O Papa Bento XVI e a chanceler alemã, Angela Merkel, querem que os imigrantes na Europa se esforcem mais para se integrar. Há alguns dias, a chanceler fez um mea-culpa do fracasso das políticas de seu país para a integração de estrangeiros. "O multiculturalismo falhou", disse ela, referindo-se à tese pela qual os imigrantes que se instalaram no país como mão de obra barata, a partir dos anos 60, iriam se assimilar à cultura nacional "por osmose". Não deu certo.
A questão da inadequação social dos estrangeiros na Alemanha veio à tona com a publicação do livro de um ex-membro do banco central alemão, Thilo Sarrazin, que acusa os imigrantes muçulmanos de reduzirem o nível de inteligência do país. Isso poucas semanas após a polêmica expulsão pela França de ciganos romenos e búlgaros.
Bento XVI reprovou a ação do governo Sarkozy, mas, por ocasião do Dia do Imigrante, alertou que eles "também têm o dever de se integrar ao país de acolhimento, respeitando suas leis e a identidade nacional".
O professor de Sociologia da Religião da Universidade italiana de Pádua Vincenzo Pace acredita que o mais inteligente seria ensinar a integração nas escolas, onde há nacionais e imigrantes, para fazer crescer o sentimento de unidade. Ele também diz que "está na moda" acusar a morte do multiculturalismo, ironizando a teorização excessiva do assunto. Leia a entrevista concedida por ele à Gazeta do Povo, por telefone:
O que levou Angela Merkel a dizer que o multiculturalismo falhou na Alemanha?
Bom, algumas semanas antes ela disse que as mesquitas fazem parte do panorama social e religioso da Alemanha, ou seja, algo em contraste com sua declaração, mas o disse provavelmente referindo-se a outros Estados europeus Holanda, parte da Bélgica, Reino Unido que adotaram no passado um modelo de integração fundado no reconhecimento das diferenças culturais e religiosas dos imigrantes, o que não foi praticado na Alemanha. Até 1990, os estrangeiros eram considerados hóspedes temporários. Agora está na moda na Europa essa retórica política polêmica, pela qual se diz que o multiculturalismo "está morto" até quando, não sei.
Por que nesses outros países a integração foi maior?
Eles praticaram o modelo multicultural, que reconhece a existência de comunidades de imigrantes e lhes atribui direitos. Mas na Inglaterra isso também entrou em crise, porque há duas consequências sociais: primeiro, se constrange um indivíduo que, na verdade, não faz parte da comunidade a seguir regras jurídicas, como para se casar, por exemplo. A segunda é que o reconhecimento de diferenças religiosas, como ocorre na Holanda e na Bélgica, fez surgirem bairros que se assemelham a guetos ou enclaves étnicos, que em outros países, como a França, se tentou evitar a todo custo. Na Alemanha, o que fazem é dizer que todos devem se tornar alemães, independente da origem, para ter direitos que fazem parte das liberdades fundamentais, incluindo a religiosa como o de construir um templo muçulmano, hindu etc.
E na Itália, como está a integração?
Muito mal, desde que as políticas passaram a ser influenciadas pelo partido Lega Nord que no início dos anos 90 sonhava com a divisão da Itália em Norte e Sul. Hoje eles pregam que os imigrantes devem ir embora e não reconhecem o direito aos muçulmanos de abrir mesquitas. Medidas muito contraditórias, porque já ultrapassamos 7% de imigrantes. Temos 800 mil crianças nascidas na Itália que não têm o reconhecimento como cidadãos e precisam esperar os 18 anos para ter a cidadania.
Havia uma estratégia de integração antes do governo Berlusconi?
Sim, mas a crise econômica complicou tudo. Aumentou o número de trabalhadores estrangeiros em condição irregular. Antes, pelo menos se falava em integrar concedendo a cidadania, e que tudo que se refere a direitos fundamentais, incluindo a religião, deveria ser regulado por lei. Agora não há lei e ninguém mais no governo fala na reforma da cidadania.
Qual seria a melhor estratégia para integrar os imigrantes?
Uma política mais inteligente deve ser feita com a nova geração. É evidente que o primeiro imigrante a chegar se integra só até um certo ponto. Mas as gerações que nascem na Europa têm uma experiência comum com pessoas de outras origens e frequentam a escola, onde a integração pode ser mais espontânea, menos artificial.
É positivo que os imigrantes reproduzam suas tradições ainda que sejam vistas como ruins pelos ocidentais, como as castas indianas?
O critério deve ser o seguinte: um grupo pode seguir suas próprias regras tranquilamente até um limite. Essas regras não podem, no entanto, contradizer os direitos fundamentais da pessoa, como as castas. Outra coisa que não podemos aceitar são os casamentos arranjados contra a vontade das pessoas.
As tradições devem ser mantidas ou atualizadas?
Em geral o que chamamos de tradição não é imutável. No Brasil vocês têm um exemplo interessante dos italianos que chegaram do Vêneto ao Rio Grande do Sul e mantêm elementos da cultura, mas adaptados ao ambiente. É difícil imaginar que alguém nasça na Europa e não acabe mudando alguns comportamentos.