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Um manifestante acende um morteiro durante confrontos com a polícia na cidade Las Maderas, na Nicarágua, nesta quarta-feira (6) | INTI OCONAFP
Um manifestante acende um morteiro durante confrontos com a polícia na cidade Las Maderas, na Nicarágua, nesta quarta-feira (6)| Foto: INTI OCONAFP

A Nicarágua está passando da crise para uma potencial catástrofe nacional. Há seis semanas surgiram protestos na capital, Manágua, e outras cidades importantes, contra o sufocante regime de 11 anos do ditador Daniel Ortega.

A polícia de Ortega e gangues paramilitares usaram a força e a violência, incluindo munição real disparada contra civis, para acabar com as manifestações. Destemidos, os nicaraguenses encheram as ruas novamente em 30 de maio, em uma marcha anunciada como uma homenagem às mães das dezenas de pessoas mortas durante a repressão anterior. Mais uma vez, esses protestos foram recebidos com tiros; 16 pessoas foram mortas, segundo o Centro de Direitos Humanos da Nicarágua. A contagem total de corpos desde 18 de abril neste país de 6,1 milhões de habitantes chegou agora a 127, de acordo com a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).

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É claro que Ortega há muito tempo perdeu a maior parte do apoio popular que ele já desfrutou, primeiro como líder da revolução sandinista de 1979 e, mais tarde, quando fez um retorno político e conquistou a presidência em 2006. Até pouco tempo atrás, mantinha-se firme no poder, devido ao apoio da Igreja Católica, do Exército, do empresariado e de uma vultosa ajuda financeira e por meio de petróleo que vinha da Venezuela. Instituições fecharam os olhos para a sua cooptação sistemática do judiciário, exército, polícia e legislatura em troca de promessas de estabilidade e crescimento econômico, resultando em abuso de poder e instabilidade política. 

Hoje as barricadas obstruem as ruas em todo o país e uma proposta de diálogo nacional foi interrompida após a mais recente violência governamental. No entanto, Ortega, assim como seus patronos e aliados em Cuba e na Venezuela, se recusa a consertar seus erros, e muito menos a considerar a renúncia, que é o que demanda a população.

Antigos aliados do setor privado da Nicarágua, temendo a guerra civil e a destruição do que era uma economia em crescimento, pediram a Ortega e Rosario Murillo, esposa de Ortega e vice-presidente, que aceitassem um compromisso digno, pelo qual haveria eleições antecipadas e supervisionadas por autoridades eleitorais novas e confiáveis, em vez dos partidários de Ortega que atualmente dominam a máquina eleitoral. Eles se recusaram a fazer isso.

Os exemplos de Cuba e Venezuela indicam que Ortega, de 72 anos, pode sobreviver no poder por tempo suficiente para fraudar a próxima eleição, em 2021, para que Murillo se torne presidente. Como esses outros dois regimes, Ortega mantém a lealdade do aparato militar, policial e de inteligência, e demonstrou que está disposto a derramar sangue em vez de ceder.

Resolução da OEA

Há uma pequena chance de que ele mude de ideia se os democratas da Nicarágua receberem apoio diplomático de países como os Estados Unidos e de organizações como o Grupo de Lima. Entretanto, isso parece estar longe da realidade. Em assembleia realizada em Washington nesta terça-feira (5), a OEA (Organização dos Estados Americanos) aprovou uma resolução branda em relação à situação da Nicarágua e ao regime ditatorial de Ortega.  O documento, que segundo fontes diplomáticas ouvidas pela emissora americana Univision foi elaborado pelos governos dos Estados Unidos e da Nicarágua, é uma “declaração de apoio ao povo da Nicarágua”. Expressa preocupação com os atos de violência que ocorreram no país e que causaram dezenas de mortos e feridos, mas evita culpar o regime pelas dezenas de mortes de manifestantes.

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“Foi uma resolução fraca, a Nicarágua exige uma atenção mais urgente da OEA do que está tendo”, avaliou Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, um centro de estudos de Washington, ao jornal Wall Street Journal.

Antes da aprovação da resolução, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, tinha denunciado Ortega, afirmando que a “polícia e grupos armados controlados pelo governo mataram dezenas, apenas por protestos pacíficos”. Embora a declaração da OEA não tenha demonstrado isso, o embaixador dos EUA na assembleia da OEA, Carlos Trujilo, disse que a administração Trump atribui a violência na Nicarágua ao governo de Ortega.

A resolução declara ainda que a OEA espera acompanhar a situação do país com a criação de um Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes internacional que vai “investigar os eventos com base nas Observações Preliminares da CIDH após sua visita” - segundo o documento, o governo da Nicarágua já aceitou a criação do órgão. Porém, analistas suspeitam que, com isso, Ortega quer apenas ganhar mais tempo para que os protestos percam força. “Lidar com isso através da CIDH significa esquivar-se da responsabilidade”, criticou Shifter em entrevista à Univision. “Ortega os deixou entrar e depois reprimiu [os manifestantes] ainda mais. Ele está zombando”.

A delegação da CIDH visitou a Nicarágua em meados de maio, quando identificou diversos abusos e atos de violência praticados pelo governo, como uso excessivo da força para reprimir opositores, execuções extrajudiciais, torturas, maus-tratos nas prisões, ameaças e violações à liberdade de expressão. Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (6), o presidente da CIDH, o brasileiro Paulo Abrão, afirmou que “há uma instalação cada vez mais progressiva de um grave impacto psicológico e físico na população civil da Nicarágua”. A Comissão prepara um relatório final sobre a visita, o qual será apresentado ao Conselho Permanente da OEA.

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