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Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, foi eleito em  2010 | AKOS STILLERNYT
Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, foi eleito em  2010| Foto: AKOS STILLERNYT

Os líderes mais antigos do partido Fidesz se reuniram às margens do Danúbio, em um prédio conhecido como a Casa Branca húngara, atordoados com o tamanho de sua sorte. Seu partido conservador havia inesperadamente conquistado o poder nas eleições nacionais. A questão agora era como iriam usá-lo.

Vários dos homens pediram cautela. O primeiro ministro eleito, Viktor Orban, no entanto, discordou. O resultado das eleições, segundo ele, havia lhe dado o direito de realizar uma reforma radical na constituição do país. 

Orban ganhou a discussão. 

As reuniões privadas, relatadas por duas pessoas que estavam na sala e por um terceiro que foi informado sobre o que se falou no momento, aconteceram no começo de maio de 2010. Quase oito anos depois, Orban refez o sistema político húngaro. E a Hungria, que já foi louvada por como um dos principais países democráticos da Europa Oriental do pós-socialismo, agora é considerada um democracia em declínio acentuado. 

Por meio de decretos legislativos e força de vontade, Orban transformou o país em uma estufa política para um tipo estranho de autocracia suave, combinando capitalismo clientelístico e retórica nacionalista com uma cultura política de partido único. Ele conseguiu fazer isso ao mesmo tempo em que a Hungria permanecia como país membro da União Europeia e recebia bilhões de dólares do bloco. As autoridades da União Europeia pouco fizeram enquanto Orban transformava o país no que ele chama de "democracia limitada". 

Agora, Orban vem desafiando diretamente os países que há tempos dominam o bloco europeu, prevendo que 2018 será "um ano de grandes batalhas". Em casa, está forçando a aprovação de uma nova lei, agora para impor penalidades financeiras a grupos da sociedade civil que ajudam imigrantes. Em grande maioria, suas posições na política doméstica não são contestadas, em parte por causa das mudanças que fez no sistema eleitoral; Orban tem quase certeza de que vai ganhar mais um mandato nas eleições de abril. 

Ele argumenta que o consenso liberal da Europa no pós-guerra "está no fim" – e sua visão vem sendo imitada na vizinha Polônia, enquanto sua influência pode ser sentida em outros lugares da Europa do Leste e Central.

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Em 2016, Orban se tornou o primeiro líder do ocidente a endossar o candidato republicano dos EUA, Donald Trump. O que ele está fazendo na Europa é visto como parte de um declínio mais amplo da democracia no mundo. 

"Orban é o pioneiro em um novo modelo de governo de partido único que se espalhou pela Europa Oriental, mas que não deve seguir rumo ao oeste porque a sociedade civil, as instituições independentes e a lei são muito fortes na Europa Ocidental", explica Michael Ignatieff, presidente e reitor da Universidade do Centro Europeu, uma escola norte-americana de Budapeste, que Orban tentou fechar. Ele afirma, no entanto, que "se o conflito entre as democracias liberais do Oeste e os partidos únicos do Leste não puder ser resolvido, ele pode acabar dividindo a União Europeia". 

Zoltan Kovacs, porta-voz do governo húngaro e o único oficial atual que concordou em falar sem ser de forma anônima para esta reportagem, defendeu as ações de Orban como um esforço determinado "para se livrar dos restos do comunismo que ainda estão conosco não apenas em termos das instituições, mas em termos de mentalidade". 

Não há como negar que Orban é popular entre muitos húngaros, e pesquisas recentes mostram que quase 50 por cento de eleitores que já se decidiram apoiam o Fidesz. Uma oposição fraca e dividida o ajuda, assim como uma mídia bastante dócil. 

 Assalto legislativo

Para entender como Orban reformulou a Hungria, é preciso começar pensando nos encontros de 2010. O Fidesz havia acabado de ganhar as eleições nacionais com uma margem que qualificava o partido para mais de dois terços dos assentos no Parlamento, mesmo tendo ganhado por apenas uma pequena maioria dos votos. Os líderes do partido tinham um mandato. Em que extensão, porém, eles poderiam utilizá-lo de maneira legítima? 

Semanas depois, Orban e seus tenentes começaram um assalto legislativo à constituição húngara, restringindo a sociedade civil e, mais secretamente, desviando bilhões de euros da União Europeia e de dinheiro federal para seus aliados leais. 

Primeiro, se moveram simultaneamente para conter a mídia e o judiciário húngaro. Depois, veio a erosão das inspeções e dos controles do país, que ajudaram Orban a compartilhar os despojos do poder com amigos próximos e empresários importantes. 

Então, aconteceu a reestruturação do sistema eleitoral húngaro, incluindo um redesenho do mapa das eleições, que ajudou Orban a se manter no poder, mesmo com seu partido conseguindo um número menor de votos.  

"A lei eleitoral não tem características democráticas e, portanto, a Hungria não é mais um país democrático", afirma Imre Voros, membro fundador da corte constitucional húngara. 

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Instituições sob smeaça 

Ao assumir seu posto em 29 de maio de 2010, Orban reestruturou o quadro institucional da Hungria com tanta rapidez que até mesmo os legisladores do Fidesz ficaram atordoados. Durante os cinco anos seguintes, o partido usou sua maioria de dois terços no Parlamento para passar mais de mil leis, a maioria promulgada depois de apenas algumas horas de debate.  

O legislador socialista Gergely Barandy se lembra de ter sido questionado por um colega do Fidesz, em outubro de 2011, sobre uma proposta que impedia suspeitos de crime de falar com advogados nas primeiras 48 horas de sua detenção.  

Barandy diz que um legislador do Fidesz, chocado, perguntou a ele: "Você viu essa lei?" 

"Sim, vi. E você sabia que foi você mesmo que a apresentou?", respondeu Barandy. 

O grupo de observação Freedom House classificou o ataque que as novas leis representaram na democracia húngara como um dos mais fortes da Europa Oriental após o fim da União Soviética. 

Durante a transição democrática da Hungria, uma corte constitucional foi criada para proteger os direitos fundamentais e defender o Estado de direito. 

O Fidesz, no entanto, votou por tomar completamente o poder de escolher os candidatos dessa corte. Oito anos depois, ela é totalmente formada por juízes apontados durante o mandato do Fidesz. E a vasta maioria normalmente vota a favor do governo, segundo uma pesquisa publicada pela Universidade do Wisconsin. 

Quando a corte constitucional derrubou as leis do Fidesz que, entre outras coisas, criminalizava o ato de ser sem-teto, o Parlamento alterou a constituição para incluir a maioria das leis que a corte havia rejeitado. 

E não ter um lar voltou a ser crime na Hungria.  

"A dança do pavão" 

Orban conseguiu acumular tanto poder em Budapeste em parte porque enfrentou pouca oposição efetiva de Bruxelas, a sede da União Europeia, fundada nos princípios do Estado de direito e da democracia liberal.  

A revisão constitucional de Orban rapidamente chamou a atenção da Comissão Europeia, o ramo executivo do bloco. A comissária de justiça europeia na época, Viviane Reding, conseguiu algumas concessões de Orban em certos assuntos, mas a maior parte das decisões da comissão teve pouco efeito prático no quadro geral.  

O principal problema foi que os fundadores da União Europeia nunca consideraram a possibilidade de que um estado membro fosse retroceder, e não criaram procedimentos para lidar de maneira conclusiva com o acontecimento, afirma Reding. 

A "opção nuclear" – suspender o direito de voto da Hungria – foi considerada muito drástica para a situação. Desde então, Orban vem alegando que enganou as autoridades europeias para que acreditassem que havia feito mudanças importantes, mesmo que a maioria tenha sido apenas cosmética, uma tática que ele descreveu como a "dança do pavão". 

"Todas as características na superfície são de uma democracia. Mas, por trás dela, está apenas um partido e apenas uma verdade" afirmou Zoltan Illes, legislador do Fidesz de 2010 a 2014, que desde então se tornou crítico do governo. 

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