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Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, discursou na Assembleia Geral da ONU nesta quarta-feira (26), em Nova York, EUA | STEPHANIE KEITH/AFP
Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, discursou na Assembleia Geral da ONU nesta quarta-feira (26), em Nova York, EUA| Foto: STEPHANIE KEITH/AFP

A presença do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas era incerta até um dia antes do evento. Ele iria à sede da ONU em Nova York nesta quarta-feira (26) ou desistiria, considerando o risco de “poder ser morto" em solo americano, segundo ele mesmo havia dito na semana anterior? 

Quando surgiram notícias, na manhã de quarta-feira, de que o avião presidencial havia decolado de Caracas, seguiu-se uma enxurrada de especulações. Maduro se encontraria com o presidente Donald Trump e, de alguma forma, desarmaria as crescentes tensões com os Estados Unidos de uma maneira similar ao que ocorreu com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un? 

Trump alimentou esta suposição ao dizer que se encontraria com "qualquer um" quando questionado sobre a chance de uma reunião com Maduro — um dia depois de ter sugerido que o regime venezuelano "poderia ser derrubado muito rapidamente pelos militares". 

Posteriormente a Casa Branca negou que uma reunião ocorreria. Maduro continuava seu trajeto em direção aos EUA e parecia totalmente indiferente aos apelos de seis países - Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru - para que o Tribunal Penal Internacional o investigasse por crimes contra a humanidade. Tuitou um vídeo de si mesmo a bordo do avião, dizendo que pretendia "trazer a verdade" sobre a Venezuela na assembleia geral da ONU, e fez questão de mencionar a companhia de sua esposa, Cilia Flores, que sofreu sanções do governo americano nesta semana

Ao chegar a Nova York, Maduro se encontrou com dois homens que simbolizam relações adversárias com os Estados Unidos: o presidente iraniano, Hassan Rouhani, e o chanceler russo, Sergei Lavrov. Como a Venezuela, os dois países tiveram sanções impostas pelo governo americano.

Lavrov disse a Maduro: "Estamos prontos para oferecer assistência total a todos os seus planos", segundo relatos de agências de notícias russas. E, depois de se encontrar com Rouhani, Maduro afirmou que ambos concordaram “em fortalecer nossos laços de amizade e cooperação na defesa de um mundo multipolar como garantia de paz”.

No palanque da Assembleia Geral da ONU, Maduro não abrandou seu tom ou sua mensagem. A seguir, selecionamos e comentamos os principais trechos de seu discurso.  

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As riquezas da Venezuela 

O discurso: Um dos primeiros momentos do discurso do ditador venezuelano Nicolás Maduro na Assembleia Geral das Nações Unidas foi mostrar o potencial das riquezas venezuelanas: “Possuímos a maior reserva certificada de petróleo do planeta.” 

A realidade: A Venezuela é dona das maiores reservas de petróleo do mundo, segundo a BP, um conglomerado britânico do setor energético. No final do ano passado, elas correspondiam a 303,2 bilhões de barris, o equivalente à produção de quase quatro séculos. 

Só que a produção venezuelana vem caindo. 

Desde que Maduro chegou ao poder, em 2013, a produção sofreu uma queda de 22%, segundo estimativas da BP. O país perdeu o status de maior produtor na América do Sul e Caribe para o Brasil. A situação está se deteriorando a cada dia. A PDVSA, a petrolífera venezuelana, sofre com a falta de manutenção nos equipamentos, a fuga de pessoal qualificado e roubos de material. 

Francisco Monaldi, especialista em petróleo e pesquisador da Universidade Rice (EUA), aponta que dos 1,3 milhão de barris bombeados diariamente pela PDVSA, apenas 400 mil geram receita para a estatal. E a produção, desde que o chavismo chegou ao poder, em 1993, caiu a um sexto do total. 

Crise migratória 

O discurso: Segundo Maduro, pretende-se minimizar a crise migratória da Líbia, da Síria e de países da América Central, e, em relação à Venezuela, se pretende implantar uma campanha de crise para justificar ações contra o povo venezuelano. Para ele, o objetivo do que chamou de “ataques” do governo americano também é desviar a atenção da “verdadeira crise”, entre os países do Sul, “o muro de divisões entre nosso povo”. Assim como tirar o foco da política migratória conduzida pelo governo americano e que se caracterizou, entre abril e junho, pela separação de pais e filhos flagrados tentando entrar nos EUA pela fronteira com o México. 

A realidade: No início do mês, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet, disse que a migração está aumentando no país. Segundo ela, assim como na Nicarágua, a Venezuela registra "sérias violações de direitos humanos". 

Cerca de 2,3 milhões de pessoas deixaram o país até 1° de julho, o que representa 7% de toda a população, diante de falta de alimentos ou acesso a remédios e saúde, insegurança e perseguição política. Esse movimento está se acelerando

Na primeira semana de agosto, mais de 4 mil venezuelanos por dia entraram no Equador, 50 mil venezuelanos chegaram na Colômbia em um período de três semanas em julho, e 800 venezuelanos por dia estão entrando no Brasil", disse Bachelet. 

“O movimento dessa magnitude é sem precedentes na história recente das Américas e a vulnerabilidade daqueles que deixam o país também aumenta", afirmou, destacando a situação difícil de idosos, mulheres grávidas e crianças". 

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Pressão americana 

O discurso: Acusando os Estados Unidos de tratar o mundo como sua propriedade, ele se queixou de "perseguição econômica" das sanções dos EUA, que impedem o uso de dólares americanos para o comércio internacional, como as vendas de petróleo. Ele citou as reservas de petróleo e ouro da Venezuela como a razão pela qual "as oligarquias do continente dominadas por Washington querem dominar o poder político na Venezuela". 

“A Venezuela é vítima de uma agressão permanente econômica, política, diplomática e midiática por parte do governo americano”, alegou. 

Maduro também falou que há uma pressão midiática para que haja uma intervenção do país e considerou que as sanções aplicadas pelo governo americano são ilegais sob o ponto de vista internacional. Mesmo assim, disse estar disposto a conversar com Trump, apesar das “diferenças históricas, sociológicas e ideológicas”. 

A realidade: Com os oponentes políticos de Maduro sendo presos e a hiperinflação avançando a um ritmo impressionante — 1.000.000%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional —, o governo Trump vem pressionando para que o ditador saia do poder. A maneira como vem fazendo isso é por meio de sanções econômicas ao governo, seus representantes e pessoas próximas. 

Em maio, após a duvidosa votação que reelegeu Maduro, os EUA proibiram a compra ou venda de ativos que pertençam ao governo venezuelano nos EUA, inclusive do Banco Central da Venezuela e da petroleira estatal PDVSA. Nesta semana, novas sanções entraram em vigor, desta vez, contra a esposa do ditador, Cilia Flores, a vice-presidente, Delcy Rodriguez, o ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino Lopez. Maduro já foi alvo de sanções por parte do governo americano em junho de 2017. 

As últimas sanções provavelmente não serão as últimas.O governo americano justifica essas medidas como uma maneira de "apoiar os esforços do povo venezuelano na restauração da democracia" e “restaurar a ordem democrática, recusar a participar de violações dos direitos humanos, denunciar os abusos cometidos pelo governo e combater a corrupção na Venezuela”. 

Atentado contra Maduro e tentativa de golpe 

O discurso: Além de criticar as sanções, Maduro acusou os Estados Unidos de estar por trás de uma suposta tentativa de atentado contra sua vida em 4 de agosto, em Caracas. Segundo ele, os integrantes do complô teriam recebido treinamento nos Estados Unidos e o apoio de diplomatas chilenos, mexicanos e colombianos para facilitar a fuga dos responsáveis. 

Se referiu também a uma reportagem do jornal americano The New York Times que afirmava que o governo de Donald Trump manteve reuniões secretas com militares rebeldes na Venezuela para discutir planos de depor o ditador. 

A realidade: A cortina de fumaça em torno das investigações e a falta de credibilidade do regime venezuelano tornam muito difícil descobrir a verdade sobre o caso. As circunstâncias em que o suposto atentado ocorreu não foram devidamente esclarecidas, mas o que é fato é o aumento da repressão do regime contra a oposição. O caso mais emblemático até agora foi a prisão do deputado federal Juan Requesens. Ele passou uma semana detido sem acesso a um advogado e sem poder ver a família. Enquanto Requesens continua na prisão, outros deputados e líderes políticos foram forçados a saírem do país por também correrem o risco de ir para a cadeia caso voltem à terra natal. De acordo com o ministro das Comunicações da Venezuela, Jorge Rodríguez, 28 pessoas foram presas por envolvimento no suposto ataque. 

Apesar disso, recentes comentários do presidente americano reforçam a teoria de Maduro, de que os Estados Unidos têm interesse de tirá-lo do poder, nem que seja à força. Na quarta-feira de manhã, mesmo quando Trump disse que se encontraria com "qualquer um, sempre que eu puder [salvar] vidas, ajudar pessoas", ele reiterou que "todas as opções estão na mesa, cada uma. As fortes e as menos fortes — e você sabe o que quero dizer com forte”, referindo-se a uma intervenção militar na Venezuela. 

Além disso, o presidente da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, disse que a intervenção militar na Venezuela não deve ser descartada. Embora mais tarde ele tenha suavizado o tom ao falar sobre uma crescente frustração entre especialistas e observadores em trazer mudanças para a Venezuela por meio de sanções e pressão diplomática. 

Apesar das alegações de Maduro de uma conspiração dos EUA contra sua nação, ele há muito expressou sua vontade de encontrar-se com Trump, particularmente depois de ver Trump mudar seu discurso em relação ao ditador da Coreia do norte, Kim Jong-un no decorrer deste ano. Em um evento público na segunda-feira, Maduro disse: "Acho que se o presidente Donald Trump e eu conversarmos, vamos nos entender. Espero que um dia [isso ocorra]. Já vi milagres nesta vida". 

Consolidação da democracia e recuperação econômica 

O discurso: Segundo o ditador Nicolás Maduro, está havendo uma demonização da Revolução Bolivariana, implantada por Hugo Chávez. “A Venezuela está consolidando a sua democracia e empoderando seu povo”. Ele também aponta que a economia está se recuperando. “Os últimos três anos tem sido difíceis. Estamos de pé, vitoriosos para construir a Revolução Socialista do Século 21”. 

A realidade: Em agosto, Maduro anunciou um novo plano econômico para conter a inflação, que deve chegar a 1.000.000% em 2018: elevou o salário mínimo em mais de 3.000% e desvalorizou o bolívar forte em mais de 90% ao cortar cinco zeros da moeda e criar o bolívar soberano. Mas, de acordo com analistas, o plano não conseguirá resolver os problemas fundamentais que causam a inflação, que são a cunhagem de bolívares, o colapso da produção de petróleo e a completa falta de confiança no governo. Um dos primeiros sinais de que a reforma econômica não deu certo foi o fechamento de vários estabelecimentos comerciais que não conseguiram implementar o aumento salarial ditado pelo regime. 

A situação econômica da Venezuela começou a se deteriorar há muito mais tempo. Um dos principais fatores que contribuiu para que o país chegasse a essa situação desastrosa foi a desestruturação do setor produtivo. "Nos últimos 18 anos, o Estado venezuelano se dedicou a adquirir, por diferentes métodos, um importante número de empresas. A expropriação foi um desses métodos de aquisição usado em empresas de setores como cimento e café, de onde se chegou ao monopólio”, aponta a ONG Transparencia Venezuela. Atualmente, 526 empresas estão sob o controle do governo da Venezuela. Três em cada quatro empresas estatais surgiram (sendo criadas, expropriadas ou confiscadas) durante os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. 

Dados públicos mostram o impacto que isso causou no setor produtivo. Segundo o Ministério da Alimentação, em 2005, 63,9% dos alimentos comprados pelo governo venezuelano eram de origem interna. Dez anos depois – último dado disponível – esse percentual tinha caído para 9,97%. Desde 2016, o aparato de produção e distribuição de alimentos está nas mãos do Ministério da Defesa.

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