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A vice-presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner| Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP

Após a aprovação da reforma judicial no Senado, Cristina Kirchner obteve mais uma vitória - parcial - no campo da justiça: com respaldo do Conselho de Magistrados, o presidente Alberto Fernández removeu de seus cargos três juízes que analisavam processos de corrupção contra a atual vice-presidente da Argentina. O tema é bastante técnico, mas mostra como Kirchner explora esses aspectos para avançar sobre a justiça e assim sustentar a tese de que foi alvo de uma perseguição judicial durante os anos do governo de Maurício Macri.

Os três juízes que foram removidos de seus cargos atuais são Leopoldo Bruglia, Pablo Bertuzzi e Germán Castelli. Bruglia e Bertuzzi eram juízes da Câmara Nacional de Apelações Criminais e Correcionais Federais. Foram transferidos para lá por decreto assinado por Macri, quando ele era presidente da Argentina. Na função, eles confirmaram acusações contra Kirchner e vários funcionários do governo dela. Castelli foi transferido por Macri para o Tribunal Oral Criminal Criminal Federal nº 7 da capital, onde se investiga a “Lava Jato argentina”, o processo conhecido como “cadernos de propinas”, que acusa Kirchner de orquestrar um grande esquema de corrupção na Argentina por vários anos. Castelli foi sorteado entre os juízes deste tribunal para julgar a vice-presidente neste processo.

São essas transferências da administração Macri que foram questionadas pelo governo atual, kirchnerista. O oficialismo diz que elas foram realizadas de maneira arbitrária, sem considerar uma votação no Senado. Afirmam que Bruglia e Bertuzzi trabalhavam como juízes em tribunais orais da primeira instância, não como juízes de câmaras de apelação, de forma que a promoção foi validada sem os trâmites requeridos. A situação também alega que o cargo de Bruglia só ficou vago porque o governo Macri teria forçado a saída do juiz anterior, Eduardo Freiler, ligado ao kirchnerismo, investigado por enriquecimento ilícito e que acabou sendo destituído em um processo político impulsionado pelo macrismo.

Portanto, o impasse atual gira em torno da questão: para transferir um juiz é necessária a aprovação do Senado?

A dúvida já havia sido levantada na época em que as transferências ocorreram, segundo lembra o professor de Direito da Universidade de Buenos Aires, Flavio González. Ele explica que essas transferências são feitas em caso de aposentadoria ou morte de um juiz que compõe a câmara, com o objetivo de não travar o funcionamento das salas enquanto se espera a seleção de um novo juiz por concurso, que necessita aprovação do Conselho de Magistrados. A Suprema Corte de Justiça havia determinado que os traslados eram legais e os atos também haviam sido aprovados pelo Conselho de Magistrados da época.

Contudo o assunto voltou à pauta pelas mãos do novo governo, que iniciou o processo de rejeição das transferências no Conselho de Magistrados, que atualmente conta com maioria favorável ao kirchnerismo. Na semana passada essa decisão foi confirmada pelo Senado, onde a maioria também é governista, e apenas horas depois Alberto Fernández assinou três decretos que essencialmente anularam os de Macri e mandaram os juízes de volta aos cargos anteriores. Também no mesmo dia, a Câmara Federal de Cassação, o máximo tribunal penal, determinou, por maioria, que os juízes deveriam obedecer as determinações do presidente.

Associações profissionais e acadêmicas do Direito repudiaram os decretos de Fernández e a votação no Senado, que ocorreu sem a presença da oposição minoritária e sob o comando da vice-presidente, Cristina Kirchner. A Associação de Magistrados e Funcionários da Justiça Nacional (AMFJN) manifestou preocupação sobre uma situação que considerou “inédita” e pediu “prudência ao Poder Executivo”, segundo o jornal La Nacion. A Associação Será Justiça foi mais enfática e considerou os decretos um "golpe à independência judicial" e convocou o Supremo Tribunal Federal para tratar do assunto rapidamente.

Os três juízes pediram que a Suprema Corte resolva a questão de uma vez por todas, o que deve ocorrer nesta semana, segundo o jornal Clarín.

Para González, transferências de juízes não deveriam ser prioridade da pauta do Senado. Ele acredita também que este é um assunto que interessa exclusivamente à Cristina Kirchner. “Há muitos juízes que estão nessa condição no país, mas ela só avançou com a remoção dos juízes que estão investigando-a”, afirmou.

Ministério Público

Há ainda uma outra frente da ofensiva dos kirchneristas sobre a justiça: buscam pela destituição do procurador-geral interino da Argentina, Eduardo Casal, que está à frente do Ministério Público desde a renúncia da ex-procuradora Alejandra Gils Carbó. Foi ela quem nomeou Casal, um promotor de carreira, como seu sucessor temporário até que o Senado nomeasse seu substituto - o que não ocorreu até hoje por desentendimentos políticos.

Para que o governo de Fernández consiga aprovar um novo nome para o cargo, é necessária a aprovação de dois terços do Senado. Recentemente, o presidente enviou à casa o nome de Daniel Rafecas, mas ainda não houve acordo com a oposição. Alguns congressistas kirchneristas chegaram a cogitar a hipótese de alterar as normas para que ele fosse aprovado com a maioria simples dos senadores, mas a ideia foi rejeitada até por Rafecas.

Com a dificuldade de aprovação de um titular, os kirchneristas estão tentando remover Casal por meio de um processo disciplinar no Ministério Público. Um processo de impeachment também está sendo avaliado pelo Congresso, depois que instituições alinhadas ao kirchnerismo pediram a remoção de Casal, alegando “mau desempenho de suas funções” e “duplo padrão”, mas os governistas não têm votos suficientes para derrubá-lo.

“[Os kirchneristas] sempre tiveram problemas com o Poder Judiciário, o veem como um obstáculo para seu projeto político”, afirmou González. “A ideia é colonizar o judiciário com juízes fiéis ao kirchnerismo, começar a construir uma Justiça Federal que seja a favor dos interesses de Kirchner”.

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