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Presidente iraniano. Hassan Rouhani, disse que o Irã ultrapassará o limite de enriquecimento de urânio acordado em 2015
Presidente iraniano. Hassan Rouhani, disse que o Irã ultrapassará o limite de enriquecimento de urânio acordado em 2015| Foto: Divulgação/Presidência do Irã/AFP

A atual disputa diplomática entre Estados Unidos e Irã depende de um detalhe técnico relativamente pequeno: o enriquecimento de urânio pelo país persa.

Nesta semana o Irã anunciou que violou o limite de estoques de urânio de baixo enriquecimento previsto no acordo nuclear de 2015 - o que posteriormente foi confirmado por inspetores internacionais. Agora, ameaça aumentar os níveis de enriquecimento de urânio ainda neste fim de semana.

O Plano de Ação Compreensivo Conjunto (JCPOA na sigla em inglês) permite que o Irã tenha até 300 kg de até 3,67% de hexafluoreto de urânio enriquecido - até agora o país ultrapassou esse limite em alguns quilos, mas antes do acordo chegou a ter 10.000 kg em estoque. Esta disposição é apenas um dos muitos limites que o acordo impõe ao programa nuclear do Irã e alguns especialistas até argumentam que seja insignificante em nível técnico. Mas seu potencial impacto diplomático não deve ser subestimado.

Por que o enriquecimento de urânio é importante?

O urânio é um metal natural que pode ser usado tanto em usinas nucleares quanto em armas nucleares. No entanto, para torná-lo útil para qualquer um desses usos ele deve ser enriquecido. Isso significa que a porcentagem de urânio-235, um isótopo de urânio físsil que ocorre naturalmente, deve ser aumentada.

No urânio que encontramos no solo, a porcentagem de urânio-235 é inferior a 1%. No entanto, ele pode ser enriquecido usando centrífugas que giram rapidamente o gás hexafluoreto de urânio. Se ele for enriquecido o suficiente para ter cerca de 90% de urânio-235, pode ser usado como material físsil em armas nucleares.

Isso significa que o Irã pode construir uma arma nuclear?

Por enquanto não. Eric Brewer, vice-diretor do Projeto sobre Questões Nucleares do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), explica que a quantidade de material que o Irã produziu ainda é modesta e é apenas uma fração do valor que seria necessário para uma arma nuclear.

“Se o Irã continuar a aumentar seu estoque, no entanto, começará a reduzir a quantidade de tempo que o país necessitará para produzir material físsil suficiente para uma arma, comumente chamado de 'linha do tempo de fuga' do Irã”, escreveu Brewer em artigo para o CSIS. Este cronograma de fuga atualmente é de um ano por causa dos limites impostos pelo acordo nuclear.

Brewer lembra que antes da implementação do JCPOA e do Plano de Ação Conjunto (anterior ao acordo de 2015), o Irã acumulou material suficiente para cerca de 10 bombas nucleares, e seu cronograma de rompimento foi de aproximadamente 2 a 3 meses.

“É improvável que o Irã se apresse em construir uma arma nuclear usando esse material porque, segundo os termos do acordo, os inspetores internacionais têm acesso rotineiro a suas instalações nucleares declaradas e detectam e reportam rapidamente, possibilitando ações internacionais”, avalia Brewer.

Então por que o Irã está violando o acordo?

É uma resposta direta às sanções dos Estados Unidos, que deixou o acordo nuclear em maio de 2018, e uma maneira de pressionar os demais signatários  – Rússia, China, Alemanha, França e Reino Unido – a contornar tais sanções, que atingem inclusive a indústria petroleira do Irã.

As violações, porém, não foram surpresa. Em maio, o presidente iraniano Hassan Rouhani disse que se seu país não puder colher os benefícios econômicos prometidos, ele suspenderia parcialmente o acordo nuclear.

Alemanha, Reino Unido e França estão trabalhando em um sistema de permutas que permitiria às empresas europeias fazer negócios com o Irã. No entanto, o complexo sistema não foi usado e é improvável que atenda a todas as demandas iranianas.

Todos os signatários do acordo, inclusive Rússia e China, condenaram a violação.

O que esperar de agora em diante

Líderes europeus sugeriram que consideram as ações do Irã como reversíveis e parte de uma tática de negociação. Na terça-feira (2), o presidente da França, Emmanuel Macron, divulgou um comunicado pedindo que o Irã aja "sem demora" para colocar seus estoques de urânio enriquecido dentro do limite acordado.

Os Estados Unidos, por outro lado, argumentam que a violação por parte do Irã mostra que o país nunca deveria ter sido autorizado a enriquecer urânio. Também insinuaram que quaisquer avanços nucleares do Irã são inaceitáveis.

“Dado que as medidas de sanções mais prejudiciais já foram empregadas pelos Estados Unidos, há poucas ferramentas não-militares que Washington possa usar para deter os avanços nucleares iranianos - e usar a força militar para impedir um mero encurtamento da linha de tempo irromper do Irã seria um erro estratégico com ramificações negativas significativas”, analisa Brewer.

Grupos como a Fundação para a Defesa das Democracias, críticos do acordo iraniano, disseram que o Irã não precisa enriquecer o próprio urânio e, ao invés disso, deveria comprar urânio enriquecido no mercado aberto.

Mas alguns especialistas em não-proliferação argumentam que a ideia do enriquecimento zero nunca funcionaria na prática. "Zero é uma fantasia. É uma maneira de matar qualquer negócio possível, exigindo o impossível", tuitou Joe Cirincione, presidente do Plough Shares Fund, na segunda-feira (1º).

Se o Irã se recusar a retornar à conformidade, os países europeus teriam que levar a questão ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que voltaria a impor sanções ao país persa. "O retorno das sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas seria um golpe final para o JCPOA, pois Teerã cessaria todos os seus compromissos nucleares, inclusive se retirar do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP)", alerta Névine Schepers, pesquisadora do Instituto Internacional para estudos Estratégicos.

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