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Estudante chinês de doutorado faz pesquisa com mosca das frutas em um laboratório de Pequim | Yan Cong/The Washington Post
Estudante chinês de doutorado faz pesquisa com mosca das frutas em um laboratório de Pequim| Foto: Yan Cong/The Washington Post

Assim como muitos jovens cientistas ambiciosos, José Pastor-Pareja foi para os Estados Unidos para dar um impulso à sua carreira. Na Universidade de Yale, ele trabalhou em laboratórios com tecnologia de ponta, colaborou com especialistas em seu campo de atuação e publicou artigos em prestigiosas publicações científicas.

Mas o encanto pelos Estados Unidos começou a desaparecer. O geneticista espanhol lutou para renovar seu visto e foi detido por duas horas para interrogatório em um aeroporto de Nova York após uma viagem para fora do país. Em 2012, ele tomou a surpreendente decisão de deixar seu cargo de pesquisador em uma das principais universidades americanas e se mudou para a China, 

“É uma oportunidade que muitos não tomam”, disse Pastor-Pareja. Mas as vantagens oferecidas foram irresistíveis – um lucrativo bônus ao assinar o contrato, recursos garantidos para a realização de pesquisas, uma ampla equipe técnica e a oportunidade de montar um centro de pesquisa genética do zero. 

Política de incentivos

Após décadas de domínio americano, a ciência está em ascensão na China, e está atraindo cientistas, como Pastor-Pareja, dos Estados Unidos. E cientistas nascidos na China estão voltando ao seu país de origem para uma terra de novas oportunidades científicas. Os Estados Unidos gastam US$ 500 bilhões por ano em pesquisas científicas, mais do que qualquer país no mundo. Mas a China saltou para a segunda posição, a União Europeia em terceira, e o Japão em um distante quarto lugar. 

China está a caminho de ultrapassar os Estados Unidos. A previsão é que isso aconteça no final deste ano, de acordo com o National Science Board. Em 2016, o número de publicações científicas da China superou a dos Estados Unidos pela primeira vez na história. 

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“Parece haver uma mudança radical na forma como as pessoas falam sobre a ciência chinesa”, diz Alana Krolikowski, uma especialista no assunto na Universidade de Ciência e Tecnologia do Missouri. Observadores estrangeiros estão muito impressionados pelo que as políticas chinesas tem conseguido. 

Os avanços científicos são apenas uma pequena parte das grandes ambições chinesas. O presidente Xi Jinping pretende superar os Estados Unidos como superpotência em três anos. 

A China está gastando mais em infraestrutura do que os Estados Unidos ou a Europa. A classe média do país está em expansão, fazendo com que o realocamento dos cientistas seja mais atraente.  Pastor-Pareja diz que:

Cada vez mais pessoas estão chegando. Agora, a China é o melhor lugar no mundo para  um cientista criar seu próprio laboratório.

Sob o governo Trump, muitos pesquisadores americanos dizem que seu trabalho foi desvalorizado, ameaçado por cortes no orçamento e dificultado pelas políticas mais rígidas de imigração, que podem dissuadir as colaborações internacionais e a chegada de talentos que tem impulsionado, durante muito tempo, a inovação norte-americana. 

“Os Estados Unidos está em uma situação problemática por duas razões”, disse Denis Simon, que tem estudado a ciência chinesa por mais de 40 anos e é o vice-chanceler executivo da Universidade Duke Kunshan. Segundo ele, a falta de um assessor científico, há mais de um ano, na Casa Branca, é sinônimo de falta de liderança política. E a colaboração entre cientistas americanos e chineses está ameaçada, afirmou complementa.

As recentes restrições para a liberação de vistos funcionou como um recado para os estudantes chineses nos Estados Unidos: “é hora de ir para casa quando você terminar sua graduação.” Desde 1979, China e Estados Unidos tem mantido um acordo bilateral de cooperação para estudar, em conjunto, áreas como a biomedicina e a física. No passado, o acordo foi assinado como um assunto rotineiro, disse Simon. “Mas não é mais o caso.” 

O geneticista espanhol Jose Pastor-Pareja trocou uma das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos pela oportinidade de montar um centro de pesquisa genética na ChinaYan CongFor The Washington Post

Pastor-Pareja, o geneticista que trocou Yale por Pequim, especializou-se em estudos de biologia celular, usando a mosca da fruta. Esta área está dificuldades nos Estados Unidos, diz ele, devido à queda no volume de recursos. “Na China, há, somente em Pequim, 30 laboratórios que utilizam a mosca da fruta nas pesquisas.” É mais do que em Boston e San Francisco. Os cientistas começaram a se encontrar a cada mês para compartilhar seus trabalhos. 

“Neste ritmo, a China irá eclipsar logo os Estados Unidos”, disse o senador Bill Nelson, durante uma audiência no Congresso sobre a situação científica nos Estados Unidos. “Nós perderemos a vantagem competitiva que nos fez a economia mais poderosa do mundo.” 

Busca por vantagens estratégicas

A florescente corrida científica é muito importante para os líderes chineses, em parte devido ao que é dito sobre a crescente posição global do país. Nos últimos anos, o governo tem investido em iniciativas científicas para obter vantagens estratégicas.  China tem 202 dos 500 supercomputadores mais poderosos do mundo. O maior radiotelescópio construído, que busca buracos negros distantes, está localizado na província de Guizhou, no sul do país; 

O presidente Donald Trump tem direcionado a NASA para retomar as missões com astronautas para a Lua. Mas ela poderá estar lotada quando os americanos chegarem: tanto a China quanto a Índia estão planejando lançar espaçonaves para a Lua ainda neste ano. A China está colaborando com a Agência Espacial Europeia. 

No ano passado, cientistas chineses produziram fótons entrelaçados em um satélite em órbita a 482 km de altura. As partículas foram enviadas à Terra, a 1,2 mil km de distância e permaneceram ligadas, o que, potencialmente, pode ser um passo em direção a uma nova forma instantânea e segura de comunicação.

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Também no ano passado, biólogos chineses foram os primeiros a clonar, com sucesso, um macaco, usando as mesmas técnicas que permitiram criar a ovelha Dolly. Primatas geneticamente idênticos, apontam seus criadores, poderia acelerar as pesquisas médicas porque os efeitos de qualquer remédio testado poderiam ser atribuídos ao tratamento e não às diferenças genéticas. 

As lideranças chinesas recentemente revelaram os planos de se tornar o líder mundial em inteligência artificial, com o objetivo de converter esse campo de estudo em uma indústria de US$ 150 bihões em 2030. O auge da inteligência artificial da China já levou ao reconhecimento facial avançado. Em um restaurante da KFC, em Hangzhou (Leste), por exemplo, os consumidores podem pagar o frango frito usando uma máquina que escaneia seus rostos. Baidu, o gigantesco motor de busca chinês na internet, planeja fechar uma parceria com um aeroporto para usar o reconhecimento facial como forma de identificar passageiros de companhias aéreas. 

Grandes avanços

Os recentes avanços científicos são notáveis, considerando a tensa história chinesa. A comunidade científica foi devastada durante a Revolução Cultural (1966-1976), quando os acadêmicos foram denunciados como contrarrevolucionários e universidades foram fechadas, impedindo pesquisas e treinamento científico. 

Apenas com a morte de Mao Tse-tung, em 1976, é que a comunidade científica voltou a crescer. Nas décadas seguintes, a China resolveu enfrentar a situação de atraso com um método implementado pelo autoritário Partido Comunista: planejamento estratégico e de cima para baixo. 

No começo do século 21, os lideres partidários apresentaram um audacioso plano de destinar, ao longo de 15 anos, o equivalente a 2,5% do PIB chinês para pesquisa e desenvolvimento científico até 2020. Eles estabeleceram regras que exigiam que as companhias do Ocidente, interessadas em conquistar o mercado chinês, compartilhassem tecnologia com seus parceiros naquele país. E, de acordo com os Estados Unidos, agências de inteligência e militares chineses roubaram pesquisas de empresas americanas da área de tecnologia. 

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Em 2015, Li Keqiang, o primeiro ministro chinês anunciou o programa Made in China 2025, destinado a estimular segmentos como aviação, robótica e outros segmentos de alta tecnologia. Ela se tornou um ponto chave nas tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, quando o governo Trump propôs tarifas que miram essas indústrias. 

Dentro da comunidade científica, um dos planos mais bem-sucedidos da China tem sido um programa agressivo de recrutamento chamado Mil Talentos.  Na década passada, o tinha como alvo chineses que tinham estudado em universidades de elite nos Estados Unidos e outros lugares. Ele atraiu esses especialistas formados no estrangeiro oferecendo-lhes dinheiro.

Atração de talentos

O programa também buscou um número de cientistas nascidos no exterior que ganharam prêmios de prestígio ou fizeram contribuições científicas reconhecidas internacionalmente.  Um dos recrutados, o químico americano Jay Siegel, tornou-se decano da Escola de Ciência e Tecnologia Farmacêutica da Universidade de Tianjin. Ele encorajou Fraser Stoddart, da Northwestern University, que ganhou o Nobel de Química em 2006, para montar um laboratório em Tianjin como professor visitante. 

“Quando o programa surgiu em 2008, foi o momento oportuno por causa da crise econômica global”, disse Cong Cao, que estuda a política científica chinesa na Universidade de Nottingham em Ningbo. “Foi algo bem sucedido. O programa quase se superou.” 

O programa atraiu mais de 7 mil cientistas e empreendedores à China, aponta o governo. Eles receberam um bônus de US$ 160 mil e o governo frequentemente garantiu recursos de pesquisa para os próximos anos. Cientistas estrangeiros receberam outros benefícios como subsídios para moradia, alimentação e mudança, bônus adicionais de governos provinciais, emprego garantido para os cônjuges e viagens regulares para o local de origem. 

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A crescente atração chinesa por pesquisadores ficou evidente quando a Duke University decidiu abrir uma universidade e um centro de pesquisas com a Unversidade de Wuhan, em 2013. “Estávamos à procura de 20 pessoas. Recebemos 1.300 currículos”, disse Dennis Simon, da Universidade Duke Kunshan. “Pessoas de todo o mundo manifestaram interesse.” 

Ao mesmo tempo, a China vem aumentando a quantidade e a qualidade dos talentos nacionais. Segundo estatísticas da Fundação Científica Nacional, a China vem se aproximado dos Estados Unidos em número de doutorados por ano em ciência e engenharia. São 34 mil na China contra 40 mil nos Estados Unidos. 

Uma das principais estrelas da ciência chinesas é Zhao Bowen, que abandonou o ensino médio para começar a dirigir um laboratório de genética. Aos 25 anos, Zhao lançou uma start-up biomédica focada na pesquisa de microbiomas e escolheu instalá-la em Pequim, ao invés de outro lugar no mundo. 

“Os Estados Unidos costumavam ser os melhores da pesquisa científica fundamental”, disse Zhao. Ele explicou que os EUA ainda podem liderar em educação e pesquisa, mas para empreendedores como ele, a China oferece não só custos baixos para as startups, mas também dinheiro que pode ser injetado a partir de institutos de pesquisa estatais. 

Entre 2000 e 2015, os gastos com pesquisa nos Estados Unidos aumentaram ao ritmo de 4% ao ano. No mesmo período, os da China aumentaram 18%.

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