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Um rebelde novato nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) é treinado por um veterano nas montanhas ao norte de Medellin, Colômbia, em 31 de agosto de 2018
Um rebelde novato nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) é treinado por um veterano nas montanhas ao norte de Medellin, Colômbia, em 31 de agosto de 2018. Rebeldes estão se rearmando, a violência está aumentando no campo e o novo governo está hesitando em seu compromisso com o acordo de paz alcançado em setembro de 2016| Foto: Federico Rios Escobar / The New York Times

Depois que o governo colombiano assinou um acordo de paz com o principal grupo rebelde do país, encerrando décadas de guerra e conflito, ambos os lados disseram que uma nova era se iniciava. Mas, dois anos e meio depois que os militantes concordaram em depor suas armas, muitas das promessas feitas não estão sendo cumpridas, e a perspectiva de uma paz verdadeira e duradoura parece pouco certa.

Isto é o que o "The New York Times" descobriu:

– Cerca de três mil militantes voltaram a lutar, ameaçando as bases do acordo.

– Muitos dos milhões de colombianos que viviam em território rebelde ainda aguardam a chegada prometida de estradas, escolas e eletricidade. Essa ajuda governamental para áreas rurais foi uma grande razão para que os rebeldes recuassem.

– Desde que o acordo de paz foi assinado, pelo menos 500 ativistas e líderes comunitários foram mortos e mais de 210 mil pessoas foram deslocadas de suas casas em meio à violência contínua. Esses fatos anulam o principal apelo do acordo: que este traria segurança e estabilidade.

– O presidente Iván Duque, conservador que assumiu o cargo em agosto, expressou ceticismo sobre o acordo e quer alterar um compromisso que foi fundamental para que os rebeldes concordassem em depor suas armas.

O caminho para a paz

A guerra civil de cinco décadas da Colômbia custou pelo menos 220 mil vidas e devastou grandes áreas rurais. Nas regiões rebeldes, os serviços governamentais desapareceram e a infraestrutura desmoronou. Muitos buscaram o negócio das drogas para sobreviver.

Todos os lados foram acusados de atrocidades – sequestros, estupros e execuções sumárias – que criaram rancores profundos em todo o país, mesmo dentro das famílias. Em uma guerra tão profundamente pessoal, encontrar uma saída era um desafio enorme.

Assim, quando o governo e o maior grupo rebelde, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, conhecidas como Farc, chegaram a um acordo de paz em setembro de 2016, depois de anos de negociação, o mundo aplaudiu. Juan Manuel Santos, então presidente da Colômbia, recebeu o Nobel da Paz.

Mas acordos de paz com tal abrangência não são de fácil implementação, e os colombianos sabiam que um caminho assustador vinha pela frente.

O acordo era ambicioso e complexo – com 578 estipulações –, mas pode ser resumido a algumas promessas fundamentais.

Um dos principais objetivos da insurgência das Farc era uma vida melhor para os colombianos rurais. O acordo prevê educação "universal" em áreas do interior do país, desde a pré-escola até o ensino médio, acesso garantido à água potável e subsídios pesados para programas de desenvolvimento em antigos territórios rebeldes.

Os rebeldes, por sua vez, cessariam todas as hostilidades, entregariam suas armas às Nações Unidas e voltariam à vida civil. As Farc poderiam disputar eleições e teriam 10 assentos garantidos no Congresso.

Esperanças que nascem e morrem

Grande parte da guerra foi travada no campo.

O acordo de paz deu esperanças de que as condições que levaram ao conflito poderiam finalmente ser resolvidas. Mas, dois anos depois da assinatura do acordo, uma visita à cidade de Juan José deixou claro que pouco mudou.

A comunidade de oito mil habitantes não recebeu nem mesmo os serviços mais básicos prometidos. Sem água corrente, os moradores ainda são forçados a depender de poços não tratados. Nenhuma escola foi construída nas aldeias vizinhas, apesar das promessas do governo, e muitas crianças nunca viram o interior de uma sala de aula.

A polícia está agora em Juan José, mas nem ela nem os militares chegaram aos vilarejos da região, e novos grupos armados vieram para assumir a vaga deixada pelas Farc.

Emilio Archila, assessor do governo, disse que muitas das maiores promessas de desenvolvimento do acordo – como água e eletricidade – levariam mais de uma década para serem cumpridas, dados os danos impostos às áreas rurais pelo conflito. "Qualquer um que pense que poderíamos resolver essas questões em dois anos não compreende a magnitude do problema", disse ele.

Mas Adam Isacson, analista do Washington Office on Latin America, um grupo de direitos humanos, disse que o governo falhou em agir. "O governo teve a oportunidade de estabelecer o Estado em terras deixadas pelos rebeldes, mas não aproveitou essa chance. Agora há muitos grupos lutando pelo mesmo território."

O dinheiro é um grande obstáculo para cumprir todas as promessas.

Quando o acordo de paz foi assinado, a estimativa de custos era de US$ 45 bilhões para cumprir o prometido durante um período de pelo menos 15 anos. Na época, o governo contava com a receita de uma empresa petrolífera estatal cuja produção gerava quase US$ 100 por barril. Agora, o preço é um terço disso.

Oposição à clemência

Um pilar central do acordo foi a promessa de buscar a verdade sobre o que aconteceu durante o conflito, visando à reconciliação nacional. O acordo estabeleceu a chamada Jurisdição Especial para a Paz – tribunais para ouvir relatos de crimes e abusos.

Dez mil ex-rebeldes e dois mil membros das forças armadas prometeram testemunhar com imunidade: a culpa poderia ser atribuída, mas não haveria prisões, exceto para alguns crimes.

Essa parte do acordo de paz, no entanto, teve uma aceitação difícil para muitos colombianos. Em outubro de 2016, quando tiveram a chance de opinar por meio de um referendo, muitos ficaram chocados com a rejeição. Santos ignorou os eleitores com um acordo revisado que enviou diretamente ao Congresso.

Agora, Duque solicitou uma revisão dos tribunais, chamando-os de complacentes. Algumas pessoas temem que ele possa acabar com todos por completo.

Mas a promessa de que não haveria prisões foi fundamental para que as Farc assinassem o acordo. Seu cancelamento poderia muito bem ser visto como traição.

Passos para a frente, mas poucos

Algumas das promessas feitas nos acordos de paz foram mantidas. Mais de 6.804 combatentes das Farc depuseram suas armas inicialmente e mais de 8.994 delas foram entregues. Até 2017, as Farc haviam se desmobilizado completamente, com exceção de um pequeno grupo dissidente.

Cerca de 23% das 578 disposições do acordo foram plenamente realizadas, de acordo com um estudo recente do Instituto Kroc de Estudos Internacionais da Paz da Universidade de Notre Dame, que está monitorando os acordos.

Mas esse estudo projetou que, apesar do "progresso constante", apenas um terço dos compromissos assumidos no acordo seriam cumpridos no prazo determinado. O resto, diz o estudo, estava ou em um "estado de implementação mínimo" ou ainda não tinha sido iniciado.

"É inegável que o governo não cumpriu muito bem suas promessas, seja a reintegração de antigos combatentes, seja o desenvolvimento agrário ou as reformas políticas", disse Julián Gallo Cubillos, ex-comandante das Farc, que agora é senador. "Houve uma negligência geral."

Uma das maiores falhas está na área de segurança.

Em muitas regiões onde as Farc depuseram as armas, o governo ainda não chegou, quebrando uma promessa fundamental dos acordos. A ilegalidade e a desordem resultantes nas áreas rurais têm se revelado mortais para ativistas colombianos, 252 dos quais foram mortos no ano passado – foram 191 em 2017, de acordo com o Instituto de Estudos para a Paz e o Desenvolvimento da Colômbia.

As Farc disseram em maio que 130 de seus ex-combatentes haviam sido mortos desde a assinatura do acordo de paz. Os ex-rebeldes se queixaram repetidamente de que a desmobilização os deixou indefesos contra as gangues paramilitares que ainda vagueiam pelo interior do país.

Isso levou a um grande retrocesso na paz: os peritos estimam que até três mil militantes estejam novamente armados – número equivalente a mais de 40% daqueles que inicialmente depuseram as armas, incluindo novos recrutas.

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