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Danit Laish e seu bebê: para ela, a maioria judaica não será ultrapassada graças às famílias ortodoxas | Helena Carnieri
Danit Laish e seu bebê: para ela, a maioria judaica não será ultrapassada graças às famílias ortodoxas| Foto: Helena Carnieri

Depoimento

Segurança é garantida com mão firme

Helena Carnieri, repórter de Mundo

O medo de novos atentados suicidas tornou Israel um país muito seguro. É bem melhor andar à noite em Haifa do que em Curitiba, e diz-se que o crime contra a pessoa é praticamente inexistente. Mas há um preço para isso. Quer entrar no shopping? Abra a bolsa e passe pelo detector de metais, obrigado. Em ocasiões menos corriqueiras, como a recepção ao presidente Lula na residência no presidente Shimon Peres (que ocorreu no último dia 15), o bicho pega. Não basta apresentar o passaporte. É preciso responder perguntas, muitas perguntas. "O que faz em Israel?", "Onde mora?", "Tem amigos no país?". Mais de uma hora depois e já perdendo o discurso de Lula, os jornalistas foram admitidos – com exceção de uma colega, que precisou tirar até a roupa no detector de metais.

No dia seguinte, para entrar no Parlamento (Knesset), o problema eram os equipamentos. Apesar de uma combinação prévia do Ministério de Relações Exteriores, de quem eu era convidada, com a equipe de segurança, não pudemos entrar com máquinas fotográficas. Entreguei meu i-pod na entrada e não o recebi na saída. Reclamei, e fui interrogada por diversos policiais. "Isso não pode acontecer", me diziam, com truculência. No final, o chefe da segurança rabiscou meu telefone rapidamente, ou creio que o fez, pois foi em hebraico, e abriu a porta para mim. No dia seguinte, quando o aparelho apareceu na bolsa de um colega, deu vontade de ligar e dizer: "Desculpe, foi só um teste".

Se entrar em Israel havia dado medinho, sair foi complicado. Apresentei à segurança do aeroporto, orgulhosa, a carta ministerial de que dispunha, o que foi o mesmo que dizer: "Por favor, me interroguem minuciosamente". As exigências que me fizeram, num esquema de gincana, incluíram abrir no laptop um arquivo que provasse minha filiação ao jornal, explicar por que fiz vídeos se trabalho com imprensa escrita e até contar algo que tivesse aprendido no curso que fiz em Haifa. Vinte minutos depois, liberada, deu até saudade da oficial: não tinha dado tempo de mostrar as melhores fotos do Brasil...

  • Barack Ben e os dois filhos: família ortodoxa crescerá com a ajuda de Deus
  • Nibal Hamdan (direita) e a filha (esquerda): prioridade é ter como educar
  • Veja comparativo da taxa de natalidade entre israelenses e outros países

A preocupação dos israelenses com o futuro se reflete no número de bebês que põem no mundo. Ao contrário dos pessimistas italianos, com taxa de 1,38 filho por mulher, ou dos espremidos japoneses, com 1,27, o povo de Moisés registrou fertilidade de 2,96 fi­­lhos por mulher em 2008.

O número torna Israel um dos poucos países do primeiro mundo com taxa de natalidade próxima de 3 filhos por mulher, o que pode ser interpretado como uma resposta à pressão demográfica entre judeus e árabes.

"Um filho não é suficiente por­­que este é um país tradicional do ponto de vista cultural. Mas também é pela demografia", disse à Gazeta do Povo a so­­cióloga israelense Yahel Ash Kurlander.

No território israelense, os ju­­deus são maioria (76% da população, ou 6 milhões de pessoas), mas nos territórios pa­­lestinos ao redor a população já é de quase 4 mi­­lhões, com taxa de fertilidade que alcança 5,1% na Faixa de Gaza, de acordo com a inteligência norte-americana (CIA World Factbook). Em Israel, as famílias árabes mu­­çulmanas têm em média 3,8 fi­­lhos. Inde­­pen­­den­­temente da lógica dos nú­­meros, corre solto o te­­mor de que, num período de 10 anos, os judeus sejam ultrapassados.

"É uma questão de vida ou morte", afirmou à agência Efe o presidente da ONG Fence for Life, Ilan Tsion, temendo que a desvantagem númerica deixe Israel mais vulnerável. A organização defende a separação física entre israelenses e palestinos, como ocorre nos trechos onde há um muro divisório.

A esse sentimento se soma a tradição judaica de núcleos familiares fortes. "Logo que casei co­­meçou a pressão. ‘E aí, não vão ter filhos?’ E um só não é suficiente. Só não tenho meu segundo já porque minha filha tem apenas um ano e meio", conta Yahel, que também dirige uma ONG de direitos da mulher e quer ter quatro filhos.

A presidente da empresa israelense de redação Write Point, Paula Stern, tem cinco filhos e nega influência religiosa ou étnica na decisão. "Cada vez que ti­­nha outro bebê sentia que a família não estava completa. Só quando o quinto nasceu eu disse: ‘Era isso, era ele que faltava’". Para ela, a demografia do país não é tão relevante quanto a violência na sociedade.

"Quero ter só mais um", restringe Danit Laish, de 31 anos. Ela justifica: "Estou preocupada com o que vai acontecer em Israel quando ele (o filho) for maior, mas a ideia pessimista de judeus serem minoria, isso não vai acontecer. Temos os muito ortodoxos para balancear."

De acordo com o discurso corrente em Israel, dos parquinhos aos restaurantes, o segredo da fertilidade nacional está nas fa­­mílias ortodoxas, que chegam a ter 10, 12, 14 filhos.

"É a maior taxa de fertilidade para homens com uma só mu­­lher", diz Shira Mano, coordenadora de um centro de treinamentos do governo israelense. Ela ar­­risca uma explicação de foro ín­­timo. "Eles não utilizam métodos contraceptivos e seguem preceitos bíblicos, com dias de resguardo para a mulher, que acabam permitindo a relação sexual só nos dias próximos do período fértil."

O judeu ortodoxo Barack Ben, que nasceu em Los Angeles e imigrou para Israel com um ano de idade, faz uma ressalva: "Quero mais filhos, com a ajuda de Deus". Ele e a mulher têm um menino e uma menina.

Incentivo

Além da ajuda divina, os judeus que não conseguem procriar contam com a mãozinha do Estado. "Temos o maior número de clínicas de fertilização in vitro do mundo", conta Yahel. Se não der certo, o casal tem direito a mais uma tentativa. Tudo grátis. A tecnologia desenvolvida na área agregou o turismo médico ao religioso e àquele voltado às comunidades kibutzim.

Apesar do incentivo estatal e da tradição de famílias numerosas, é alto também o número de abortos em Israel. De acordo com a organização religiosa Efrat há 50 mil interrupções da gravidez por ano no país. O aborto é legalizado, mas a mulher precisa passar por uma junta médica que o autorize. É raro que a permissão não seja concedida.

ONGs como a Efrat, em geral de cunho ortodoxo, dedicam-se a desestimular a prática, muitas vezes oferecendo apoio financeiro para que a mulher decida ter o filho. Em anúncios de jornal, um dos argumentos pelo qual justificam a manutenção da gravidez é a necessidade de os judeus manterem sua maioria populacional.

Árabes

Já entre a comunidade árabe, a preocupação demográfica parece não se refletir. Nibal Hamdan, que mora em Haifa, tem uma filha, e pondera que muitas fa­­mílias pensam duas vezes antes de encher a casa, preocupadas em poder educar e dar boas coisas a eles.

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* A jornalista viajou a convite do governo de Israel.

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