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Jauri Conrado Rodrigues, 79 anos, mostra com orgulho o diploma do Nobel da Paz cuidadosamente emoldurado | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Jauri Conrado Rodrigues, 79 anos, mostra com orgulho o diploma do Nobel da Paz cuidadosamente emoldurado| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Durante uma década, as tropas brasileiras tiveram papel decisivo para que o Oriente Médio vivesse lampejos de paz. De 1957 a 1967, a missão formada por jovens na faixa dos 20 anos teve a responsabilidade de pacificar uma região instável tomada por conflitos bélicos. A tensão pairava sobre cada um dos soldados que se encontravam nas proximidades da Faixa de Gaza. Encarando um calor escaldante, tempestades de areia e minas terrestres, os “boinas azuis” patrulharam dia e noite as fronteiras entre Israel e Egito. Duas décadas depois, os integrantes do Batalhão Suez ganharam o Prêmio Nobel da Paz, em 1988, ao lado das Forças de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU).

O efetivo brasileiro integrou, ao lado de outras nove nações, a Primeira Força de Emergência das Nações Unidas. O objetivo era manter o cessar fogo e pacificar a localidade. Situação nem um pouco fácil.

Os treinamentos antes de embarcar para o Oriente Médio duravam cerca de um mês e eram realizados, na maior parte dos casos, no 2º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro. No decorrer do conflito, outros quartéis também foram usados para formação, instrução e treinamento de tropas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraná. As primeiras tropas foram enviadas em navios da Marinha e as viagens duravam cerca de 40 dias. Ao longo dos anos, alguns contingentes foram levados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

Além de Israel e Egito, grandes potências, como Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética, tinham interesses sobre a região. Segundo o historiador Fabiano Lopes, autor do livro “Batalhão Suez”, a iminência de um conflito de grandes proporções levou a ONU a tomar alguma atitude. “Havia o sério risco de um confronto nuclear. Decidiu-se formar uma missão de paz para controlar as atividades bélicas na região”, explica.

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A principal causa de desentendimento foi a nacionalização do Canal de Suez pelo Egito em 1956. “A atitude prejudicava os interesses franco-britânicos e restringia a navegação israelense pela passagem”, diz Lopes. O local é ponto estratégico para a economia mundial, fazendo a ligação marítima entre vários países da Ásia, da África e da Europa. 

Em uma década de ação, o Brasil enviou 20 contingentes com cerca de 6,3 mil militares. “Cada grupo permanecia na região na média de um ano”, comenta Lopes. Durante os dez 10 anos, o Batalhão Suez permaneceu em território egípcio. Uma das incumbências dos soldados brasileiros era a vigilância contínua de cerca de 50 quilômetros de fronteira por meio de Postos de Observação – guaritas improvisadas no deserto – para garantir que a tranquilidade reinasse na região. 

O final das operações dos boinas azuis, contudo, foi dramático. Em 1967 eclodiu a Guerra dos Seis Dias. Israel solicitou a retirada das tropas da ONU e invadiu o Egito. Embora tivesse garantido que não começaria a guerra, Israel foi o primeiro a atacar. Em poucas horas, aviões israelenses destruíram Egito e Síria sem tempo para que um único jato árabe decolasse. Ao final, o Egito perdeu a Faixa de Gaza e o deserto do Sinai. A Síria ficou sem as colinas de Golã. 

Mas, problemas de comunicação e a demora na tomada de decisão da ONU geraram desentendimentos quanto à retirada das tropas brasileiras. O Batalhão Suez ficou no meio desse fogo cruzado. Durante dois dias eles tiveram que rastejar pelo chão para não serem atingidos. No episódio, um cabo brasileiro morreu vítima de disparo.

Durante o período em que os boinas azuis estiveram na região, sete soldados brasileiros morreram. Seis em acidentes e um durante ataque entre árabes e israelenses.

Na volta ao Brasil, a grande maioria dos militares que integraram a Força de Paz foi desligada do Exército. Mesmo com experiência internacional e com o contato com novas tecnologias e táticas, eles foram simplesmente lançados na vida civil. Segundo os veteranos, não houve por parte do Exército ou do governo qualquer preocupação em oferecer oportunidades ou assistência aos ex-combatentes.

A crise no Canal de Suez

A crise se iniciou em julho de 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, única ligação entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho e principal escoadouro de petróleo dos países árabes para a Europa. Insatisfeitos, com a decisão, França e Inglaterra decidiram fazer uma intervenção militar na região, com a ajuda de Israel. Em outubro de 1956, Israel invadiu o Sinai, península pertencente ao Egito, e no mês seguinte tropas britânicas e francesas ocuparam a região e assumiram o controle militar sobre o canal.  

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Do outro lado, a União Soviética apoiava o Egito. “França e Inglaterra formaram uma espécie de coalizão com Israel para atacar o Egito. Os Estados Unidos, no entanto, consideraram a ação como um viés colonialista e deram um ultimato que poderia resultar em uma intervenção militar na região”, explica o pesquisador Fabiano Lopes.  

Neste impasse, em plena Guerra Fria, o Conselho de Segurança da ONU exigiu, com os votos favoráveis dos EUA e, inclusive, da União Soviética, a retirada militar da França, Grã-Bretanha e Israel, e enviou a Força Internacional de Paz ao canal, que foi reaberto em 1957.

Histórias de quem esteve no olho do furacão

Jauri Conrado Rodrigues, 79 anos, mostra com orgulho o diploma do Nobel da Paz cuidadosamente emoldurado. Bohdan Denczuk, 10 anos a menos, veste a mesma boina azul que cruzou os desertos do Oriente Médio. Eles são dois dos quase 200 paranaenses que integraram a Batalhão Suez. “É um marco na minha vida”, emociona-se Bohdan.  

Ele e Jauri viveram ao longo da Faixa de Gaza em épocas distintas. Bohdan integrou o 18.º contingente e viajou para lá de avião. A base brasileira já tinha mais estrutura, com pequenas casas que cabiam cerca de 10 militares. Jauri, do 4.º contingente, atravessou o Atlântico de navio e dormia em barracas apertadas de lona.  

O soldado Bohdan era um dos responsáveis por vigiar e manter a segurança de toda a base brasileira. Já o cabo Jauri chegou a ficar na fronteira entre Israel e Egito para garantir a paz na localidade e também cuidou da rede ferroviária onde a ONU fazia o transporte de insumos básicos para as tropas. “A tensão era grande”, conta. 

Embora quase dez anos separem a ida de cada um, ambos viram uma população extremamente pobre, sedenta e faminta. Mesmo que houvesse grupos da ONU que cuidassem dos refugiados, os soldados brasileiros também amoleciam o coração e cediam algumas pratadas de arroz a quem implorava.  

Além disso, os rasantes de aviões israelenses sobre o Egito foram constantes durante toda a década. “Era uma provocação, a gente ficava na patrulha para evitar qualquer coisa”, diz Jauri. A provocação durou até o dia em que a Guerra dos Seis Dias estourou.  

“Tenho o maior orgulho de ter servido ao meu país. É algo que fica para a vida toda”, diz Jauri. Bohdan confessa que não tinha noção de tamanha importância da operação antes de embarcar para o Oriente Médio. “Saber que conseguimos ajudar a pacificar uma região tão complicada, é uma história que carrego para vida toda”, diz.

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