No mês de agosto, uma delegação de cinco políticos do Partido Democrata dos Estados Unidos, membros da Câmara dos Deputados, fez uma viagem oficial pela América Latina patrocinada pelo Centro de Pesquisa Política e Econômica (CEPR, na sigla em inglês), um think tank que promove ideias progressistas. O grupo era diverso em gênero, idade e experiência em gestão pública; no entanto, todos pertencem à ala mais à esquerda do partido e têm ascendência latino-americana.
A América Latina tem sido historicamente uma região de grande interesse para os Estados Unidos. É conhecida a participação ativa do "vizinho do norte" na política interna de muitos países. No entanto, recentemente, novas vozes têm surgido que adotam diversas causas sociais: o racismo, a violência e discriminação de gênero, a imigração, a crise ambiental ou as lacunas de desigualdade e pobreza. Daí o interesse em buscar uma nova aproximação com a região.
Quem integrou a comitiva?
Duas são mulheres: Nydia Velázquez (70 anos) e Alexandria Ocasio-Cortez (33 anos), ambas de ascendência porto-riquenha e representantes de distritos de Nova York. Velázquez é famosa por ser a primeira mulher latina a ocupar um assento no Congresso americano (em 1993), posição que mantém até hoje. Por sua vez, Ocasio-Cortez (AOC, como é popularmente conhecida) é a mulher hispânica mais jovem a ser eleita como deputada (em 2018, com 29 anos). Foi líder da campanha presidencial de Bernie Sanders em 2016 e pertence ao movimento Democratas Socialistas dos EUA.
Do estado do Texas, dois deputados se juntaram à viagem: Joaquín Castro (48 anos) e Greg Casar (34 anos), ambos mexicanos de segunda geração radicados nos Estados Unidos. Suas carreiras políticas são semelhantes, pois ambos foram deputados estaduais na Câmara do Texas durante alguns mandatos antes de saltar para a política nacional. Atualmente, Castro lidera a Comissão de Assuntos Exteriores e também é membro da Comissão de Inteligência. Casar, por sua vez, também pertence à organização Democratas Socialistas dos EUA. Este é seu primeiro ano no Capitólio de Washington D.C., mas já fez manchetes. Tornou-se popular em junho quando fez greve de fome e sede em protesto contra uma lei aprovada no Texas que proibia os trabalhadores de fazerem pausas para beber água. [N. do T.: essa foi uma forma incorreta de a imprensa apresentar a lei, como explicou a National Review. A lei removeu obrigatoriedades locais para unificar e simplificar o espaço legal texano no campo do trabalho, não proibiu pausas para beber água.]
Maxwell Alejandro Frost é o membro mais jovem da delegação, assim como o mais jovem na Câmara dos Deputados. Com 26 anos, este é seu primeiro mandato, e ele ocupa seu assento como representante da Flórida. Durante sua candidatura, destacou-se por defender a regulamentação das armas, pois os massacres escolares de 2012 foram decisivos em sua decisão de entrar para a vida pública. Na campanha, contou com o apoio dos senadores Bernie Sanders (Vermont) e Elizabeth Warren (Massachusetts). Outros membros da comitiva que se juntaram aos deputados foram Misty Rebik, chefe de gabinete do senador Sanders, Alexander Main, diretor do CEPR, e David Adler, também do CEPR.
No Brasil
De 14 a 21 de agosto, a delegação dedicou três dias a cada país visitado. Antes de partir, os congressistas afirmaram repetidamente que seu principal objetivo era ouvir e entender como estão sendo implementadas várias estratégias que buscam promover a igualdade de gênero, os direitos trabalhistas e sociais, a transição energética, a proteção do meio ambiente e a inclusão de comunidades marginalizadas, como os indígenas ou os grupos afro. Com isso, queriam iniciar uma nova forma de relação entre os Estados Unidos e seus vizinhos, afastando-se das políticas intervencionistas do passado.
“A política externa dos EUA tem contribuído com muita frequência para a instabilidade na América Latina: e nós deveríamos proteger a democracia, em vez de apoiar golpes de Estado.”
Greg Casar, deputado do Texas
A primeira parada da comitiva foi em Brasília. Entre 14 e 16 de agosto, realizaram encontros com ministros, deputados e líderes de movimentos sociais, embora o presidente Lula não tenha sido visto. Foram recebidos por Celso Amorim, assessor do presidente em política externa, que concluiu após o encontro que havia abertura para o diálogo. Com Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, conversaram sobre os planos do Brasil para a reunião do G20, que será no Rio em 2024. Com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, discutiram o Plano de Transição Ecológica, que havia sido lançado três dias antes, retomando estratégias que Lula já havia implementado durante seu governo anterior e que Dilma Rousseff manteve. Seus críticos apontam que seu alto custo aprofundou a crise fiscal do Brasil. Agora, espera-se que ajude a reduzir o forte impacto ambiental deixado pelo governo de Jair Bolsonaro na Amazônia, região de especial interesse para os Estados Unidos.
Com os congressistas brasileiros, abordaram dois temas: no Senado, a investigação que está sendo realizada sobre os eventos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram boicotar a posse do presidente Lula, ecoando o que aconteceu um ano antes em Washington e que também está sendo julgado lá.
Na Comissão da Amazônia e Povos Indígenas, presidida pela deputada Célia Kakriabá, Alexandria Ocasio-Cortez pediu para ser considerada em uma comissão para a proteção da Amazônia e concluiu a reunião, em um espanhol hesitante, comparando as violações ao território com a violência contra os corpos femininos e fazendo um apelo à consolidação de um "movimento progressista global" para enfrentar o avanço internacional do "fascismo".
A agenda foi encerrada com reuniões com três movimentos sociais muito importantes no Brasil: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), famoso por suas ocupações no final do século passado e atualmente sendo julgado por elas, e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que organizou áreas de ocupação dentro da cidade onde contam com hortas e refeitórios comunitários para alimentar centenas de pessoas por dia.
Chile
Em Santiago, foram recebidos por Camila Vallejo, porta-voz do governo de Gabriel Boric, em 16 de agosto. A visita ao Chile teve um tom diferente, já que este país está prestes a lembrar os 50 anos do golpe de Estado contra Salvador Allende, o primeiro presidente de esquerda que teve. Hoje se sabe que Augusto Pinochet, o militar que impôs uma ditadura de 17 anos, contou com o apoio do governo de Richard Nixon e com o apoio de agentes da CIA. Por esse motivo, o primeiro evento realizado lá foi uma live através das contas do Instagram de AOC e Vallejo, na qual anunciaram duas solicitações enviadas em 9 de agosto ao governo dos Estados Unidos para tornar públicos documentos relacionados ao golpe. Uma das solicitações foi feita pela deputada Ocasio-Cortez, e a outra, pelos deputados da Câmara chilena. Outras visitas relacionadas à efeméride foram ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos, com acompanhamento de Luis Cordero, ministro da Justiça; e à casa de Salvador Allende, acompanhados por sua filha, Isabel Allende, hoje senadora.
A igualdade de gênero foi um dos principais assuntos tratados no Chile, que acaba de aprovar uma Política Externa Feminista.
Em 25 de agosto, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, por meio de um comunicado emitido pela embaixadora dos Estados Unidos no Chile, Bernardette Meehan, que reitera o compromisso da administração Biden com a promoção dos direitos humanos e da democracia, tornou públicas duas minutas enviadas ao presidente Nixon nas manhãs de 8 e 11 de setembro de 1973. No comunicado, no entanto, não são mencionados os deputados democratas que fizeram a turnê, destacando uma distância entre eles e o presidente que já é intuída por outros lados também.
O outro tema importante que revisaram no Chile foi a igualdade de gênero. Para isso, visitaram a Casa Igualdade, acompanhados pela prefeita de Santiago, Irací Hassler, um lugar onde se oferece acompanhamento jurídico, psicológico e social a cuidadores e a quem está sob seus cuidados. Também se reuniram com as subsecretárias Gloria de la Fuente e Claudia Sanhueza, responsáveis pela recém-emitida Política Externa Feminista, uma abordagem que coloca a igualdade de gênero como imperativo para as decisões internas do Ministério das Relações Exteriores, bem como para as estratégias que são impulsionadas a partir daí. O Chile é o primeiro país sul-americano a assinar um documento desse tipo, mas a Colômbia também já aderiu. A visita terminou com um jantar com o presidente Gabriel Boric e o chanceler Alberto van Klaveren.
Com Petro
A última etapa da viagem ocorreu durante um fim de semana prolongado na Colômbia, entre 19 e 21 de agosto. Foram recebidos pela vice-presidente, Francia Márquez, a primeira mulher negra a ocupar esse cargo na Colômbia. Com ela, discutiram sobre a política de Paz Total, lançada pelo governo para abrigar as diversas estratégias de negociação que pretende realizar com os grupos armados à margem da lei que ainda sobrevivem no país. Sobre esse ponto, o representante Casar afirmou: "Estamos trabalhando para que, a partir dos EUA, impulsionemos políticas para conter o tráfico de armas para o continente. Queremos trabalhar para fortalecer o intercâmbio de fertilizantes e promover economias legalizadas para apoiar as comunidades do Pacífico. E temos interesse em incentivar um relacionamento frutífero em etnoeducação".
Os deputados democratas apoiaram a mudança de estratégia adotada por Gustavo Petro em relação às drogas: substituição de cultivos em vez de pulverização dos ilegais.
Casar se referia à decisão do presidente Petro de mudar a estratégia de combate às drogas: de uma focada na pulverização, para uma que trabalhe na substituição de cultivos.
Os deputados tiveram reuniões com outros altos funcionários do governo, como o Alto Comissário para a Paz, Danilo Rueda; a equipe negociadora com o Exército de Libertação Nacional (ELN); os ministros da Defesa, Justiça, Minas e Energias e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, bem como com membros de organizações civis como o Processo de Comunidades Negras (PCN) e a Organização Nacional Indígena da Colômbia, com quem discutiram sobre seus esforços para defender seus territórios.
O encerramento foi na tarde de segunda-feira, 21 de agosto, em um encontro com o presidente Gustavo Petro, o primeiro de esquerda na Colômbia. Desde sua eleição, ele tem buscado se distanciar das formas de relação que seus predecessores mantiveram com os EUA, que sempre se consideraram — com orgulho — o primeiro aliado da potência na região. Petro, por outro lado, disse que renegociará o Tratado de Livre Comércio e questionou o papel de Biden na invasão russa à Ucrânia. Na reunião com os democratas, Petro se concentrou na importância da transição energética para realmente combater a crise climática, enfatizando que, se os Estados Unidos não aderirem a ela, não será possível alcançá-la. Nesse sentido, lembrou a proposta que já apresentou ao presidente Biden de "trocar dívida pública por ação climática" e garantiu que o presidente americano a apoia.
Verdadeiros referentes?
Cada um dos governos visitados pela comitiva de democratas tem suas particularidades. Lula e Petro têm muitos anos na política nacional de seus países; o primeiro ocupa o cargo pela terceira vez, enquanto o segundo está dando a primeira oportunidade à esquerda de governar na Colômbia. Boric, por sua vez, conseguiu unir o surto social chileno no meio da pandemia em um projeto que o levou à Casa de la Moneda com apenas 36 anos. Essa situação de desconforto social foi experimentada em paralelo na Colômbia e foi acolhida pela campanha do Pacto Histórico (união de vários pequenos partidos de esquerda que apoiaram a candidatura de Petro e Márquez) e consolidada em uma campanha que visava dar uma reviravolta de 180 graus no país.
No entanto, embora habilidosos em campanha, tanto Boric quanto Petro tiveram sérias dificuldades para governar e cumprir as promessas progressistas pelas quais foram eleitos. No Chile, a Constituição que prometia substituir a da ditadura afundou no plebiscito do ano passado, com 62% contra. E enquanto se prepara uma nova versão para ser votada em dezembro deste ano, a impopularidade do governo Boric sobe para 70%.
Por outro lado, o clima político na Colômbia permanece agitado. Apesar do progressismo das reformas propostas pelo "Governo da Mudança", ou talvez precisamente por isso, nenhuma delas conseguiu aprovação do Congresso. A reforma da saúde e da previdência já caíram, e a trabalhista está em trâmite pela segunda vez. É por isso que, cinco dias antes da visita dos congressistas democratas, o presidente instou seus ministros a mostrar resultados em um mês ou sair. Também os instou a pedir aos diretores das unidades que dependem deles que renunciem aos seus cargos. Se efetivado, este seria o terceiro grande remanejamento de gabinete de Petro, que acaba de completar um ano no cargo. Tudo isso ocorre entre escândalos de corrupção que envolvem Laura Sarabia, sua chefe de gabinete, e Nicolás Petro, seu filho, que foram acusados de receber dinheiro do narcotráfico para a campanha presidencial.
O realmente preocupante é que nenhum desses pontos foi destacado pelos comunicados oficiais, pelas contas do Instagram dos representantes ou pela imprensa americana que relatou a viagem. Parece que, no esforço para deixar de lado a visão intervencionista da Guerra Fria, agora se passou para o extremo oposto, o de ignorar que não só de campanhas e promessas vive o homem.
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