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O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, expulsou de seu Partido | Foto: Lars Hagberg/AFP
O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, expulsou de seu Partido Liberal duas ex-ministras de seu governo | Foto: Lars Hagberg/AFP| Foto: AFP

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou nesta terça-feira (2) que seu partido estava expulsando duas proeminentes líderes femininas – Jody Wilson-Raybould, a estrela em ascensão que até janeiro foi a primeira promotora indígena do Canadá, e Jane Philpott, a respeitada ex-presidente do Conselho do Tesouro – depois que elas questionaram a maneira como ele está respondendo a um escândalo político em seu governo.

Na quarta-feira, Trudeau participou de um evento previamente agendado para jovens mulheres que aspiram a posições de liderança, como os cargos de gabinete que Wilson-Raybould e Philpott ocuparam. Quando ele se dirigiu às mulheres na Câmara dos Comuns do Canadá, cerca de 30 viraram as costas para ele.

"Ele não está agindo como um verdadeiro feminista", disse Deanna Allain, aluna do primeiro ano da Universidade McMaster. "Ele não está valorizando as mulheres na política".

O protesto diz muito sobre o desafio que o primeiro-ministro de 47 anos enfrenta.

O filho fotogênico do ex-primeiro-ministro Pierre Trudeau assumiu o poder em 2015 prometendo uma nova era para o Canadá, na qual o governo seria transparente, as mulheres seriam tratadas com igualdade e o Canadá daria passos dolorosos mas importantes para a reconciliação com as comunidades indígenas. Desde então, ele se transformou em um ícone mundial quanto a esses assuntos.

Partido Liberal perde apoio

Mas agora que ele está em campanha para as eleições nacionais de outubro, o escândalo político que levou seu Partido Liberal a expulsar Wilson-Raybould e Philpott está ameaçando sua imagem entre as pessoas que ele corajosamente prometeu incluir, promover e representar.

Embora seu governo esteja defendendo que a expulsão das duas mulheres seja uma questão de disciplina partidária e que o escândalo seja um mal-entendido, sua maneira de lidar com a crise está levantando dúvidas sobre seu comprometimento com a inclusão – questões que provavelmente o prejudicarão nas eleições.

"O primeiro-ministro sofreu um enorme impacto pessoal em sua marca", disse Nik Nanos, pesquisador canadense.

Entre as eleitoras – um importante eleitorado liberal – Trudeau já desfrutou de 10 a 20 pontos percentuais de vantagem em relação a outros candidatos, disse Nanos. Essa margem encolheu para talvez 5.

"O principal motivador é a decepção", avaliou Nanos.

A controvérsia do governo canadense não começou como uma questão de gênero ou igualdade indígena. Mas é assim que ela está sendo considerada agora. E isso é um desenvolvimento perigoso para os liberais.

O escândalo

No centro do escândalo estão alegações de que Trudeau e seu gabinete pressionaram Wilson-Raybould, quando ela era procuradora-geral, para que ela convencesse promotores a adiar uma acusação contra a SNC-Lavalin, uma empresa de engenharia da província natal de Trudeau, acusada de suborno. Com a recusa dela, eles a rebaixaram a um cargo de gabinete de menor importância.

Em 2015, autoridades canadenses acusaram a empresa de Quebec de pagar propinas para garantir negócios na Líbia de Moammar Gaddafi. No processo diferido, uma ferramenta legal usada por autoridades em vários países, as empresas que são acusadas de crimes podem evitar condenações se admitirem atos ilícitos, pagarem multas e se comprometerem com regras de cumprimento mais estritas.

Saiba mais: Trudeau enfrenta a pior crise de seu governo a poucos meses das eleições

Em fevereiro, Wilson-Raybould disse a um comitê parlamentar que Trudeau, assessores de alto escalão e funcionários do governo a pressionaram de forma inadequada, recorrendo a "ameaças veladas" para levá-la a oferecer tal acordo à empresa.

Em janeiro, Trudeau moveu Wilson-Raybould do cargo de procuradora-geral e ministra da Justiça para ministra de Assuntos de Veteranos, uma ação que foi amplamente vista como um rebaixamento. Ela pedi demissão em fevereiro.

Trudeau e seus assessores negaram qualquer pressão imprópria. Eles dizem que é normal que a equipe do primeiro-ministro discuta assuntos legais com a procuradora-geral.

Se a SNC-Lavalin fosse condenada, a empresa estaria proibida de participar de licitações federais no Canadá por 10 anos. Evitar um julgamento, diz a equipe de Trudeau, significava salvar empregos no Canadá.

Ninguém está alegando que houve corrupção ou que as leis foram quebradas. Mas desde fevereiro, a conversa mudou de um debate sobre a relação entre o executivo e o judiciário, para uma conversa sobre quem realmente detém o poder na sociedade canadense.

Como o caso está prejudicando a imagem de Trudeau

Trudeau, um autoproclamado feminista, montou o primeiro gabinete com o mesmo número de homens e mulheres do Canadá, estocando sua equipe com talentos de fora do establishment de Ottawa – incluindo Wilson-Raybould, uma advogada indígena da Columbia Britânica.

Agora, o relato dela colocou em dúvida o compromisso de Trudeau com os princípios que ele diz defender.

Em seu depoimento, Wilson-Rayb descreveu ser prejudicada e intimidada por um time masculino predominantemente branco. Ela lembrou a seus colegas que o Canadá tinha uma longa história de usar a lei contra comunidades indígenas e disse – com veemência – que ela não seria intimidada.

"Estes são os ensinamentos de meus pais, avós e minha comunidade", disse ela ao comitê de justiça da Câmara dos Comuns.

Depois disso, Philpott renunciou em solidariedade.

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Alguns viam o sexismo ou o racismo na forma como a crise estava sendo tratada e a história era coberta. Depois que Wilson-Raybould se demitiu do gabinete, um artigo da Canadian Press, enviado a membros liberais não identificados, considerava-a pouco cooperativa e egoísta.

"A equipe de Trudeau tentou explicá-lo como 'ela não é um membro da equipe'", disse Priscilla Settee, professora de estudos indígenas e de estudos sobre mulheres e gênero na Universidade de Saskatchewan. "É um argumento que os homens sempre usam contra as mulheres, que elas não sabem jogar em equipe, que elas não entendem como isso funciona."

"Como uma mulher das Primeiras Nações, parece que as coisas só podem ocorrer até onde foram e, então, recaem sobre as grandes estruturas, a dominação política, o colonialismo".

A cientista política da Universidade de Toronto, Sylvia Bashevkin, disse que é tarde demais para os liberais mudarem os líderes antes da eleição de outubro, e é cedo demais para dizer se as mulheres que apoiaram Trudeau na última eleição votarão em um partido diferente desta vez.

Mas ela disse que não há dúvida de que a expulsão de Wilson-Raybould e Philpott do partido poderia prejudicar as perspectivas de Trudeau. Agora que foram expulsas da bancada liberal, a dupla pode se sentir mais inclinada a falar livremente sobre suas experiências no gabinete de Trudeau, desinibidas pelas exigências da lealdade partidária.

"Elas foram martirizadas", concluiu Bashevkin.

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