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Má condução da política econômica levou a Venezuela, do ditador Nicolas Maduro, à hiperinflação | FEDERICO PARRA/AFP
Má condução da política econômica levou a Venezuela, do ditador Nicolas Maduro, à hiperinflação| Foto: FEDERICO PARRA/AFP

Uma caçada ao tesouro por comida, mortes por causa de doenças que podem ser prevenidas e milhares de pessoas fugindo do país: as misérias da Venezuela parecem não ter fim.

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Ainda no domingo (20), enquanto os eleitores iam às urnas, uma pergunta mais importante do que quem irá colocar o país em um rumo melhor passava por suas cabeças: qual é a moeda que os venezuelanos devem usar? O bolívar atacado pela inflação ou o dólar americano? Políticos, intelectuais, ativistas do twitter: quase todos faziam suas apostas. 

O candidato da oposição, Henri Falcon Lara, fez com que a dolarização fosse uma de suas bandeiras de campanha, recrutando Francisco Rodriguez, um economista de Wall Street, e apresentando vídeos cativantes mostrando carteiras dançantes cheias de notas verdes para fixar o tema. Maduro e sua claque denunciaram a ideia como uma manobra para tornar a Venezuela uma colônia dos banqueiros nova-iorquinos e criaram o seu próprio esquema de criptomoedas, o Petro, lastreado no petróleo. 

Sinal de progresso

Talvez esta discussão seja um sinal de progresso: em um país onde o raciocínio mágico passa pela contabilidade, a inflação está chegando aos 13.000% e a moeda está tão desvalorizada que os venezuelanos passaram a pesar ao invés de contar o dinheiro, o dólar passou a ser um substituto não oficial. Por que não fazê-lo oficial? 

“Há a necessidade de algo mais estável. Ao longo da história, as pessoas, espontaneamente, se voltaram a pedras preciosas e ouro”, diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil. 

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Ainda que eliminar a moeda nacional em favor de uma importada esteja longe de ser uma mudança trivial, exige recursos e garantias que o país não tem e não contribui em nada para resolver os profundos problemas da divida externa não paga e o colapso da indústria petrolífera que caracterizam a ruína venezuelana.

“A dolarização pode ser uma estratégia quando um país está indo à bancarrota, mas não é a cura para todos os males”, diz Fraga. 

Caminho histórico

A América Latina passou por esse caminho antes. No final do século passado, muitos países viram suas moedas dereterrem, diante de preços descontrolados, dívida externa crescente e problemas fiscais. Quando a alta inflação se tornava uma hiperinflação, Argentina,Bolívia, Brasil e Peru experimentaram diversos planos de estabilização. Ao invés de dolarizar, eles cortaram zeros de suas moedas, criaram novas moedas, mas as vincularam mais (Argentina) ou menos (Brasil) ao valor do dólar. 

Poucos países no auge de crises econômicas ou mudanças políticas – Panamá, após a independência da Colômbia; El Salvador após a guerra civil e o Equador, enfrentando uma crise bancária e inflação crescente -, adotaram a dolarização, deixando de lado a sua moeda em favor do dólar. Nenhuma delas tentou voltar à moeda original. 

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A dolarização é uma medida drástica. Assim como uma cirurgia bariátrica tenta liberar os pacientes da tentação, a dolarização objetiva restaurar a situação econômica impedindo que os governos imprimam moeda e tenham uma política monetária independente, porque apenas o Federal Reserve (o banco central americano) pode imprimir dólares. 

Analistas, entretanto, alertam que a crise é uma condição, mas não uma determinante de um tratamento de choque bem sucedido. “Uma longa história da instabilidade monetária tem levado a América Latina a experimentar formas extremas de amarrar as suas mãos”, disse o economista Brad Setser, pesquisador sênior do Council on Foreign Relations. 

A dolarização não é uma garantia de bem-estar econômico. Não resolve o problema de fluxos inconstantes de moeda estrangeira. Você tem de seguir a política monetária americana e não há um emprestador doméstico de dinheiro de última instância. 

Experiências

A adoção do dólar não assegura a prudência fiscal. Após dolarizar a economia em 2000, o Equador conseguiu estabilizar a economia e acabar com a alta inflação, mas Rafael Correa, que ocupou a presidência entre 2007 e 2017, sempre tentou driblar as regras. “Ele não chegou a descartar o dólar”, disse Aristodimos Iliopoulos, da Economist Intelligence Unit. 

“Entretanto, ele cooptou o Banco Central, forçando-o a emprestar dinheiro ao governo, usando as reservas externas, aumentando os recursos para a seguridade social e introduzindo moeda eletrônica. Isto funcionou bem enquanto o petróleo estava nas alturas, mas isso acabou”. 

El Salvador se saiu melhor, mas ficou aquém. Enquanto o dólar acabou com a inflação e reduziu fortemente as taxas de juros, os investidores recuaram: nos 15 anos desde o cessar-fogo, o investimento direto externo e o crescimento da economia caíram pela metade. 

Análise

Na Venezuela, a dolarização parece uma música que agrada os ouvidos. “Pode funcionar no curto prazo e livraria da hiperinflação”, diz Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics. 

“Mas é necessário ter dólares para dolarizar e a única fonte de moeda estrangeira da Venezuela é o petróleo e sua produção está caindo rapidamente. O país enfrenta sanções dos Estados Unidos, China é o único que empresta recursos e, mesmo eles, estão reduzindo os recursos. Se todos os canais estão bloqueados, fazer o quê? Você irá provocar mais declínio econômico”. 

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E não dá para esquecer da desconcertante questão de quem implementará o plano de resgate. “Você não dolariza quando está em desordem total. Um país precisa ter um mínimo de estabilidade, sua balança de pagamentos estar em ordem e ter boas relações com a comunidade financeira internacional, disse Mailson da Nóbrega, ex-ministro brasileiro da Fazenda. 

“Na Venezuela, você não tem nada disso. Nenhuma reserva financeira., o setor público em colapso, o país em moratória e um presidente louco”. Existem alguns problemas que nenhuma quantia de dinheiro pode consertar.

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