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O presidente da China, Xi Jinping (THET AUNG / AFP).
O presidente da China, Xi Jinping (THET AUNG / AFP).| Foto: AFP

No fim de semana de 4 de julho, a Marinha da China realizou exercícios militares no Mar da China Meridional, perto de ilhas disputadas sobre as quais Pequim reivindicou soberania econômica. Os Estados Unidos, que, como quase todos os outros países da Terra, rejeitam a reivindicação da China às ilhas, responderam com demonstração de força, enviando dois batalhões de porta-aviões para a área.

O mundo tende a focar com maior intensidade nas manifestações militares visíveis da estratégia regional agressiva da China, como o impasse do fim de semana passado. Mas os fundamentos econômicos da estratégia são igualmente importantes. O Partido Comunista Chinês adotou uma postura voraz e neocolonial em relação aos países pobres do Pacífico Sul e os EUA e seus aliados regionais estão começando a perceber os perigos que essa postura representa.

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O regime do presidente Xi Jingping usa dívidas e pressões correlatas para manipular uma série de países de baixa renda a aceitar as ofertas chinesas. O principal veículo dessa tática é a iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota”, programa de trilhões de dólares destinado a projetar a influência chinesa por meio de uma série de investimentos no exterior. A ideia é investir muito dinheiro chinês em países que não podem se dar ao luxo de recusá-lo e, em seguida, alavancar a dívida resultante para garantir o controle da infraestrutura estratégica nesses países. A iniciativa operou intensamente no Sri Lanka, onde a China agora controla um grande porto estratégico, e no Djibuti, onde controla um porto e uma instalação militar.

Atualmente, a República Popular da China (RPC) está tentando repetir o mesmo padrão no Pacífico Sul. Veja-se Tonga, uma nação polinésia de 106 mil habitantes que abrange um arquipélago de quase 170 ilhas no Pacífico Sul, sendo apenas uma em cada cinco delas povoada. Em 2018, o PIB do país foi de cerca de US$ 450 milhões, ou aproximadamente o que a Universidade do Texas A&M gastou para reformar seu estádio de futebol há alguns anos. É uma nação pequena e empobrecida. É também um dos vários países presos na armadilha diplomática da RPC: Tonga deve à China cerca de US$ 125 milhões, pouco mais de um quarto do total do seu PIB.

A situação de Tonga é exemplo. Em 2006, manifestações antigovernamentais e pró-democracia quase destruíram a capital do país, Nuku‘alofa. Os tumultos culminaram em anos de frustração interna com a família real tonganesa e seu governo capitalista. Depois que a agitação desapareceu, Pequim interveio para “ajudar”. Entre o refinanciamento e os juros, o empréstimo inicial de US$ 65 milhões quase dobrou daté 2018, quando o primeiro-ministro Akilisi Pohiva organizou vários outros países do Pacífico Sul para buscar alívio da dívida com Pequim. Até então, oito países do Pacífico Sul haviam acumulado mais de um bilhão de dólares em dívidas com a China na década anterior.

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Na época, Pohiva expressou preocupação de que o perdão da dívida viesse custar ativos estratégicos, como ocorreu no Sri Lanka e em outros países. No entanto, ele não teve escolha: Tonga acabou ingressando em “Um Cinturão, Uma Rota” em troca de um adiamento de cinco anos da dívida. A China colocou suas garras no país e não há como dizer quais concessões poderão ser extraídas no futuro.

A história foi semelhante em Kiribati, outra cadeia remota de ilhas no Pacífico Sul. Kiribati ocupa 32 atóis que atravessam o Equador e a Linha Internacional de Datas, aproximadamente a metade da distância entre a Austrália e o Havaí. A altitude média de Kiribati é de apenas dois metros acima do nível do mar e a nação, acredita-se, corre o risco de desaparecer no oceano como resultado das mudanças climáticas. O país teria buscado empréstimos de Taiwan para comprar aeronaves comerciais para facilitar as viagens entre os atóis e o desenvolvimento turístico de Kiritimati, o maior atol de corais do mundo. Em setembro de 2019, após a queda de Taiwan, o país entrou nos braços da China. E em janeiro deste ano, seu primeiro ministro, Taneti Maamau, aderiu ao “Um Cinturão, Uma Rota”, em um acordo que daria à China acesso aos principais portos de águas profundas de Kiritimati.

No mesmo mês em que Kiribati encerrou o reconhecimento diplomático de Taiwan e reconheceu a RPC, as Ilhas Salomão, uma pequena nação a nordeste da Austrália, também optaram por fazê-lo. Logo depois, os investidores chineses adquiriram direitos vitalícios às instalações de Gold Ridge Mining das Ilhas Salomão por US$ 865 milhões. Alguns meses depois, no início de 2020, a Reuters informou que o governo do país estava buscando empréstimos de US$ 100 bilhões - 66 vezes o seu PIB de US$ 1,5 bilhão - de “interesses chineses” em Pequim.

Outro caso evidente é Vanuatu, uma cadeia de ilhas ao sul e leste das Ilhas Salomão. Embora Vanuatu tenha fortes laços econômicos e culturais com a Austrália, Nova Zelândia e União Europeia, seu futuro parece cada vez mais dependente de empréstimos de Pequim. Mais da metade de sua dívida nacional de US$ 440 milhões é com a China. A China financiou a construção da maior instalação portuária do Pacífico Sul em Luganville, a segunda maior cidade da cadeia de ilhas. Embora a instalação seja ostensivamente considerada um futuro porto de escala para turistas, o chefe de uma empresa de estivadores local declarou o óbvio para o Sydney Morning Herald em 2018: “Não há muito aqui para realmente animar os passageiros a sair do navio e passear”. A instalação, no entanto, é grande o suficiente para acomodar um porta-aviões, e o governo australiano levantou preocupações sobre a possibilidade de uma futura base naval chinesa.

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O objetivo duplo da diplomacia chinesa de dívida predatória na região é óbvio. Primeiro, como instrumento de força bruta, a dívida permite que Pequim intimide seus pequenos vizinhos a desistir do reconhecimento de Taiwan. Em segundo lugar, permite a Pequim aumentar sua força marítima à medida que continua investindo em uma marinha oceânica, de modo a certificar sua posição no caso de um conflito armado com os EUA.

Embora demore muito tempo até que Pequim tenha força suficiente para vencer esse conflito, a RPC certamente pode tornar a defesa dos interesses dos EUA na região mais cara e difícil. Também pode tornar os aliados regionais dos norte-americanos mais vulneráveis.

Ao mesmo tempo em que lançou sua estratégia de colonialismo de dívida no exterior, Pequim empreendeu uma série de grandes projetos de recuperação maciça de terras em regiões disputadas do Mar da China Meridional, em muitos casos construindo atóis artificiais para, em seguida, alegar propriedade sobre eles e equipá-los com instalações militares. O objetivo é claro: expandindo sua presença no Pacífico, a China espera criar mais pressão nos EUA, aumentando o custo da defesa de Taiwan, cuja absorção é a principal prioridade de Pequim, ao mesmo tempo em que estabelece controle das principais rotas de transporte comercial.

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A boa notícia é que o mundo está lentamente acordando para a ameaça que a agressão da China representa. O tratamento pesado de Pequim em Hong Kong e seu manuseio fraco e desajeitado da pandemia de coronavírus abriram os olhos ao redor do mundo e os líderes ocidentais estão começando a exigir respostas. A pandemia pressionou os mercados emergentes, forçando a RPC a renegociar compromissos de dívida anteriores. Também provocou uma reação doméstica na China, onde a crescente dívida pessoal e empresarial está gerando sentimentos isolacionistas e a sensação de que o governo deve resolver seus diversos problemas internos em vez de avançar com ambiciosas aventuras predatórias no exterior.

Para proteger seus aliados historicamente democráticos no Pacífico Sul, os EUA devem agora seguir o caminho oposto: em vez de recuar em nossos próprios problemas, devemos reunir as instituições e países amantes da liberdade em todo o mundo em torno de um compromisso firme de se opor às tentativas da China de domínio econômico e militar da região.

A China deixou claras suas intenções. Chegou a hora dos EUA fazer o mesmo.

*Therese Shaheen é empresária e CEO da US Asia International. Foi presidente do Instituto Americano do Departamento de Estado em Taiwan de 2002 a 2004.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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