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O conselheiro especial da Casa Branca Robert Mueller acusou recentemente 12 pessoas, alegando que agentes da inteligência russa tentaram manipular, em 2016, a votação em favor de Donald Trump ao hackear importantes líderes democratas durante a campanha presidencial nos Estados Unidos. 

A investigação Trump-Rússia expôs falhas no sistema democrático americano, tanto que, segundo especialistas, as pessoas agora duvidam não apenas da legitimidade do governo Trump, mas também dos próprios alicerces das instituições políticas do país. 

Segundo uma pesquisa de opinião da Brown University em julho de 2018, só 16% dos americanos acreditam realmente que o seu voto é importante. Apenas 4% acham que o governo ouve a opinião das pessoas. 

As notícias da intromissão da Rússia nas eleições podem ter inflamado o sentimento antigoverno, mas o ceticismo sobre a democracia americana não é um fenômeno novo. 

Faço parte de uma equipe de acadêmicos da Universidade de Maryland em Baltimore, que estuda o apoio popular americano à democracia ao longo do tempo. As pesquisas históricas revelam uma insatisfação profunda, duradoura e bipartidária com o governo dos EUA que começou há mais de três décadas. 

Medindo a confiança no governo 

A principal referência nas pesquisas de opinião política é o American National Election Study, conduzido pela Universidade de Stanford, a Universidade de Michigan e a National Sciences Foundation. A cada dois anos, entre 1948 e 2016, a pesquisa tem questionado os americanos sobre sua experiência com a democracia americana. 

Duas perguntas da pesquisa são particularmente úteis para medir o apoio público à democracia. Uma delas questiona os participantes se eles acreditam que "pessoas como eu não têm voz alguma no que o governo faz". Outra pergunta se eles acham que "um bom número de pessoas que dirige o governo é desonesto". 

Para entender como a satisfação com o governo dos EUA mudou nos últimos 65 anos, examinei a porcentagem de republicanos e democratas, em cada ano eleitoral desde 1952, que concordaram com as duas declarações. 

Mudando a percepção pública da democracia 

Os resultados variaram muito ao longo do tempo, aumentando e diminuindo à medida que o público reagia a escândalos políticos, tragédias nacionais e malversação presidencial. 

Na década de 1950, depois que os EUA emergiram triunfantes da Segunda Guerra Mundial, os americanos estavam muito otimistas em relação ao governo. Em 1956, apenas 28% das pessoas sentiam que não tinham voz no governo. Em 1958, apenas um quarto dos americanos via a corrupção pública como um grande problema. 

Esses números refletem uma fé notável na democracia dos EUA, considerando que americanos negros e mulheres - ambos incluídos na pesquisa semestral - ainda estavam excluídos da política. 

Apesar dos ganhos do movimento dos direitos civis e do movimento feminista que marcariam a década seguinte, os anos 1970 foram tão turbulentos que deram origem a uma era de alienação política. 

Em 1974, reagindo à Guerra do Vietnã, ao Watergate e ao perdão do presidente Gerald Ford para um deshonrado Richard Nixon , cerca de 41% dos entrevistados concordaram que não tinham “nada a dizer” na tomada de decisões do governo. Quase metade - 48% - achava que bandidos administravam o governo. 

Infelizmente, o descontentamento com a democracia americana continuou a aumentar nas três décadas seguintes, alcançando o recorde histórico no governo do presidente Bill Clinton. Sua administração começou com uma enxurrada de escândalos. Houve o " Travelgate ", de 1992, quando a Casa Branca demitiu seus planejadores de viagens por má administração de recursos, seguida pela investigação de Whitewater sobre as transações imobiliárias de Hillary Clinton. 

O público americano ficou chocado. Em 1994, 50% dos democratas e 51% dos republicanos pensavam que os funcionários do governo eram em sua maioria corruptos. 

Esses eventos antecederam o caso do presidente Bill Clinton em 1998 com a estagiária Monica Lewinsky , que na verdade parece ter reduzido a antipatia em relação ao presidente. 

Americanos se reúnem em volta da bandeira 

O otimismo em relação à democracia americana ressurgiu para níveis pré-Watergate, ainda que brevemente, após os ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center. Em 2002, apenas 26% dos americanos disseram que não tinham voz no governo. Apenas 28% achavam que a corrupção pública era generalizada. 

Este apoio indiscriminado para o governo depois de um desastre nacional - muitas vezes chamado de efeito “encontro em torno da bandeira” - não duraria muito. 

Em breve, George W. Bush justificaria a invasão do Iraque alegando fraudulentamente que o presidente Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. Em 2008, quando o segundo mandato de Bush terminou, pouco mais da metade dos americanos estavam novamente convencidos sobre a corrupção generalizada do governo. 

Mesmo com Obama tendo popularidade em alta nos primeiros anos do seu governo, a confiança na democracia americana continuou em baixaSAUL LOEBAFP

O ceticismo quanto à democracia americana continuou a crescer durante os primeiros anos de Obama, após a decisão da Suprema Corte, em 2010, que levantou preocupações sobre a influência do dinheiro na política e a crise em torno do ataque terrorista de 2012 ao consulado dos EUA em Benghazi, na Líbia. 

O descontentamento com a democracia é bipartidário 

Pode-se ficar tentado a supor que a resposta a essa ladainha de escândalos tinha natureza partidária, ou seja, que as pessoas reagem negativamente apenas à má-vontade do partido adversário. 

Mas a desconfiança em relação ao governo não é uma questão especificamente partidária, apontam as pesquisas. Nos últimos anos, os democratas e os republicanos muitas vezes diferiram pouco em sua fé no governo. 

Nos últimos dias do governo Bush, 51% dos democratas e 45% dos republicanos expressaram preocupação de que suas vozes não estavam sendo ouvidas. 

Nossas convicções: O valor da democracia

Sob o governo do presidente Barack Obama, 69% dos republicanos pensavam que a maioria dos funcionários públicos era corrupta. Essa era a opinião de 59% dos democratas. 

É mais provável que os democratas sintam que o governo está repleto de subornos e interesses especiais quando um republicano está na Casa Branca e vice-versa. 

Mas nas últimas seis décadas, os republicanos e democratas têm estado bastante alinhados em seus pontos de vista em relação à democracia americana. 

Trump e a insatisfação democrática 

O American National Election Study não será lançado até 2020. 

Ainda não sabemos como a Casa Branca de Trump irá impactar no apoio público ao governo. 

A administração de Trump já está nadando em escândalos. Além do problema da Rússia, superou a renúncia de Scott Pruitt como chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês); ao gosto extravagante em mobiliário do Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Ben Carson; e a supostas violações da família Trump à cláusula que proíbe receber pagamentos de governos estrangeiros. 

Mas as lições dos últimos 66 anos sugerem que escândalos altamente visíveis levam ao crescimento da insatisfação pública com o governo. 

A era Watergate provocou um crescimento recorde na insatisfação coletiva dos americanos com o governo. Esse recorde ainda pode ser quebrado.

*Ian Anson é professor assistente de ciência política da Universidade de Maryland em Baltimore (EUA)

"©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês"

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