de cubanos que aguardaram com impaciência este momento durante mais de meio século refletirão simplesmente sobre seus crimes e recordarão a dor e o sofrimento que causou.

Por que essa diferença? Porque o engano foi um dos maiores talentos de Fidel Castro e a credulidade é uma das maiores debilidades do mundo. Gênio na criação de mitos, Castro se valeu da sede humana de mitos e heróis. Suas mentiras eram belas e muito sedutoras. Segundo Castro e seus propagandistas, o objetivo da assim chamada revolução não foi criar um estado totalitário repressivo e assegurar que o governaria como um monarca absoluto, mas sim eliminar o analfabetismo, a pobreza, o racismo, as diferenças de classe e todos os demais males conhecidos pela humanidade. Esta mentira audaz se tornou crível graças, em grande medida, ao incessante alarde de Castro sobre a escolaridade e a assistência médica gratuitas, que fizeram que o mito da benevolente revolução utópica fosse irresistível para muitos desfavorecidos do mundo.

Muitos intelectuais, jornalistas e gente esclarecida do primeiro mundo também acreditou no mito – ainda que tenham sido os primeiros a irem para a cadeia ou serem assassinados por Castro em seu próprio reino – e suas suposições adquiriram uma intensidade similar às convicções religiosas. Dizer a esses crentes que Castro prendeu, torturou e assassinou muito mais gente, milhares mais, que qualquer outro ditador latino-americano foi, geralmente, em vão. Sua crueldade bem documentada, embora reconhecida, não muda as coisas porque ele era julgado segundo um aberrante código de ético que escapava à lógica.

Esse desequilíbrio moral kafkiano tinha, sem dúvida, um toque de realismo mágico tão escandalosamente inverossímil como qualquer coisa que Gabriel García Márquez, amigo íntimo de Castro, poderia sonhar. Por exemplo, em 1998, na época em que o ex-presidente do Chile Augusto Pinochet foi preso em Londres por crimes de lesa-humanidade, o autoungido “líder máximo” visitou a Espanha com festa, sem que lhe causassem problemas, mesmo que seus abusos aos direitos humanos tornassem pequenos os de Pinochet.

O que é pior, cada vez que Castro viajava ao exterior, muitos se derretiam diante de sua presença. Em 1995, quando foi a Nova York para falar na ONU, muitos personagens ilustres manobraram tão intensamente para ter a oportunidade de conhecê-lo no apartamento de três andares do magnata Mort Zuckerman, na Quinta Avenida, que a revista Time declarou: “Fidel toma Manhattan!”. Para não ficar para trás, a Newsweek declarou Castro como “A maior atração de Manhattan”. A nenhum membro da elite que se encontrou com Castro nesse dia pareceu importante que em 1962 ele apontara armas nucleares contra suas cabeças.

Se este fosse um mundo justo, seriam postos 13 pontos na lápide de Castro e eles seriam destacados em todos os obituários:

- Converteu Cuba em uma colônia da União Soviética e quase causou um holocausto nuclear.

- Patrocinou o terrorismo como pôde e se aliou com muitos dos piores ditadores da terra.

- Foi responsável por tantas execuções e desaparecimentos em Cuba que é difícil calcular um número preciso.

- Não tolerou oposição alguma e construiu campos de concentração que lotou ao máximo, em um ritmo sem precedentes. Encarcerou um porcentual maior de seu próprio povo do que a maioria dos demais ditadores modernos, entre eles Stálin.

- Aprovou e promoveu a prática da tortura e dos assassinatos extrajudiciais.

- Obrigou ao exílio quase 20% de seus compatriotas, muitos dos quais morreram no mar, sem ser vistos ou contados, enquanto fugiam.

- Reclamou toda propriedade para si mesmo e para seus seguidores, cortou a produção de alimentos e empobreceu a vasta maioria de seu povo.

- Proibiu a iniciativa privada e os sindicatos, eliminou a ampla classe média cubana e converteu os cubanos em escravos do Estado.

- Perseguiu aos homossexuais e tentou erradicar as religiões.

- Censurou todos os meios de expressão e comunicação

- Estabeleceu um sistema escolar fraudulento que doutrinou em vez de educar e criou um sistema de saúde de dois níveis, com assistência médica inferior para a maioria dos cubanos e superior para si mesmo e para sua oligarquia. Depois, sustentou que todas as suas medidas repressivas eram absolutamente necessárias para assegurar a sobrevivência desses projetos de bem estar social ostensivamente “gratuitos”.

- Converteu Cuba em um labirinto de ruínas e estabeleceu uma sociedade de apartheid, em que milhões de visitantes estrangeiros tinham direitos e privilégios que eram vedados a seu povo.

- Nunca se desculpou por seus crimes e nem foi processado por eles.

Em suma, Fidel Castro foi o vivo retrato do Big Brother, personagem do romance de George Orwell “1984”. Então, adeus Big Brother, rei de todos os pesadelos cubanos. E que seu sucessor, o Little Brother, logo abandone o trono sangrento que lhe deixaram.

* Carlos Eire é escritor e Profesor T.L. Riggs de História e Estudos Religiosos na Universidade de Yale.

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